Reza o ditado que há males que vêm por bem. Outrora estigmatizada e, por isso, bem escondida ou disfarçada no seio das empresas, a saúde mental dos trabalhadores começou a gerar preocupação genuína, em particular com a chegada da pandemia. Mas e mesmo com o fim anunciado desta, velhos problemas persistem e outros mais recentes se avolumam, obrigando os empregadores a dedicarem uma atenção redobrada a esta problemática. Afinal, se a nível global se estima que, anualmente, são perdidos 12 mil milhões de dias de trabalho devido a perturbações como a ansiedade e a depressão, a par de um custo de um trilião de dólares em produtividade perdida, é porque não estamos perante uma mero efeito secundário de um vírus, mas a enfrentar uma crise global. E na semana em que se assinalou mais um Dia Mundial da Saúde Mental – este ano dedicado aos efeitos da mesma no local de trabalho – há más notícias, sim, mas também bons motivos para acreditar que “a falas loucas (já não se fazem) orelhas moucas”
POR HELENA OLIVEIRA

De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), mais de metade da população mundial (cerca de 60%) encontra-se actualmente a trabalhar e 15% dos adultos em idade activa vivem com uma perturbação mental. Sem apoio efectivo, as perturbações mentais e outras condições de saúde mental podem afectar a confiança e identidade de uma pessoa no trabalho, a capacidade de trabalhar produtivamente, para além de aumentar as ausências e a facilidade de reter ou ganhar trabalho. Adicionalmente e a nível global, uma saúde mental pobre não tem apenas custos negativos para os trabalhadores, com as estimativas a apontarem para o facto de a depressão e a ansiedade custarem à economia global cerca de um trilião de dólares e 12 mil milhões de dias perdidos por ano, predominantemente devido a uma produtividade reduzida. Por último, as condições de saúde mental podem também afectar famílias, cuidadores, colegas, comunidades e a sociedade em geral. E, de acordo com a mesma fonte, a discriminação e a desigualdade, as cargas de trabalho excessivas, o baixo controlo do trabalho a par da insegurança constituem os principais motivos para colocar em risco a saúde dos trabalhadores.

De um modo muito geral, estas são as principais conclusões de um estudo apresentado por ocasião do Dia Mundial da Saúde Mental, assinalado na passada segunda-feira, 10 de Outubro, e feito em parceria pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) e que escolheu para o ano de 2022 o tema da “Saúde Mental e o Trabalho”, o qual tem sido igualmente acompanhado por inúmeros estudos feitos por consultoras, think tanks, universidades, entre outras instituições.

Com uma “grande ajuda” provocada pela pandemia, a questão da saúde mental, no geral, e no trabalho, em particular, passou a ser tema de interesse crescente, nomeadamente para as empresas, as quais começaram finalmente a olhar para esta realidade como um problema sério e com efeitos negativos directos na sua produtividade, ao que se juntam custos sociais adicionais quando existe aumento do desemprego, perda de mão-de-obra qualificada e redução das receitas fiscais. A estigmatização deu lugar a uma maior atenção a este problema que afecta milhões de trabalhadores em todo o mundo e são várias as organizações que estão a colocar o bem-estar físico e psicológico na sua estratégia. 

Por exemplo, e como afirma, numa entrevista à McKinsey, Poppy James , conselheira política para esta área no Reino Unido e CEO da City Mental Health Alliance (CMHA), uma coligação de multinacionais que trabalha em conjunto para criar uma cultura de “boa” saúde mental, esta problemática posiciona-se  cada vez mais no centro de um movimento empresarial global. A especialista sublinha igualmente que a saúde mental no trabalho está a destacar-se nas agendas dos conselhos de administração, nas estratégias ambientais, sociais e de governação (ESG), no registo de riscos, bem como na concepção de novos negócios e redesenho do próprio trabalho.

O relatório conjunto da OMS e da OIT recorda que, antes da pandemia, estimava-se que uma em cada oito pessoas em todo o mundo vivia com uma perturbação do foro psicológico. E, apesar da maior e forçada atenção para o problema, os serviços, competências e financiamento disponíveis para a saúde mental continuam a ser escassos e muto aquém do que é necessário, especialmente em países de baixo e médio rendimento.

Assim e apesar de a pandemia COVID-19 ter despertado o mundo para uma realidade há muito escondida, estigmatizada e ignorada, agudizou-a e transformou-a numa crise global, alimentando o stress a curto e longo prazo e afectando de formas diversas um número significativo de pessoas. Se entre os trabalhadores, as estimativas colocam o aumento tanto da ansiedade como das perturbações depressivas em mais de 25% durante o primeiro ano da pandemia, a verdade é que os serviços de saúde mental – já por si parcos – foram gravemente abalados e o fosso de condições para o seu tratamento alargou-se sobremaneira.

