Parece mentira, mas é a mais pura realidade: as restrições à liberdade dos trabalhadores têm vindo a aumentar e os seus direitos a diminuir. A democracia está cada vez mais enfraquecida, ao passo que a influência corporativa e a desigualdade não param de crescer. A maioria dos países não permite que os seus trabalhadores pertençam a organizações sindicais, não lhes reconhece o direito à greve e nega a liberdade de negociação colectiva. Estas são as principais conclusões do “2018 ITUC Global Rights Index – Os Piores Países do Mundo Para os Trabalhadores”, apresentado recentemente pela Confederação Sindical Internacional
POR MÁRIA POMBO

Os números impressionam: 65% dos países, a nível mundial, não dão aos trabalhadores o direito de pertencerem a organizações sindicais, 87% não reconhecem o direito à greve e 81% negam a liberdade de negociação colectiva. O número de países onde os trabalhadores foram detidos por exercerem alguns destes direitos subiu de 44, em 2017, para 59, no presente ano, tendo aumentado também (de 59 para 65, no mesmo intervalo de tempo) o número de nações onde os colaboradores sofreram violência. Adicionalmente, são 54 (mais quatro que no ano passado) os países que negam a liberdade de expressão aos seus cidadãos.

Estas são as principais conclusões do “2018 ITUC Global Rights Index – Os Piores Países do Mundo para os Trabalhadores”, apresentado recentemente pela Confederação Sindical Internacional (CSI). Para além de expor as nações que menos protegem os trabalhadores, o documento, que conta com a análise a 142 países, apresenta as principais tendências globais e dá conta dos direitos que são mais violados a nível mundial.

A redução do espaço democrático é a primeira tendência apresentada. Entre 2017 e 2018, subiu de 50 para 54 o número de países que negam a liberdade de expressão aos seus cidadãos. Por um lado, existem mais regimes repressivos (como a Argélia, a Bielorrússia e o Egipto), os quais são marcados pela deterioração do respeito pelas liberdades individuais, e por outro, mantém-se elevado o número de países (como a Síria, o Iémen, a Somália, a Líbia e o Burundi) que enfrentam conflitos armados há vários anos.

O ano de 2017 ficou marcado por diversos protestos públicos que deram origem a inúmeras detenções e retaliações exercidas por forças policiais. No Brasil, por exemplo, os protestos de 24 de Maio provocaram 29 feridos, em resultado da violência exercida pelas autoridades sobre os manifestantes; já na Argentina, uma manifestação contra as reformas das pensões resultou em 60 detenções e 162 casos de manifestantes que tiveram de receber assistência médica, devido à violência policial.

Complementarmente, aumentaram os casos de difamação dos líderes sindicais por estes darem voz aos trabalhadores e incentivarem a liberdade de expressão. As difamações foram feitas por diversos líderes empresariais e originaram uma onda de medo e intimidação, desincentivando os cidadãos de protestarem e lutarem pelos seus direitos.

A Indonésia e o Camboja são dois bons exemplos de como é possível silenciar os defensores da democracia: no primeiro caso, Eduard Marpaung, secretário-geral da Confederation of Indonesia Prosperity Trade Union, foi condenado a dois anos de prisão e ao pagamento de mais de sete mil dólares, após uma queixa de um administrador de uma empresa daquele país, sobre um conjunto de comentários escritos no Facebook; no segundo caso, Van Narong e Pel Voeun, membros da Cambodian Labour Confederation, foram igualmente acusados de difamação, tendo sido condenados a seis meses de prisão e ao pagamento de quase cinco mil dólares, após terem participado num protesto contra uma empresa de transportes e no qual se exigia a reintegração de motoristas que tinham sido demitidos por se tornarem membros do sindicato.


Influência corporativa e poder legislativo

A influência corporativa ilimitada é a segunda tendência apresentada no documento. A este respeito, conclui-se que, em 2018, é ainda mais visível a influência dos negócios e dos investidores estrangeiros no meio laboral, nomeadamente no que respeita à adopção de medidas regressivas. Em diversos países, o diálogo com os trabalhadores é inexistente e os seus direitos são praticamente colocados à margem, assumindo-se que os interesses económicos são a principal preocupação dos governantes.

Na Moldávia, por exemplo, o Parlamento adoptou, em Setembro de 2017, uma lei que contém medidas tão restritivas como novos fundamentos para o despedimento e a redução da duração da licença sem vencimento para cuidar de filhos menores. Neste caso, apenas as propostas de associações que representam as empresas e os investidores externos foram levadas em conta, tendo sido ignoradas todas as recomendações relativas aos direitos dos trabalhadores, feitas pelos sindicatos. Por seu turno, na Sérvia, a legislação laboral contempla essencialmente os interesses dos empregadores, tendo sido aprovadas pelo Governo 80% das recomendações do Conselho de Investidores Estrangeiros, as quais dão aos empregadores, por exemplo, uma maior flexibilidade de gestão de contracto de termo fixo e sem termo.

Portugal surge como exemplo de um país no qual milhares de trabalhadores ficaram em situação de uma enorme fragilidade, por via da pressão exercida por entidades externas (neste caso, a Troika), com o intuito de se recuperar de uma crise económica grave que assolou o País. Neste sentido, o documento explica que, mesmo com sucessivas denúncias de uniões sindicais e de grupos organizados de trabalhadores, o governo manteve-se firme em seguir as imposições da Comissão Europeia e do Fundo Monetário Internacional. O objectivo era “promover uma maior flexibilidade do mercado laboral” mas o resultado foi o despedimento de milhares de trabalhadores.

