O Fórum de Ética da Católica Porto Business School selecciona todos os anos um tema para trabalhar, a ser apresentado e discutido na sua conferência anual. Em 2022, e porque o assunto não poderia vir mais a propósito, foi eleito como tema a “Ética e Trabalho Híbrido” de que resultou, enquanto estudo exploratório, um livro coletivo e o relatório de um inquérito. No geral e depois de analisadas as sete questões do inquérito, tudo parece corroborar que o trabalho híbrido veio para ficar, não obstante os desafios e preocupações que ainda subsistem aquando da sua implementação
POR HELENA OLIVEIRA

Na conferência “Ética e Trabalho Híbrido: Reflexos e Reflexões” foram apresentados os resultados do Inquérito “Ética e Trabalho Híbrido: no Rescaldo da Pandemia”, que aqui sintetizamos, com um convite aos leitores – para aceder ao mesmo na íntegra. O estudo exploratório contemplou igualmente a realização de um livro colectivo com recolha de testemunhos sobre desafios éticos vividos ou a viver, relembrando que a adopção ou não deste novo modelo de trabalho tanto oferece benefícios como dilemas e desafios às empresas que o pretendem implementar ou que já o fizeram. O livro, intitulado “Proximidades e Distâncias: Desafios Éticos do Trabalho Híbrido” é igualmente apresentado nesta Edição Especial.

O inquérito Ética e Trabalho Híbrido: no Rescaldo da Pandemia,  teve como objectivo oferecer uma visão sobre a forma como os colaboradores – com e sem responsabilidades de gestão – percepcionam o trabalho híbrido e como avaliam as preocupações éticas pessoais, organizacionais e societais no que respeita às alterações da forma de trabalhar tal como a conhecíamos. Os resultados, das 1226 respostas, foram estruturados com base nas sete perguntas de grandes áreas temáticas: 

  • Modelo(s) de trabalho: factores preferenciais
  • Actual modelo de trabalho: satisfação
  • Actual modelo de trabalho: impactos na saúde e bem-estar
  • Modelo de trabalho híbrido: benefícios para a organização
  • Modelo de trabalho híbrido: preocupações
  • Experiências vividas ou testemunhadas
  • Reflexões sobre o futuro do mundo do trabalho

Apesar de poder e dever aceder ao relatório final, partilhado neste artigo, o VER escolheu alguns dados que poderão conferir uma visão geral da análise e reflexão realizada. De sublinhar que este inquérito, a par da reflexão coletiva prévia efetuada com os Membros do Fórum de Ética, tem como objectivo a identificação de oportunidades e o traçar de linhas de orientação para (re)imaginar o futuro da força de trabalho e das organizações e fazer emergir espaços de trabalhos (mais) humanizados.

Modelo(s) de trabalho: factores preferenciais

Na medida em que não têm de se deslocar para um local de trabalho presencial, a poupança de tempo surge como a razão principal para os inquiridos preferirem o modelo de trabalho híbrido, à que se segue um maior sossego e consequente concentração no trabalho a realizar, bem como o precioso tempo para si mesmos e/ou para a família. Desta forma, não é surpreendente que quando analisados “outros factores”, os respondentes tenham elegido a flexibilidade – ou a conciliação entre vida pessoal e profissional -, os custos menores/poupança monetária e um maior foco no trabalho que, consequentemente, se traduz em maior produtividade. 

Os inquiridos em trabalho presencial, apontam como principais razões de satisfação o gosto de trabalhar com os colegas e em equipa, a aquisição de maior conhecimento proporcionada pela partilha informal de informação entre os colaboradores e, por fim, a socialização. Em alguns casos, a listagem dos factores preferenciais para quem trabalha presencialmente é similar à do trabalho híbrido, mas “ao contrário”. Ou seja e por exemplo, entre os principais motivos para os inquiridos que preferem o trabalho presencial, este último permite uma maior separação entre trabalho e casa, bem como uma maior concentração que lhes permite ser mais produtivos. De realçar que, e à data de resposta do inquérito, outubro de 2022, um pouco mais de metade (53%) dos colaboradores encontrava-se em modo presencial e 41% em modelo híbrido. 

Assim e tendo em conta as perceções recolhidas, é possível considerar que a organização do trabalho no futuro será eventualmente híbrida para que as pessoas se sintam mais satisfeitas com a sua vida no geral. Adicionalmente, há que ter atenção ao facto de que” o desenvolvimento tecnológico irá requerer o aprofundamento de competências relacionais por parte de todos os membros das organizações, sendo essencial promover modelos de trabalho potenciadores destas competências”.