Com as também inevitáveis alterações no mundo do trabalho, tornou-se visível que ambientes laborais seguros e saudáveis não só constituem um direito fundamental, como também são mais susceptíveis de minimizar tensões e conflitos, melhorar a retenção do pessoal, o desempenho no trabalho e a produtividade. Pelo contrário, a falta de estruturas eficazes e de apoio nos locais de trabalho, pode afectar a capacidade de uma pessoa em desempenhar com agrado e eficientemente as suas funções, o que resulta em consequências prejudiciais tanto para os trabalhadores como para as próprias empresas. 

Como também refere Poppy James, ao longo da última década, líderes de todo o mundo têm-se questionado como fazer da saúde mental um objectivo empresarial e incluí-la na agenda estratégica das suas empresas. Mas foram poucos os que tiveram a coragem de pôr em marcha uma estratégia que durasse para além dos seus mandatos correspondentes. A pandemia acabou por expandir esta necessidade, sendo que as empresas estão igualmente a levar a sério os critérios de ESG que, cada vez mais, lhes são exigidos. E se o “E” e o “G” são bem compreendidos e estabelecidos, é necessário apostar no “S”, que normalmente está mais ligado a questões de mobilidade social e de direitos humanos, mas também à satisfação das necessidades dos diferentes stakeholders. Assim e porque o impacto social engloba o que acontece dentro de uma organização – neste caso o bem-estar dos empregados – estamos a assistir, por exemplo, a um aumento dos recursos atribuídos à contratação de responsáveis pela saúde mental e de líderes de bem-estar. Para Poppy James, é óbvio que estamos ainda muito longe do fim desta jornada, sendo contudo muito positivo estarmos no seu início e no caminho certo para transformar o tema num movimento empresarial global.

Trabalhadores satisfeitos com a nova importância dada à saúde mental

Com a pandemia a ser considerada como “tendo um fim à vista”, as consequências e mudanças que dela resultaram vieram igualmente demonstrar ou reforçar a ideia de que o trabalho é um factor definitivo no equilíbrio da psique humana. 

Como também sabemos, as restrições impostas pela COVID-19, que obrigaram os empregadores a modificar as tradicionais “hora de entrada e saída” e a “velha forma de se fazer as coisas”, permitiram aos trabalhadores – e em muitos casos –  corrigir o desequilíbrio entre as esferas pessoal, familiar e profissional, algo que tem vindo a suscitar debates cada vez mais intensos sobre o impacto do trabalho na qualidade de vida, nomeadamente no que respeita ao bem-estar mental, físico e emocional. 

A título de exemplo, os resultados do “Inquérito Trabalho e Bem-estar” em 2022 publicados pela prestigiada American Psychological Association (APA) revelam que sete em cada 10 trabalhadores (71%) acreditam que o seu empregador está mais preocupado com a sua saúde mental agora do que no passado, com este enfoque a ser por eles extremamente valorizado. No entanto e como alerta a APA, mesmo passada a pandemia, existe ainda muito caminho a trilhar na medida em que velhos problemas persistem e outro tantos “novos” assolam o mundo. Os dados do estudo revelam que os problemas de saúde mental estão associados a uma série de questões, algumas delas recentes, tais como o facto de a remuneração não acompanhar a inflação, o aumento do controlo electrónico dos empregados por parte das empresas, a existência de certos grupos que sofrem discriminação e ostracização, em conjunto com os locais de trabalho que, de forma persistente, se mantêm tóxicos ou abusivos. 

De sublinhar que uma maioria (81%) dos inquiridos afirmou que o apoio dos empregadores à saúde mental será uma consideração importante quando procurarem trabalho no futuro – incluindo 30% dos trabalhadores que concordaram fortemente que o apoio dos empregadores à saúde mental será tido particularmente em conta nas suas futuras decisões de emprego. E, tendo em conta estes resultados, parece óbvio que os empregadores devem considerar as iniciativas de saúde mental como uma forma de recrutar e reter talento.

Adicionalmente, os empregadores podem oferecer apoio à saúde mental aos seus empregados de diferentes formas. Quando lhes foi pedido que seleccionassem um conjunto de apoios possíveis que gostariam que os empregadores oferecessem, o horário de trabalho flexível foi o mais frequentemente eleito (41% dos trabalhadores), seguido de uma cultura de local de trabalho que respeite o tempo livre (34%), a capacidade de trabalhar à distância (33%) e a semana de trabalho de quatro dias (31%).

