Entre Outubro e Dezembro de 2020 a Transparency International inquiriu mais de 40 mil pessoas nos 27 Estados-membros da União Europeia sobre as suas percepções no que respeita à corrupção. Os resultados, publicados a 15 de Junho no “Global Corruption Barometer – European Union”, mostram que os europeus suspeitam dos seus governos, não têm confiança nem no sector público nem no privado e põem em causa os esforços anunciados de combate a este flagelo. A título de exemplo, mais de 106 milhões de pessoas em toda a UE recorreram a subornos ou a ligações pessoais para aceder a serviços públicos, com a Covid-19 a abrir caminho para um agravamento da falta de transparência e integridade na Europa a 27
POR HELENA OLIVEIRA

Com a pandemia a contribuir para tornar ainda mais negro um cenário há muito deteriorado, no geral, os resultados do “Global Corruption Barometer – European Union” (GCB), publicados a 15 de Junho último, mostram que cerca de um terço dos cidadãos europeus inquiridos acredita que a corrupção está a piorar no seu país, com quase metade a declarar que o seu governo está a fazer um mau trabalho no combate à mesma.

De acordo com o GCB, cerca de três em cada 10 inquiridos pagam um suborno ou fazem uso de uma ligação pessoal para aceder a serviços públicos, tais como cuidados de saúde ou educação, o que equivale a mais de 106 milhões de pessoas em todos os 27 países inquiridos. Existe também uma preocupação generalizada sobre a relação “demasiado próxima” entre negócios e política, com mais de metade das pessoas a acreditar que o seu governo é dirigido por (pelo menos alguns) interesses privados. Apesar disso, existem motivos para optimismo. Quase dois terços dos inquiridos defendem que o cidadão comum pode ajudar a acabar com a corrupção.

Numa semana em que a Estratégia Nacional de Combate à Corrupção chega à discussão no Parlamento (com o VER a publicar igualmente uma conferência sobre o mesmo tema a cargo da ex-procuradora geral da República, Joana Marques Vidal), vejamos as principais conclusões do barómetro conduzido pela Transparency International.

Governos, sector público e privado com avaliações deficitárias

Questionados sobre o que pensam sobre o estado da corrupção no seu país, qual a sua prevalência, se está a aumentar ou a diminuir e se o seu governo está a fazer o suficiente para a controlar, os cidadãos residentes na UE não mostram dúvidas que poucos ou nenhuns progressos foram alcançados, antes pelo contrário, com mais de três quartos a considerarem que a mesma estagnou ou se agravou. Com 44% dos cidadãos a afirmarem que os níveis de corrupção no seu país não se alteraram nos últimos 12 meses e 32% a declararem que a mesma aumentou, foram apenas 16% dos inquiridos a percepcionarem a sua diminuição. No Chipre, um número esmagador de cidadãos (65%) pensa que a corrupção aumentou no último ano e cerca de metade dos eslovenos (51%) e dos búlgaros (48%) considera também que a mesma sofreu um agravamento. Embora não exista nenhum país em que a maioria dos cidadãos pense que a corrupção esteja a diminuir, os resultados mais positivos vêm da Eslováquia, onde 39 por cento dos cidadãos vêem a corrupção diminuir.

Quando inquiridos sobre se a corrupção governamental é um problema no seu país, 62% respondentes consideram-na como “um grande problema”, apesar de os resultados variarem significativamente entre os 27 Estados-membros. Menos de 20% das pessoas que vivem na Dinamarca e na Finlândia consideram que a corrupção no governo existe, ao passo que mais de 85% dos respondentes da Bulgária, Croácia, Chipre, Itália, Portugal (88%) e Espanha acreditam que a mesma é um “grande problema”

A Transparency International perguntou igualmente às pessoas como classificam os esforços do seu governo para combater a corrupção, com quase metade a responder que não está convencida relativamente ao empenho dos seus líderes neste combate. Se 43% das pessoas na UE pensam que os seus governos estão a fazer um bom trabalho nesta área, 49% exactamente o contrário. Dinamarca, Finlândia, Luxemburgo e Países Baixos são os países que se destacam no bom sentido (com valores superiores a 60%), seguidos pela Áustria, Irlanda, Malta, Eslováquia e Suécia (mais de 50%, sendo que, e pelo contrário, 80% dos cidadãos de Chipre e dois terços ou mais pessoas na Bulgária, Croácia e República Checa consideram que os seus governos estão a fazer um péssimo trabalho. Em Portugal, 60% dos inquiridos consideram que o governo está a falhar na luta contra a corrupção, com 63% a acreditar que este sofre influências “impróprias”, provenientes de pessoas com um grande poder político e/ou económico.

