Nascemos, crescemos, envelhecemos e morremos. Mas se é verdade que todos os cidadãos nascem iguais, também é certo que o sítio onde vivem, os rendimentos que têm e o seu nível de saúde influenciam fortemente o “tipo” de idosos que irão ser e até que idade irão, tendencialmente, viver. A idade cronológica é útil mas cada vez mais insuficiente para determinar quando começa a terceira idade e quando é que uma pessoa deve ser considerada “velha”, sendo necessário ter também em conta factores físicos e psicológicos. Estas são algumas das conclusões e teorias de um artigo publicado recentemente na Next Avenue e de um estudo apresentado pelo jornal The Lancet Public Health
POR MÁRIA POMBO

Se a vida seguir o seu curso normal, cada pessoa nasce, cresce e envelhece. E se existe alguma certeza que podemos ter é que a cada ano estamos todos mais velhos e iremos um dia morrer. De acordo com um artigo publicado recentemente na Next Avenue (uma plataforma norte-americana dedicada ao estudo e à publicação de artigos sobre a população idosa), “aceitar a nossa mortalidade como seres humanos sustenta a nossa busca de sentido para a vida e a nossa procura de sabedoria e maturidade”.

Mas, se é certo que, em termos cronológicos, todos envelhecemos ao mesmo tempo, a verdade é que existem pessoas que, pelos mais diversos motivos, envelhecem “mais depressa” do que outras. E, numa altura em que a população está cada vez mais idosa e as pessoas vivem cada vez mais tempo, é necessário compreender o que significa “ser velho” nos dias de hoje e de que modo é que este conceito evoluiu nas últimas décadas, existindo até quem questione se os 75 são os novos 65.

No mesmo artigo, explica-se que são dois os principais aspectos que definem “ser velho”, sendo que o primeiro é desde logo biológico e “está ligado ao declínio das capacidades físicas e mentais que influenciam e delimitam as nossas rotinas”. O segundo aspecto é psicológico e, para o explicarem, os seus autores recorreram a uma observação de Cícero, que dizia que “a velhice é a cena final no drama da vida”, recorrendo também à teoria da selectividade emocional defendida por Laura Carstensen, professora de psicologia e fundadora do Stanford Center on Longevity, que defende que “à medida que nos aproximamos do fim da vida, tendemos a dar mais importância às relações e actividades que foram e são emocionalmente mais significativas”.

Estes aspectos – tanto o biológico quanto o psicológico – estão profundamente enraizados no ser humano e são um tanto ou quanto complexos, variando de sujeito para sujeito. Contudo, os governos optam por abordar a velhice de uma perspectiva cronológica e mais simplista (utilizando métricas como o Índice de Dependência na Velhice), analisando o número e a percentagem de idosos com base numa idade – que actualmente é de 65 anos – a partir da qual, tendencialmente, os cidadãos deixam de ter tanta autonomia e passam a ser mais dependentes e, por esse motivo, passam a ser considerados idosos.

E esta opção, com todas as limitações que possa ter, é universal e parece ser adequada à maioria das pessoas, não existindo nela espaço para dúvidas e questões subjectivas. Porém, uma das fragilidades de que padece está no facto de, com a evolução do tempo e o aumento da esperança média de vida, uma pessoa com 75 anos ter, actualmente, o mesmo nível de saúde e vitalidade que teria alguém com 65 anos, na década de 1950.

Com base nesta ideia, uma das grandes questões que se colocam no artigo da Next Avenue está relacionada com a seguinte ideia: será que o facto de a população viver saudável durante mais tempo significa que devemos trabalhar até mais tarde e que a idade da reforma deve ser adiada? Os autores consideram que não e explicam que uma das grandes novidades e vantagens que o envelhecimento trouxe foi a diversidade, já que é possível ver pessoas que com 65 anos que estão no fim da vida. como também é cada vez mais habitual conhecer outras que, perto dos cem, ainda são perfeitamente autónomas.

