Apesar das propostas para uma sociedade que deixe de viver a crédito de gerações futuras, há questões que continuam por responder: Será que a construção de uma economia de impacto está a acontecer ao ritmo desejado e necessário? Qual o papel dos setores privado e público e qual o papel reservado à sociedade civil na aceleração desta convergência para o impacto? Será que as políticas públicas, enquanto instrumento legislativo, podem assumir uma função importante na resolução dos grandes desafios dos nossos tempos?
POR CARLOS AZEVEDO e MAFALDA SARMENTO

1. Políticas públicas e os grandes desafios dos nossos tempos

O momento que atravessamos enquanto sociedade é particularmente importante. Hoje discutimos os grandes desafios da sociedade – desde a emergência climática às injustiças sociais. Esta discussão tem obrigado a uma reflexão profunda sobre o papel dos diferentes agentes económicos – O Estado, as empresas, as universidades e a sociedade civil. É por esta razão que é importante levantar as grandes questões dos nossos tempos: Como se combate o consumo excessivo de recursos e materiais à escala global (um estudo do Banco Mundial aponta para o triplo do consumo de recursos desde 1970)? Como se garante que os grandes desafios da sociedade se resolvem?

Existem factos que nos permitem olhar para o futuro com esperança: (1) Os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) propostos pelas Nações Unidas contribuíram para esta discussão através da definição de metas importantes para uma sociedade mais sustentável e equilibrada nas próximas décadas; (2) O consumo global está mais sustentável (em produtos como o café e o chocolate cujo aumento dos produtos substitutos sustentáveis foi de 5% por comparação com um crescimento de apenas 2% nos produtos tradicionais) forçando a produção a seguir a mesma tendência; (3) O talento procura mais propósito através do seu trabalho (75% dos millenials) obrigando a uma convergência das empresas para esta agenda; (4) e os investidores estão mais exigentes com o impacto do seu portfólio (hoje em dia 53% dos Asset Under Management na Europa são escrutinados usando critérios ESG – Environment, Social and Governance).

Apesar destas propostas para uma sociedade que deixe de viver a crédito de gerações futuras, há questões que continuam por responder: Será que a construção de uma economia de impacto está a acontecer ao ritmo desejado e necessário? Qual o papel dos setores privado e público e qual o papel reservado à sociedade civil na aceleração desta convergência para o impacto? Será que as políticas públicas, enquanto instrumento legislativo, podem assumir uma função importante na resolução dos grandes desafios dos nossos tempos?

2. Papel da sociedade civil na construção de políticas públicas

As políticas públicas são essenciais para que esta agenda se torne efetiva. Estes instrumentos permitem processos eficientes de correção de falhas de mercado e a criação de incentivos económicos para a internalização de efeitos sociais e ambientais negativos. Para que isto se torne uma realidade, é fundamental fazer convergir o conhecimento académico (fundamentado pelo processo científico), a vigilância e militância ativa da sociedade civil (crucial na identificação dos desafios contemporâneos mais importantes e negligenciados dos nossos tempos), a criação de mecanismos e incentivos promotores dos comportamentos adequados pelos governos e a mudança de práticas de consumo e produção por famílias e empresas. É, desta forma, fundamental e cada vez mais importante que esta discussão não se torne apenas burocrática ou ativista mas valorize a participação da sociedade civil e o conhecimento científico nos processos de geração de valor para a sociedade. Esta proposta permitiria o acesso dos decisores políticos à informação produzida pela sociedade civil, em tempo real, evitando que a sua visão míope na tomada de decisão tenha como consequência a geração de um enorme desperdício de informação.

A sociedade contemporânea evolui à medida que a rede de comunicação entre os cidadãos e decisores políticos se torna mais eficiente e equilibrada. A inexistência de canais e formas de comunicação entre estes dois mundos resulta num custo real que a sociedade atual já não consegue suportar (que tem como consequência o desperdício de oportunidades de intervenção em áreas críticas para o nosso desenvolvimento enquanto sociedade).

3. LEAP: Um salto em frente em direção aos ODS

A Fundação Calouste Gulbenkian, no contexto do seu Programa de Sustentabilidade, desenvolveu o LEAP – Policy Development Iniciative, em colaboração com o ICPA – International Centre for Policy Advocacy e o IES – Social Business School. Este programa surge da necessidade de apoiar o desenvolvimento de melhores políticas públicas, capazes de fomentar a Produção e o Consumo Sustentáveis. Pretende-se, assim, reduzir o desfasamento conceptual e informacional entre investigadores, sociedade civil e decisores políticos.

O LEAP é um programa de formação executiva com o objetivo de melhorar as capacidades e competências de profissionais da área académica, da Administração Pública e de organizações da sociedade civil, cuja missão é contribuir para a elaboração de políticas públicas baseadas em evidência.

Durante os 10 meses do programa (setembro de 2019 – julho de 2020) os 14 participantes foram desenvolvendo as suas propostas de policy research através de um policy paper, um policy brief e um advocacy plan. Ao possibilitar que estes profissionais melhorem a sua capacidade de contribuição para debates e processos de decisão no contexto de políticas públicas, o LEAP está, em última análise, a contribuir para melhorar a qualidade ambiental, o desempenho económico e os indicadores sociais em Portugal.

No final desta edição, os policy papers serão transformados em propostas de ação concretas que permitirão minimizar o gap informacional existente entre a sociedade civil e quem decide. Iniciativas como esta farão com que Portugal acelere a sua convergência para a agenda do impacto com a qual está comprometido através dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).

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Carlos Azevedo é CEO da IES-Social Business School e Mafalda Sarmento é gestora de projecto na mesma instituição