O filósofo, jornalista e activista espanhol José Ortega y Gasset, nascido no século XIX, costumava dizer que “cada geração tem o seu tema”. Às vezes ponho-me a divagar sobre qual será o tema da minha…
POR JOÃO RAFAEL BRITES

João Rafael Brites, co-fundador do Projecto Transformers, Changemaker na Ashoka
João Rafael Brites, co-fundador do Projecto Transformers, Changemaker na Ashoka

Faço parte daquela que ficou conhecida como a Geração Y ou a Geração dos “Millenials” – uma série de bebés nascidos entre meados da década de 70 e meados da década de 90 num contexto de um mundo diferente. É impressionante, como em Portugal, a mesma geração que cresceu e foi educada no seio de condições inéditas ao desenvolvimento do país, encontre agora no início da sua vida activa a circunstância de um país à rasca, endividado, deprimido, frágil e vulnerável.

Se nós somos nós próprios e a nossa circunstância, será isso que fará de nós uma geração à rasca de endividados, deprimidos, frágeis e vulneráveis? Ou será que nos podemos resgatar usando a circunstância como a faísca que acende um povo e o torna mais criativo, empreendedor, visionário e humanista?

Tenho esperança na segunda hipótese. E esperança não é o mesmo que optimismo. O poeta e ex-presidente da República Checa, Vaclav Havel, dizia que o optimismo é a expectativa, com base nas evidências que temos, de que há uma probabilidade razoável de que as coisas vão correr bem. Esperança é a certeza de que algo faz sentido, independentemente de como as coisas acabarem por correr.

E foi alimentado por esta esperança que, há alguns anos, eu e um grupo de malta da minha idade começámos o Projecto Transformers, que faz cinco anos no próximo dia 31 de Agosto. Para quem (ainda) não conhece, esta iniciativa nasceu para resolver o problema da falta de envolvimento cívico e social da nossa juventude.

De acordo com o Inquérito ao Trabalho Voluntário de 2012 do INE, em Portugal, a taxa de voluntariado na faixa etária dos 15 aos 24 anos é de 11,6%. Ou seja, em média, quase nove em cada 10 jovens não fizeram, nesse mesmo ano, qualquer tipo de trabalho voluntário, quer de forma formal através de uma organização, ou de forma informal para pessoas fora do seu agregado familiar.

O que para nós não faz sentido. Isto porque acreditamos que é num voluntariado capacitador e não paternalista que reside a chave para uma sociedade coesa, resiliente e sustentável. Porque acreditamos no voluntariado como um dos supremos refúgios da dignidade humana no sentido em que representa a escolha livre e intencionada de onde queremos gastar o nosso tempo. Tornar cada acção nossa refém da transacção é perdermos a nossa capacidade de sermos seres livres, e democracia não existe sem liberdade.

Sucintamente, o que o Projecto Transformers tem feito é ligar pessoas com diversos talentos nas áreas das Artes, Desporto, Ciência e Tecnologia a jovens em várias comunidades do país. Estas “pessoas com talentos” tornam-se mentores(as) destes jovens, que ganham uma figura de referência e a oportunidade de aprenderem e praticarem algo que os apaixona durante os nove meses do ano lectivo, de forma gratuita. No final do ano, cada grupo de jovens que foi ensinado é desafiado a “dar de volta” e usar o talento que aprendeu para transformar a sua comunidade. Quando essa missão é cumprida o jovem torna-se oficialmente um transformer, ou seja, alguém que usa o que mais gosta de fazer para transformar positivamente a sociedade.

Até hoje, mobilizámos 142 mentores que ensinaram 1 840 jovens em mais de 50 instituições nas cidades de Lisboa, Porto e Coimbra e conseguimos assegurar 4 865 horas de aulas e treinos gratuitos a 156 grupos de jovens de mais de 52 tipos de actividades diferentes, incluindo: breakdance, fotografia, skate, culinária, parkour, gastronomia molecular, teatro, rap, karaté, downhill, basquetebol, ténis, desenvolvimento de vídeo jogos, entre outras.

E os resultados estão lá. A taxa de voluntariado entre os jovens que terminaram o programa há mais de um ano é de 77,03%, ou seja, 65,43 pontos percentuais acima da média nacional. Aquilo que acreditamos, e que a nossa experiência no terreno demonstra, é que o que nós gostamos de fazer, mais do que um hobby, pode ser um superpoder. E é nesse superpoder que cada um tem reside a chave para a mudança.

Reconhecermo-nos enquanto portadores de superpoderes é afirmarmo-nos como super-heróis, e o que é um super-herói senão alguém que ainda sonha, se sente capaz e não se resigna perante o desafio da circunstância?

Para mim, para os transformers, e para muitos outros exemplos de iniciativas incríveis que temos no nosso país como a Associação Bué Fixe, o Projecto Tudo Vai Melhorar, Mentes Empreendedoras, entre outras, um super-herói não é mais do que isso.

Talvez um possível desígnio para a minha geração passe por mais pessoas mais conscientes de que ser super-herói está ao alcance de todos. Basta não deixarmos de sonhar, mantermo-nos capazes e não nos resignarmos perante a circunstância. Não sei se no mundo incerto, complexo, tenso e veloz o iremos conseguir. Mas tenho esperança.

Para seguir o Projecto Transformers no Facebook: https://www.facebook.com/projectotransformers

Para consultar o infográfico que resume os últimos 5 anos do Projecto Transformers: https://infogr.am/infografico_impacto

Co-fundador do Projecto Transformers, Changemaker na Ashoka