Actual modelo de trabalho: satisfação

No geral, 65% dos inquiridos afirmam estar satisfeitos com o seu actual modelo de trabalho. Mas, se analisarmos os níveis de contentamento tendo como base os dois modelos laborais em causa, o trabalho híbrido (81%) surge significativamente acima do modelo presencial, este último apresentando-se como satisfatório apenas para metade dos inquiridos. 

Um dado relevante que consta nesta questão assenta no facto de que o trabalho híbrido, quando estabelecido um acordo entre o trabalhador e a organização, é aquele que apresenta os maiores níveis de satisfação (86%) em três opções analisadas, e comparativamente a 85% quando a decisão é do próprio e a 67% quando este modelo é implementado por decisão da organização. 

Já o trabalho presencial – em actividades que não exigem presença física – tem níveis de satisfação substancialmente reduzidos (26%). Analisando os dados e tendo em conta subgrupos – idade, género e cargo – é igualmente o trabalho híbrido a assumir a prevalência entre os modelos em causa. Em termos de género, 80% das mulheres elege o modo híbrido como o mais satisfatório face a 47% das mulheres que trabalham presencialmente. Por último, quando a comparação tem por base os cargos de liderança, de sublinhar a variação significativa entre quem lidera e quem é liderado (86% vs 54%).

Actual modelo de trabalho: impactos na saúde e bem-estar

Como sabemos, se existe algo que, na maioria dos casos, passou a ter uma maior relevância tanto para as organizações como para os colaboradores, é a saúde mental, a qual surge como uma espécie de “herança positiva” da pandemia. E assim não é de admirar que, para os inquiridos, o impacto mais positivo que encontram no modelo de trabalho híbrido – e no que respeita à saúde e bem-estar – recaia nas dimensões mental /emocional (37%) e física (34%). Adicionalmente, a saúde financeira aparece destacada por 29% das pessoas questionadas, com a dimensão social (20%) no fim da tabela. 

Comparativamente aos que se encontram presencialmente a trabalhar, as diferenças são igualmente visíveis. 

Como se pode ler no relatório, e dos 1226 entrevistados, “72% dos que consideram ter tido melhorias a nível financeiro estão em trabalho híbrido e apenas 18% em presencial; 70% dos que consideram melhorias na dimensão mental estão em trabalho híbrido comparativamente a 20% em presencial, com 70% dos que consideram as melhorias físicas a trabalhar remotamente versus apenas 21% em locais de trabalho presenciais”. 

Complementarmente, é de sublinhar que quase 60% dos trabalhadores em regime de trabalho híbrido tenham declarado melhorias na sua condição física versus apenas 13% dos seus congéneres em trabalho presencial, com 18% destes últimos a declarar um agravamento da mesma. Mais cansaço, mais horas de trabalho, menos actividade física e o empobrecimento da conciliação entre os domínios pessoal e profissional podem facilmente explicar estes números. Existem outros dados interessantes originários desta componente, o que convida uma vez mais à leitura do relatório na íntegra. 

Modelo de trabalho híbrido: benefícios para a organização

A percepção por parte dos respondentes sobre os benefícios da adopção do modelo de trabalho híbrido para as suas organizações é fonte importante de pistas de reflexão para o futuro desenho do mundo do trabalho”, pode ler-se no relatório. E as percentagens não são despiciendas: os cinco benefícios reportados para a organização relacionados com a (eventual) adopção de um modelo de trabalho híbrido integram a diminuição dos custos (75%), trabalhadores mais felizes (68%), o aumento da produtividade (64%), benefícios ambientais (62%) e uma maior e tão necessária capacidade de atrair e reter talento (32%).

A atracção e retenção de colaboradores são consideradas como o principal benefício do trabalho híbrido para as organizações adoptantes deste modelo, seguindo-se uma melhoria na felicidade dos trabalhadores e um aumento de produtividade. Já para os que cumprem o regime presencial, o aumento da criatividade e da colaboração surge como o resultado mais positivo para as organizações, a par da questão da segurança. 

Sucintamente e como afirmam os autores do relatório, é possível concluir que o trabalho híbrido é um reconhecido potenciador da poupança de custos que, a juntar à melhoria da satisfação dos trabalhadores e de maiores ganhos em produtividade, se afigura como uma situação win-win, ou seja, uma aposta benéfica para todos os envolvidos.

Modelo de trabalho híbrido: preocupações

Porque não há bela sem senão, e em particular na percepção que actualmente existe sobre os benefícios do trabalho híbrido ultrapassarem os do trabalho presencial, os quais precisam, contudo, de mais tempo para serem “validados”, é natural que subsista um conjunto de preocupações sobre o mesmo.

Para esta dimensão em particular, o Fórum de Ética da Católica Porto Business School realizou, entre Junho e Setembro do ano transacto, um conjunto de workshops no sentido de aferir, por parte dos Membros do Fórum e de trabalhadores de várias organizações, quais as suas principais preocupações face a este modelo de trabalho, as quais foram incluídas neste questionário, designadamente nesta questão. 