Muitos empregados relataram igualmente que os seus empregadores já oferecem alguns destes apoios, tais como horários de trabalho flexíveis (46%) e opções de trabalho à distância (37%). Todavia, as percentagens sofrem uma quebra no que respeita aos empregadores que praticam uma cultura em que o tempo livre é respeitado (28%) ou que optaram já pelo estabelecimento de semanas de trabalho de quatro dias (14%). Por outro lado, menos de um terço (30%) declarou que o seu empregador oferece um seguro de saúde com cobertura para doenças mentais e/ou de uso de substâncias. Contudo, dos que relataram que a sua entidade patronal oferece este benefício, 93% afirmaram que o seguro em causa consiste num apoio eficaz à saúde mental.

No que respeita aos apoios acima enunciados, são muitos os empregados que os consideram significativamente benéficos. Por exemplo, entre aqueles cujos empregadores oferecem horários de trabalho flexíveis e a oportunidade de trabalhar remotamente, 95% relataram que estes contribuem eficazmente para melhorar o seu bem-estar psicológico. E se penas 11% afirmaram que o seu empregador tem pessoas no local de trabalho com formação específica em saúde mental, 94% consideraram este auxílio como bastante útil. 

Mas e de regresso às principais apreensões que actualmente assolam os trabalhadores, a maioria (71%) declarou estar preocupada com o facto de a sua remuneração não estar (ou não vir a estar) a acompanhar a inflação. Adicionalmente, quase um quarto (24%) dos inquiridos afirma não sentir que recebe uma compensação adequada, com 60% destes a “culparem” o não acompanhamento da inflação por parte dos seus pacotes salariais e 52% a declararem que aquilo que auferem não reflecte todo o trabalho que realizam.

Aqueles que estão preocupados com o facto de a sua remuneração não estar a acompanhar a inflação, têm também uma probabilidade significativamente maior de relatar impactos negativos do trabalho no seu bem-estar psicológico face aos seus homólogos. Quase dois em cada cinco dos que estão preocupados com um menor poder de compra (39%) afirmam sentir um impacto negativo na sua saúde mental, com 54% a sentirem-se particularmente tensos ou stressados.

A preocupação expressa relativamente ao controlo electrónico dos trabalhadores [tema em Portugal para o qual não existem dados fiáveis na medida em que a lei não o permite, mas que empresas pouco éticas estão supostamente a fazê-lo] tem igualmente impacto na saúde mental dos inquiridos. Mais de metade dos empregados (53%) afirmaram que o seu empregador utiliza software ou outras tecnologias para os monitorizar enquanto trabalham, enquanto 47% negaram esse controlo (tanto quanto é do seu conhecimento). Dos que relataram saber que são monitorizados, cerca de metade (51%) confessou sentir-se desconfortável com a forma como o seu empregador utiliza a tecnologia para os controlar. 

Assim e tal como mencionado anteriormente, o trabalho em ambientes com monitorização electrónica foi também associado a um conjunto de preocupações relacionadas com a saúde mental. Os trabalhadores que disseram ser monitorizados no trabalho mostraram-se muito mais propensos a relatar problemas com o seu bem-estar emocional ou psicológico em ambiente laboral. Destes, seis em cada 10 confessaram que se sentem normalmente tensos ou stressados durante o dia de trabalho, em comparação com menos de quatro em cada 10 (35%) dos que afirmaram – supostamente – não ser alvo de controlo tecnológico por parte das empresas em que trabalham”. Não é assim surpreendente que os primeiros tenham manifestado uma maior propensão  para se queixarem que o seu ambiente de trabalho tem um impacto negativo na sua saúde mental (45% contra 22% dos que não são monitorizados).

A fechar o estudo realizado pela APA, algumas boas notícias relacionadas com a satisfação dos trabalhadores face a aspectos específicos do seu trabalho. O horário de trabalho – que inclui factores tais como o número de horas trabalhadas e opções de horários flexíveis – foi citado por 86% dos trabalhadores como um aspecto satisfatório da sua vida profissional. 

A maioria dos trabalhadores afirmou igualmente sentir-se agradado com as oportunidades de serem inovadores ou criativos nas funções que exercem (84%), a par da forma como as suas empresas os estão a preparar para o futuro da sua indústria (84%), incluindo igualmente a comunicação que recebem do seu empregador (83%), o apoio à saúde mental que o seu empregador proporciona (81%) e as oportunidades de crescimento e desenvolvimento proporcionados pelo local onde onde trabalham (81%), como aspectos essenciais ao seu bem-estar psicológico no local de trabalho.

Editora Executiva