Quanto às demais instituições e seus intervenientes, em 13 países da UE, as instituições governamentais encabeçam a lista da corrupção, com os deputados a serem considerados como os mais corruptos e com 28% dos cidadãos a afirmarem que a maioria – ou até todos – estão envolvidos em esquemas “pouco claros”. Estes são seguidos de perto pelos primeiros-ministros (23%) e pelos actores do sector privado, tais como executivos de empresas (25%) e banqueiros (23%). Estes dois últimos grupos são igualmente percepcionados como os mais corruptos em quase metade dos países da UE. Em Espanha, por exemplo, 42% dos cidadãos pensam que a maioria ou todos os banqueiros são corruptos, com 33% dos portugueses entrevistados a concordarem com a mesma afirmação. Na Alemanha, 35% das pessoas pensam que a maioria ou todos os executivos de empresas são corruptos.

Numa análise mais aprofundada sobre a percepção dos cidadãos face à integridade das empresas mais de metade das pessoas na UE (52%) também duvida que os contratos governamentais sejam atribuídos de uma forma clara e transparente. Pelo contrário, acreditam que a aquisição de bens e serviços nos seus países é muitas vezes decidida através da utilização de subornos ou ligações pessoais. Esta opinião é partilhada por pelo menos metade das pessoas em 16 dos 27 países da UE, incluindo algumas das maiores economias da região, tais como França (50%) e Alemanha (57%) e atingindo as suas taxas mais elevadas na Bulgária (76%), Chipre (75%) e Grécia (74%).38

Os Estados nórdicos, Estónia e Irlanda são os únicos Estados-membros em que a maioria dos inquiridos acredita que os contratos governamentais são, na sua maioria, atribuídos de forma clara e competitiva. Em toda a UE, as grandes empresas são também consideradas como não cumpridoras das suas responsabilidades fiscais. O GCB mostra que mais de cinco em cada 10 pessoas acreditam que as grandes empresas muitas vezes evitam pagar os seus impostos, com Portugal a sair muito mal nesta fotografia, dado que 74% dos inquiridos acreditam que a fuga aos impostos é rotineira. Os demais países onde as pessoas pensam com mais frequência que a evasão fiscal é habitual são a Grécia (78%), Chipre (76%), Itália (69%), Espanha (68%) e Alemanha (66%). Em contraste, esta opinião é menos difundida nos países bálticos e nórdicos.

Também as ligações “estreitas” entre as empresas e os governos foram objecto de escrutínio, com a crise global de 2008 a ter contribuído de forma significativa para uma maior atenção a este cenário em particular. O aumento da desigualdade na maioria dos Estados-membros da UE e a concentração da riqueza no topo têm aumentado ainda mais as preocupações sobre se os interesses do cidadão comum estão a ser encarados como uma prioridade. Quando há falta de clareza sobre os laços que os decisores políticos têm com a comunidade empresarial, existe o risco de as políticas e regulamentos serem feitos a favor de interesses empresariais e não em prol do bem comum. A consequente perda de confiança nos governos levou, em alguns casos, à ascensão de políticos populistas e à deterioração das instituições democráticas. Os resultados do GCB mostram que cerca de metade das pessoas na UE estão preocupadas com a influência indevida dos negócios na política.

No que respeita a boas notícias, que são poucas, e relativamente ainda à confiança nas instituições, é a de que, e na maioria dos países da UE, as forças policiais são consideradas pela maioria das pessoas como a instituição menos corrupta. Em média, 83% dos inquiridos acreditam que a corrupção na polícia é limitada a alguns agentes, no máximo.

Todavia, mais uma vez, existem diferenças significativas em termos da integridade das instituições nos vários Estados-membros, com a Áustria, Dinamarca, Finlândia, Alemanha, Irlanda, Luxemburgo, Países Baixos e Suécia a demonstrarem elevados níveis de confiança em todas elas. Em contraste, a Bulgária, Chipre, Polónia e Roménia mostram consistentemente os mais baixos níveis de confiança nas instituições. Em 18 países, a confiança nas instituições da UE é mais elevada do que a confiança nos governos nacionais. Existem diferenças particularmente substanciais nos níveis de confiança entre os governos nacionais e a UE em países como a Roménia (33%), Eslovénia (31%), Polónia (30%), Espanha (29%) e Croácia (28%). No entanto, nos países nórdicos (Dinamarca, Finlândia e Suécia), Áustria, Alemanha, Luxemburgo e Holanda, as pessoas tendem a confiar mais nos seus governos nacionais do que nas instituições europeias. A maior diferença encontra-se nos Países Baixos, onde a proporção de pessoas que confiam nos seus governos nacionais é 21 pontos percentuais mais elevada do que as que confiam na UE.

