A Refugee Investment Network foi criada em 2018 com o objectivo de analisar as várias questões sociais e económicas que afectam os refugiados e os deslocados forçados que ascendem, na actualidade, a 70 milhões de pessoas em todo o mundo. Apostar num mercado de investimento e transformá-los em empreendedores consiste no iniciar de uma nova era repleta de potencial
Traduzido e adaptado por HELENA OLIVEIRA
© Stanford Social Innovation Review

Passados quase quatro anos desde a apresentação dos Objectivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e nem um único país está a caminho de os alcançar até à data limite prevista para 2030. A conclusão, divulgada num relatório recente realizado pela Brookings Institution, sublinha os enormes custos humanos associados ao não alcançar destes objectivos, implorando aos países para fazerem mais. Com os chefes de Estado convocados para uma reunião nas Nações Unidas para o final do ano e para a primeira avaliação dos mesmos, é mais do que tempo para se encontrarem novas e inovadoras abordagens para o crescimento e investimento económico que permita apoiar os desafios sociais enfrentados pelo mundo.

Os refugiados e os migrantes forçados – um grupo que ascende hoje a um número histórico de 70 milhões de pessoas em todo o mundo – representam uma dessas crises sociais e uma imensa preocupação para muitos. Testemunhar a turbulência no Iémen, na Venezuela, na Síria ou na fronteira entre o México e os Estados Unidos, ou em qualquer uma das 65 situações de deslocações prolongadas existentes em todo o mundo, é ver o sofrimento e as adversidades violentas sentidas e exercidas sobre milhões de pessoas todos os dias. E, na verdade, a migração forçada está directamente implicada na conquista da quase maioria dos ODS – mesmo que estes não os abordem especificamente.

Se subscrevermos a narrativa dominante que rodeia os refugiados, será natural concluir que as populações deslocadas à força representam um fardo para as sociedades que as acolhem, aumentam a instabilidade e sobrecarregam os esforços de desenvolvimento, quaisquer que estes sejam. E certo é também que os investidores, no geral, consideram o investimento nos refugiados como um risco e, consequentemente, como uma “má aposta”

Todavia existe uma boa razão para revisitar estas concepções e para aperfeiçoar a nossa análise face aos riscos e problemas percepcionados e, mais importante, pensar nas oportunidades associadas à migração forçada. Quando o fazemos, os factos que emergem contam uma história diferente: a de que os refugidos são pessoas motivadas, trabalhadores árduos, resilientes e muitas vezes com espírito empreendedor, que criam negócios bem-sucedidos e enriquecem as comunidades onde vivem.

Enquanto as pessoas deslocadas à força enfrentam desafios sérios, muitos deles tendo origem no subinvestimento e em leis retrógradas e restritivas, as pesquisas demonstram que são leais, dignas de confiança e de investimento. E, na verdade, um olhar mais atento à forma como muitos investidores estão a ajudar os refugiados a concretizar o seu potencial revela uma gigantesca oportunidade.

Um mercado em crescimento para investir nos refugiados

A Rede para o Investimento nos Refugiados (RIN, na sigla em inglês) foi estabelecida em 2018 exactamente com o objectivo de olhar mais atentamente para as várias questões socioeconómicas que os afectam e para criar novos caminhos para o investimento, criação de emprego e crescimento económico sustentável entre estas pessoas deslocadas à força.

A RIN foi também estabelecida para construir o “tecido conector” que visa permitir a mobilização de capital de investimento para os empreendedores refugiados. Como escrevem os autores deste artigo, John Kluge, fundador e director executivo da RIN e Tim Docking, também director executivo da mesma, o seu primeiro grande relatório, para o qual entrevistaram empreendedores e investidores institucionais e de impacto, bem como refugiados, pessoal humanitário, em conjunto com representantes das áreas da filantropia, do desenvolvimento, das finanças, do sector privado e do governo, teve como principal objectivo perceber qual a melhor forma de investir nestas pessoas deslocadas e em conjunto com elas.

Como escrevem os responsáveis da RIN, as entrevistas realizadas, em conjunto com as análises de investimento e as informações recolhidas sobre os refugiados, demonstram que existe um interesse crescente em construir um mercado de investimento em torno de refugiados empreendedores. O relatório serviu também para revelar que os primeiros investidores a avançar são provenientes de uma variedade de classes de activos e geografias e que têm grandes expectativas face ao retorno e impacto dos seus investimentos.

Os tipos de negócios que estão em curso variam também de forma significativa. Por exemplo, muitos refugiados enfrentam o estigma das suas circunstâncias, bem como políticas discriminatórias e restritivas e ambientes regulatórios complexos, mas em 2007, o Fundo de Assistência para as Pequenas Empresas (SEAF na sigla em inglês) resolveu apostar num refugiado bósnio a viver na Sérvia chamado Goran Kovacevic. Na altura, Kovacevic operava uma cadeia de supermercados denominada Gomex, com 16 lojas e 306 empregados. Com um investimento no valor de 1,2 milhões de euros provenientes do SEAF, a Gomex cresceu para 159 lojas em toda a Sérvia, empregando quase 1000 pessoas actualmente.