Assim, e comparando com o modelo presencial, o dever de respeitar o direito à desconexão (73% vs 60%) e a valorização da presença do “outro” (61% vs 49%) são os factores que maior peso assumem entre os inquiridos, com a dificuldade no que respeita ao espírito de unidade, coesão e espírito de ajuda a ser significativamente apontada entre as maiores preocupações dos que trabalham em regime presencial (36%) comparativamente a uma percentagem menos vincada para os seus congéneres em modelo híbrido (22%). Um outro potencial problema reportado diz respeito à eventualidade de existir um retrocesso na esfera da igualdade de género, principalmente para as mulheres que trabalham remotamente e cujo trabalho doméstico não desaparece, antes as sobrecarregando. Neste caso, este receio tem uma maior expressão nos trabalhadores presenciais (29%) do que nos que trabalham remotamente alguns dias por semana (20%). 

Outras preocupações igualmente relatadas no trabalho híbrido prendem-se com a gestão e controlo do trabalho que é feito remotamente, com a interacção social e a motivação e, é claro, com a produtividade e desempenho (ver os testemunhos recolhidos).

A abordagem qualitativa deste estudo implicou também o levantamento de perceções livres sobre experiência vivida e testemunhada no contexto profissional e auscultação das expectativas sobre o futuro do mundo do trabalho. A leitura dos testemunhos é vivamente aconselhada nas 6ª e 7ª áreas em análise.

Experiências vividas e reflexões sobre o futuro

Em Experiências vividas ou testemunhadas os relatos positivos incluem os domínios do equilíbrio vida pessoal/profissional a par da concentração e desempenho. Todavia, e como sublinham também os autores, as experiências negativas mostram que a mais preocupante área está relacionada com a gestão e desconfiança das chefias em relação ao modelo híbrido/remoto. 

As centenas de respostas recolhidas em Reflexões sobre o futuro do mundo do trabalho “indicam que o futuro do mundo do trabalho irá seguir o legado que o confinamento obrigatório fez emergir com maior expressão”. O aparecimento do trabalho híbrido ou totalmente remoto resultou numa maior flexibilidade por parte dos trabalhadores que, na sua maioria, se recusam a abrir mão dela. Ou seja, na actualidade é já “quase normal” os trabalhadores optarem por escolher ou acordar com a organização o regime laboral que vai mais ao encontro das suas preferências e necessidades. Todavia, são ainda muitas as empresas que voltaram ao trabalho tradicionalmente presencial e que parecem não ter planos para que algo mude.

É igualmente imprescindível ter em mente que viveremos cada vez mais num mundo totalmente digital e em que a cooperação e a flexibilidade entre colaboradores e empresas será um enorme trunfo.  No entanto, para os mais pessimistas no que ao trabalho futuro diz respeito, a desigualdade e a precariedade farão parte deste novo modelo laboral.

Linhas de orientação para (re)pensar o futuro desenho do mundo do trabalho

Como já referido, todo o trabalho desenvolvido pelo Fórum de Ética ao longo de 2022 sobre este tema mais do que actual pretendia lançar pistas de reflexão que possam ajudar as organizações a melhor implementar o modelo de trabalho híbrido.

Essas pistas foram sintetizam, neste relatório, em três linhas de orientação:

1) necessidade de criação de espaços e de momentos regulares, quer formais quer informais, para partilha de perspetivas e expectativas;

2) especial atenção à equidade tendo em conta diferentes tipos de vulnerabilidades, designadamente física, mental, social e financeira;

3) a importância de repensar as responsabilidades individuais e coletivas e a flexibilidade, nos diferentes espaços e tempos de trabalho.

Como reflexão final os autores recordam que “one size doesn’t fit all, com a certeza de que as expectativas e as necessidades dos trabalhadores e dos empregadores estão a mudar os conceitos de «espaço e tempo de trabalho», que poderão ser transformados para sempre”, sendo por isso um tempo de oportunidades para se redesenhar espaços de trabalho (mais) diversos, equitativos e inclusivos”.

Mas, e como se pode ler no relatório, é necessário ir-se mais longe, desenvolver mais estudos com metodologia mista (qualitativa e quantitativa) assentes na percepção e vivência dos vários intervenientes, líderes e liderados, ouvindo e respeitando os seus testemunhos.

E é por isso que o Fórum de Ética deu asas à imaginação, organizando um livro colectivo – “Proximidades e Distâncias: Desafios Éticos do Trabalho Híbrido”  que assenta exactamente em testemunhos de natureza variada e que serve para complementar este inquérito, estando disponível na íntegra nesta Edição Especial. 

NOTA: Pode aceder aqui ao RELATÓRIO NA ÍNTEGRA

Editora Executiva