Assim como o frio se sente porque conhecemos a sensação de calor ou o insonso se saboreia porque conhecemos o salgado, também a pobreza se reconhece numa sociedade quando um determinado leque de condições acessíveis a muitos não está disponível para outros.
POR MARGARIDA CASTRO REGO

Hoje gostava de vos convidar a refletir sobre a pobreza. Quando confrontados com esta palavra, a grande maioria de nós é habitualmente remetida para a definição mais tradicional do conceito – uma escassez material na qual o rendimento individual ou familiar é insuficiente para assegurar necessidades consideradas básicas, como a alimentação, a habitação e a saúde.

Assim, por força do hábito ou do vício, pensamos frequentemente que pobre é aquele que não tem comida e teto, mas esquecemo-nos de que, para os nossos padrões atuais, uma vida digna requer muitos outros elementos, como por exemplo o acesso à educação ou à saúde. Claro que estas dimensões são relativas a cada sociedade e dependem amplamente do seu progresso económico e social, variando ao longo do tempo e com as diferentes geografias.

Apesar de o rendimento ser muitas vezes o foco das reflexões sobre a pobreza, gostava que este texto nos fizesse questionar a definição de pobreza, e, por conseguinte, que alargasse o nosso espectro de análise e discussão.

Para tal, trago à nossa conversa uma história que se diz pertencer a Albert Einstein, ainda que sem provas nem certezas dado que o físico se afirmava agnóstico. Um dos seus professores terá apresentado a seguinte teoria – se Deus, criador de tudo, fosse infinitamente bom, então o mal não existiria, mas dado que observamos o mal no nosso dia-a-dia, então Deus não pode existir. Einstein terá desafiado a tese sustentando que o mal não existe em si mesmo, mas que é um reflexo da ausência do bem. Para suportar o seu argumento, o físico recordou ao professor que também o frio e o escuro são conceitos que o Homem criou para se referir à ausência de calor e luz e que não existem naturalmente.

Creio que podemos encaixar a pobreza nesta categoria de conceitos que se definem como sendo a ausência de algo que o Homem conhece e experimenta. Assim como o frio se sente porque conhecemos a sensação de calor ou o insonso se saboreia porque conhecemos o salgado, assim também a pobreza se reconhece numa sociedade quando um determinado leque de condições acessíveis a muitos não está disponível para outros.

Compreende-se pois que a desigualdade é condição sinequanone para a existência de pobreza – só se considera estar pobre aquele que não tem acesso a algo que outros à sua volta têm e que se deseja universal nessa sociedade. Ou seja, quando falamos de pobreza, falamos de um choque de duas realidades, na qual uma representa a ausência ou falência da outra.

Em Portugal, assim como noutros países tidos como desenvolvidos, a pobreza já começa a ser pensada num sentido mais amplo. Consideramos que está em situação de pobreza aquele que não consegue pagar uma renda no final do mês ou que não consegue pagar por uma alimentação adequada, mas também já juntamos à equação dimensões como a saúde, a educação, situação e condições laborais e saneamento básico, entre outras.

O estudo Portugal, Balanço Social 2021 recentemente publicado é prova viva deste progresso. Os autores retratam a pobreza e privação existente no país partindo do rendimento familiar, onde se descobre que apesar de a taxa de pobreza ter vindo a diminuir até 2019, nesse mesmo ano ainda 1,7 milhões de pessoas se encontravam em situação de pobreza (rendimento abaixo de 540 euros por mês). E apesar de o rendimento dar o mote para a discussão, a análise extende-se bem para lá deste, realçando, entre outros, fatores como as condições habitacionais (por exemplo, a capacidade de manter a casa aquecida ou a sua lotação), o acesso a meios de transporte e telecomunicações e o acesso a uma alimentação rica em termos nutritivos.

Acredito que é nossa responsabilidade conhecermos e integrarmos estas diferentes dimensões na nossa definição de pobreza. Para corrigirmos um problema, é necessário, em primeiro lugar, identificá-lo corretamente e creio que defender um conceito de pobreza abrangente será um dos maiores sinais de progresso numa sociedade que deseja verdadeiramente inclusiva.

Margarida Castro Rego

Nasceu em Lisboa em 1996. Completou o curso e o mestrado na NOVA SBE onde desenvolveu um gosto especial por políticas públicas. Atualmente trabalha em Londres no departamento de economia aplicada da consultora Oxford Economics.