Entretanto, e para mitigar tanto os riscos financeiros percepcionados como os reais, alguns investidores estão a usar “capital misto” e outras estruturas de financiamento criativas no lugar de abordagens mais tradicionais. Por exemplo, o braço do sector privado do Banco Mundial, a Corporação Financeira Internacional (IFC, na sigla em inglês) e o programa 10,000 Mulheres da Goldman Sachs estabeleceram uma parceria para criar a Women Entrepreneurs Opportunity Facility (WEOF), uma unidade pioneira de crédito para pequenas e médias empresas detidas por mulheres.

A WEOF foi lançada em 2014 com 100 milhões de investimento da IFC e 43 milhões da Goldman Sachs Foundation. Este capital inicial serviu de incentivo para outros investidores co-investirem num mercado previamente não comprovado e para demonstrar a viabilidade comercial de uma nova classe de activos, o que levou a mais investimentos, os quais perfizeram o valor de quase mil milhões de dólares

Até à data, a WEOF investiu em intermediários financeiros em 26 países, incluindo em algumas das mais pobres e afectadas áreas em conflito. Este capital chegou a 50 mil mulheres empreendedoras e tem como objectivo atingir 100 mil mulheres ao longo de dez anos.

Definir “Investimento nos Refugiados”

Apesar de serem várias as abordagens que estão actualmente em curso, outras áreas em crescimento como o investimento em questões de género demonstram que definições claras em conjunto com a identificação de estruturas de investimentos são importantes para a construção de um mercado.

Sem esta clarificação, os investidores sentem-se à deriva, e com incertezas relativas à forma como identificar, categorizar, aceder e avaliar negócios. Para abordar esta lacuna, a RIN introduziu recentemente uma “lente para refugiados” para ajudar os investidores a qualificar os seus investimentos neste segmento. A “lente” considera as questões de estrutura de propriedade, de liderança e o potencial do empreendimento para a mudança no interior da “comunidade de refugiados” (a qual inclui não só os refugiados e pessoas deslocadas à força, mas também quem os acolhe) para definir os tipos de investimento possíveis.

Mediante esta estrutura, os refugiados têm, no mínimo, de deter parcialmente ou gerir o empreendimento que recebe o investimento ou apoiar outros refugiados dando-lhes emprego ou investimento. A estrutura em causa define os investimentos de “apoio aos refugiados” como acções que afectam positivamente as suas vidas ou o seu bem-estar, ou dos seus “anfitriões”, através de produtos e serviços directos, desenvolvimento da força de trabalho ou melhoria da capacidade de resposta humanitária.

Os investidores podem usar esta lente não só para examinar e pesar potenciais negócios, mas também para avaliar se os seus investimentos anteriores se qualificam como investimentos em refugiados, pois alguns investidores poderão ter apoiado refugiados de uma forma não intencional. A Acumen, por exemplo, investiu em negócios que tiveram um impacto positivo nas pessoas deslocadas, mas os negócios tinham mais um enfoque sectorial; no caso dos investimentos da Gulu Agricultural Devlopment Company, uma empresa de descaroçamento de algodão, o investimento tinha como enfoque a agricultura e não os desalojados, apesar de estes terem sido também beneficiados.

Para os autores deste artigo, o último ponto ilustra a sua talvez mais preciosa descoberta: a migração forçada intersecta directamente com 13 dos 17 ODS. Tomando como exemplo o Objectivo 13 – Acção Climática – é óbvio que as alterações climáticas estão a forçar números crescentes de pessoas a sair das suas casas. Ou considere-se o Trabalho Digno e o Crescimento Económico (Objectivo 8): os elevados níveis de desemprego jovem e o débil crescimento económico pode ser igualmente um precursor da instabilidade, violência e, por consequência, da migração forçada. As intersecções existentes entre a crise global de refugiados e a Agenda 2030 são muitas e claras. Na verdade, os investidores com impacto e os financiadores que estão apenas tangencialmente interessados nos refugiados ou que não sabem como abordar estes investimentos específicos devem ter em mente que o investimento nos refugiados é crucial para se alcançar os ODS.

Em suma, a forma que escolhemos para nos envolver com os migrantes forçados de todo o mundo – 85% dos quais residem em países de baixo ou médio rendimento – pode atrasar ou acelerar o alcance dos ODS. Com tantos destes objectivos ligados à melhoria das vidas humanas, à redução da pobreza e ao envolvimento do sector privado, soluções inovadoras que têm como objectivo transformar o investimento sustentável em novos mercados como o do investimento nos refugiados merecem ser tidas em consideração e ser objecto de um envolvimento comprometido.

Como referem os autores e no que respeita ao investimento com impacto, leva sempre tempo a criar um novo espaço. Mesmo sabendo que estamos no capítulo inicial de uma história inacabada de potencial humano, os responsáveis da RIN consideram que uma área emergente, necessária e promissora de investimento nos refugiados está a tomar forma. Investidores como a SEAF estão a demonstrar o poder do novo compromisso por parte do sector privado, em conjunto com estratégias de investimento inteligentes e sustentáveis e com uma nova narrativa em torno dos refugiados: a de que são parceiros de investimento sólidos e cheios de potencial.

Traduzido com permissão de The New Era of Refugee Investing
© Stanford Social Innovation Review 2019

Helena Oliveira

Editora Executiva