[quote_center]À medida que nos aproximamos do fim da vida, tendemos a dar mais importância às relações e actividades que foram e são emocionalmente mais significativas[/quote_center]

De acordo com o artigo, a mudança da abordagem cronológica para a biológica poderá ser a solução para a maior dificuldade que hoje existe de estabelecer o momento em que começa a terceira idade, abalando os “estereótipos preguiçosos e baseados na idade” e ajudando a compreender melhor de que modo podemos influenciar o processo de envelhecimento, sendo igualmente útil para os governos porque “obriga” a repensar questões como a educação, o emprego e as políticas de reforma. Os seus autores sublinham ainda que “a nossa relação com o tempo muda quando passamos a tê-lo” e que estamos perante “uma oportunidade de nos libertarmos do determinismo numérico da idade cronológica que nos permite conhecer um conceito mais humano baseado nas características físicas e mentais de cada indivíduo”.

Saúde determina fortemente a longevidade e a qualidade de vida

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A prova de que a idade cronológica pode dizer muito pouco sobre a velhice está no facto de um cidadão com 46 anos que vive na Papua Nova Guiné ter o mesmo “nível” de velhice – associada aos problemas de saúde e às condições de vida que existem naquele país – que tem um cidadão japonês de 76 anos: em termos médicos, ambos correspondem à média global de 65 anos e são considerados idosos.

Estas conclusões são de um estudo apresentado recentemente (embora contenha dados de 2017) pelo jornal The Lancet Public Health, que pertence à Universidade de Washington, e que revela que a saúde está intimamente ligada à esperança média de vida, podendo o envelhecimento ser visto como uma oportunidade (nos países mais saudáveis) ou como uma ameaça (nos países cujas populações têm mais problemas).

De acordo com o documento, o nível de saúde dos cidadãos deve pesar tanto quanto a idade cronológica dos mesmos, já que “podem dar origem a reforma antecipada, menor força e capacidade de trabalho e mais gastos com médicos, medicamentos e tratamentos”, reforçando que “os líderes governamentais e empresariais devem ter em conta os momentos em que os cidadãos começam a sofrer com os efeitos negativos do envelhecimento”, mesmo estando em idade activa e, aparentemente, aptos para trabalhar.

O estudo contou com a análise aos cidadãos de 195 países tendo como objectivo compreender com que idade os cidadãos teriam o mesmo nível de saúde de um cidadão comum com 65 anos, ou seja, com que “idade real” os cidadãos são considerados idosos. As conclusões indicam que em 108 países a maioria dos cidadãos tem problemas de saúde associados à velhice antes dos 65 anos (ou seja, vivem um envelhecimento precoce) e que em 87 nações se verifica o oposto: os cidadãos têm mais de 65 anos. mas os seus níveis de saúde indicam que ainda não sentem os efeitos do envelhecimento.

[quote_center]A nossa relação com o tempo muda quando passamos a tê-lo[/quote_center]

Assim, e no que ao estado de saúde diz respeito, o Japão, a Suíça, França, Singapura, o Kuwait, a Coreia do Sul, Espanha, Itália, Porto Rico e o Peru são os dez países cuja população envelhece mais tardiamente. No pólo oposto – e na qualidade de países cujos cidadãos envelhecem mais rapidamente, tendo cerca de 50 anos mas assemelhando-se a cidadãos com 65 anos – encontram-se a Papua Nova Guiné, as Ilhas Marshall, o Afeganistão, o Vanuatu, as Ilhas Salomão, a República Centro Africana, o Lesoto, o Quiribati, a Guiné-Bissau e os Estados Federados da Micronésia.

Com estas diferenças em mente, os autores do estudo revelam que os governos a nível mundial estão empenhados em introduzir políticas que estudem melhor o envelhecimento da população. É que não é só a longevidade que deve ser tida em conta quando se aborda este tema, sendo necessário aprofundar a qualidade de vida da população, de modo a compreender-se se os efeitos do envelhecimento são positivos ou negativos para a população.