106 milhões de pessoas em toda a União Europeia beneficiaram de “ligações pessoais” para obter serviços públicos

Os cidadãos residentes na UE foram igualmente questionados sobre as suas experiências de corrupção no acesso a serviços básicos, tais como cuidados de saúde e educação, numa tentativa de se aferir de que forma é que estas afectam o seu quotidiano. E, se por um lado, o suborno só é comum em alguns países da UE, o uso de ligações pessoais para a obtenção de favores em várias áreas da sociedade é bastante mais generalizado.

Das pessoas que tiveram contacto com pelo menos um serviço público nos últimos 12 meses, apenas sete por cento pagaram um suborno para verem satisfeitas as suas necessidades. Contudo e mais uma vez, existem diferenças importantes entre os países: com a Dinamarca, Finlândia e Suécia a registarem as taxas de suborno mais baixas da região (menos de um por cento), é na Roménia (20%) Bulgária (19%), Hungria (17%), Lituânia (17%) e Croácia (14%) que os valores se mostram significativos. No entanto, e apesar de os actos de suborno serem significativamente mais generalizados na Europa de Leste, países como a Bélgica (10%), Áustria (9%) e Grécia (9%) apresentam taxas de suborno acima da média, particularmente quando comparados com a maioria dos países da Europa Ocidental.

Como já referido anteriormente, o suborno não é a única forma de corrupção com que alguns cidadãos lidam directamente. As regras e os regulamentos também podem ser contornados através de um favor ou da confiança num amigo ou familiar para ajudar a alcançar serviços ou benefícios. Ou seja, esta prática pode ajudar as pessoas com os “contactos certos” a aceder ou a receber um melhor serviço público. Mais grave ainda é o facto de este tratamento preferencial pode impedir grupos inteiros de aceder a serviços públicos e distorcer a distribuição de serviços governamentais a favor de grupos ou indivíduos que estão mais bem relacionados na sociedade e que, muitas vezes, são igualmente mais privilegiados de outras formas.

Dos que tiveram contacto com pelo menos um dos seguintes serviços públicos – escolas, clínicas, hospitais, documentação oficial e prestações sociais – 33% relataram ter utilizado ligações para obter o serviço de que necessitavam, o que é equivalente a mais de 106 milhões de pessoas em toda a Europa. A maior utilização de ligações pessoais foi documentada na República Checa (57%), França (48%), Portugal (48%), Hungria (43%), Áustria (40%) e Bélgica (40%). A utilização mais baixa foi registada na Estónia (12%), Eslovénia (18%) e Suécia (19%).

Ou, e em suma, mais de três em cada dez pessoas que beneficiaram de um serviço público nos últimos 12 meses utilizaram ligações pessoais para o obter.

O efeito Covid-19

São conhecidos os desafios extraordinários que a pandemia de Covid-19 está a colocar aos governos da EU, com as suas instituições a esforçarem-se por agir rapidamente contra o vírus e a mobilizarem grandes somas de dinheiro para lidar com as suas consequências.

Todavia, sem uma forte transparência, responsabilização e mecanismos de supervisão, situações de emergência como esta podem fornecer um terreno fértil para a corrupção. Isto, por sua vez, pode minar as respostas à crise e custar vidas. Apesar do reconhecimento, por parte dos cidadãos, de que estamos a lidar com uma crise sem precedentes, apenas cerca de quatro em cada 10 inquiridos em toda a UE consideram que os seus governos lidaram com a pandemia de uma forma transparente. Em França, Polónia e Espanha, 60% inquiridos ou mais pensam que a gestão da pandemia pelo seu governo carece de transparência. A experiência dos cidadãos em matéria de corrupção também foi maior quando lidaram com clínicas ou hospitais públicos, serviços que se revelaram como os mais importantes em tempos pandémicos. Em média, 6% das pessoas em toda a EU pagaram um suborno para obter ou aceder a serviços de saúde, com 29% a dependerem das suas ligações pessoais para os conseguirem alcançar.

As taxas de suborno no sector da saúde foram mais elevadas na Roménia (22%) e Bulgária (19%), e mais de quatro em cada 10 utilizadores de cuidados de saúde confiaram em ligações pessoais para os obter na República Checa (54%), Portugal (46%) e Hungria (41%).

Estas conclusões são particularmente preocupantes no contexto actual. Não só os doentes da Covid-19 necessitam de apoio médico, como os governos em toda a UE estão a lançar vacinas para proteger os mais vulneráveis ao vírus e estão a criar planos para atribuir milhares de milhões de euros para a recuperação pós-pandémica. A corrupção ameaça todas estas actividades com consequências ainda mais graves.

Nota: os resultados específicos Portugal podem ser acedidos aqui

Editora Executiva