Neste sentido, e em linha com a teoria defendida no documento anteriormente citado, os autores do estudo explicam que existem duas formas de medir e abordar o envelhecimento: a primeira está relacionada com a idade (é uma abordagem cronológica, portanto) e envolve métricas como a o aumento da esperança média de vida, o número de anos que a população vive após a reforma, a idade média da população, etc.; a segunda prende-se com o “estado funcional” da população idosa, recorrendo a medidas que são, por um lado, objectivas (como bio-marcadores ou o funcionamento cognitivo) e, por outro, subjectivas (como a capacidade de realizar tarefas diárias ou a independência dos cidadãos face a terceiros).

O sítio onde vivemos também influencia a “nossa” terceira idade

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Tendo em conta que o aumento da esperança média de vida tanto pode representar uma oportunidade como uma ameaça, importa compreender de que modo a população pode preparar a terceira idade e que estratégias podem ser adoptadas pelos cidadãos para viverem esta fase da melhor forma. Para isso, e num artigo publicado pelo Scope (um blogue da Universidade de Stanford), Nancy Easterbrook, directora dos assuntos externos do Stanford Center on Longevity, responde a algumas perguntas, desmistificando algumas ideias e dando dicas úteis para viver melhor nos últimos tempos na vida.

Questionada sobre se a população tem procurado formas de prosperar à medida que envelhece, a especialista nesta área explica que sim, referindo que os “Baby Boomers” (ou seja, os cidadãos nascidos entre meados da década de 40 e meados da década de 60) estão a começar a preparar a sua reforma, desenvolvendo competências e procurando actividades nas quais se possam envolver na idade da reforma, numa espécie de “repetição de carreira”, existindo também mais oportunidades para os cidadãos nesta condição.

No que respeita às estratégias que podem ser adoptadas para que os cidadãos permaneçam psicologicamente saudáveis, Nancy Easterbrook não tem dúvidas de que o envolvimento social é a chave, explicando que as pessoas que o fazem “têm um motivo para acordarem, calçarem os sapatos e saírem à rua”. Em termos físicos, a especialista em relações externas da Faculdade de Direito da Universidade de Stanford salienta que é grande o impacto da nutrição e da mobilidade, reforçando que “o comportamento sedentário, como quando estamos ao computador, pode prejudicar mais a saúde do que o acto de fumar”.

[quote_center]Um cidadão com 46 anos que vive na Papua Nova Guiné tem o mesmo “nível” de velhice que um cidadão japonês de 76 anos[/quote_center]

Relativamente à existência de outros aspectos que preocupem os especialistas, Nancy Easterbrook revela que a perda de audição – que tende a ser mais forte com o avanço da idade – é uma grande preocupação, tendo em conta que são diversos os estudos que indicam que esta prejudica a comunicação, sendo um motivo de maior isolamento e levando os cidadãos a evitarem situações sociais.

Questionada sobre aquilo que mais determina a longevidade, a norte-americana responde “incrivelmente” que é o código postal (ou seja, o sítio onde vivemos), sublinhando – quase em tom de crítica – que este é um grande indicador de oportunidades em termos de educação, habitação, emprego, actividades, acesso a cuidados de saúde e qualidade da alimentação. Complementarmente, explica ainda que o nível de rendimento também influencia fortemente a longevidade, tendo em conta que aqueles que têm mais dinheiro têm acesso a melhores cuidados de saúde e podem ter um plano de reforma que lhes permite viver confortáveis e ter acesso a variadas actividades de lazer, comparativamente aos que vivem de uma forma mais simples.

Deixando uma ideia – que também parece ser uma boa conclusão para este artigo – Nancy Easterbrook considera que a longevidade – e a qualidade de vida na terceira idade – depende das escolhas que se fazem desde que nascemos, sublinhando que “é bom falar sobre envelhecimento mas planeá-lo é ainda melhor”.

E a ideia de que os 75 são os novos 65 – e tudo o que isso pode implicar – é discutível. O que não é discutível é que, independentemente da nossa idade, é nosso dever viver da melhor forma que conseguirmos.

Jornalista