O poder legislativo é a terceira e última tendência referida pelos autores do “2018 ITUC Global Rights Index”. Se é certo que este é um poderoso instrumento de transformação social e protecção dos direitos dos trabalhadores, também é verdade que, caso não seja esse o objectivo dos governantes – como acontece em muitos países –, o mesmo pode assumir-se como uma arma que permite a adopção de medidas regressivas que retiram aos trabalhadores os seus direitos e a possibilidade de os reivindicar. A respeito desta última situação, o Brasil surge como uma nação que nega aos trabalhadores o direito de associação. Esta medida foi adoptada em Julho do ano passado e apresenta-se como um ataque sério ao direito de negociação colectiva, enfraquecendo fortemente os direitos e a protecção judicial dos trabalhadores.

Porém, nem todas as notícias são más, existindo países – como a Islândia, o Canadá e a Nova Zelândia – que se destacam por tomarem medidas positivas e por procurarem a protecção dos trabalhadores. Desde o dia 1 de Janeiro deste ano, a Islândia tem feito inúmeros progressos em matéria de promoção da igualdade de género, sendo o primeiro país a garantir igual pagamento salarial entre homens e mulheres. Por seu turno, o Canadá instituiu o pagamento de cinco dias de uma licença concedida a trabalhadores (na sua maioria mulheres) que sofrem de violência doméstica. Já a Nova Zelândia tem procurado desenvolver o sector dos cuidados de saúde, aumentando o pagamento aos prestadores de cuidados de saúde.

Trabalhadores, trabalhadores, direitos à parte

Para além das grandes tendências, o documento dá conta dos direitos que são mais violados, a nível mundial, começando desde logo por referir que são constantes os ataques às liberdades civis. Neste sentido, escreve-se que, em 2018, os trabalhadores são alvo de violência em 65 países (mais seis que no ano passado). A violência existe um pouco por toda a parte. Mas se o continente europeu é o mais pacífico, a América Latina assume-se como uma zona bastante preocupante, já que a coacção física, em conjunto com a constante impunidade dos homicídios, parece não dar tréguas: só em 2018, e a título de exemplo, estão por resolver pelo menos 87 homicídios de sindicalistas na Guatemala.

A detenção e prisão arbitrária de trabalhadores e líderes sindicais, que tem o enfraquecimento dos sindicatos e de organizações que lutam pelos direitos dos cidadãos como principal objectivo, é uma outra grande violação de direitos, apresentada no documento. Esta prática é particularmente comum em regimes repressivos e o número de países onde existe sofreu um aumento substancial entre 2017 e 2018, tendo passado de 44 para 59.

A exclusão dos trabalhadores de protecção laboral assume-se como a terceira infracção legal referida no Índice. De acordo com normas internacionais, todos os trabalhadores – todos – têm o direito de livre associação. Porém, em 92 dos países analisados, alguns grupos de trabalhadores – como os bombeiros e os polícias, no Japão – são privados de exercer esse direito. De um modo geral, os migrantes e os trabalhadores domésticos e informais são os grupos mais afectados e que menos usufruem desta liberdade.

O quarto direito mais negado prende-se com a negociação colectiva. De acordo com o documento, em 2018, 86 países excluíram algumas categorias de trabalhadores do direito à negociação colectiva, registando-se variadas restrições – como a recusa a negociar, por parte de empregadores – à mesma em 115 nações. Este é, aliás, um direito cada vez mais enfraquecido, especialmente no sector público. Resultado: trabalhadores cada vez mais desprotegidos que não têm a oportunidade de chegar a acordo com as suas entidades patronais acerca das condições de trabalho, sujeitando-se meramente a cumprir as exigências dos empregadores. As medidas de austeridade implementadas durante a crise económica são um exemplo disso mesmo.

As restrições ao direito de greve são a última violação de direitos, referida pela Confederação Sindical Internacional. Em 2018, as greves foram severamente restringidas ou banidas em 123 países (mais sete do que em 2017). Na maioria desses países, os trabalhadores que exercem oseu direito de greve deparam-se frequentemente com situações de demissão e retaliação por parte dos empregadores. A título de exemplo, entre Maio e Agosto do ano passado, mais de quatromil trabalhadores foram despedidos, na Indonésia, por terem participado numa greve na mina de Grasberg, e, também em 2017, mais de dois mil trabalhadores foram detidos, na Índia, por se manifestarem publicamente contra as más condições de acesso a segurança social.

O mundo evolui e com ele aumenta – e ainda bem – a consciência dos cidadãos acerca de vários problemas. Todavia, e contrariamente ao que era suposto, assiste-se ao crescimento das restrições à liberdade, principalmente de expressão, de associação, de negociação e de greve dos trabalhadores. Os direitos dos cidadãos estão a diminuir e a democracia está cada vez mais enfraquecida, ao passo que a influência corporativa e a desigualdade não param de aumentar. São estas as (tristes) conclusões do “2018 ITUC Global Rights Index – Os Piores Países do Mundo Para os Trabalhadores”, apresentado recentemente pela Confederação Sindical Internacional.



Os dez países onde ninguém quer trabalhar

Tal como foi referido no início deste artigo, a CSI apresentou uma lista com os dez piores países para os trabalhadores. Estes surgem, no documento, por ordem alfabética.

A Argélia é a primeira nação, e é marcada por repressões do Estado, prisões e demissões em massa e repressão de protestos.

O Bangladesh apresenta elevados níveis de violência, detenções em grande escala e discriminação.

O Camboja surge em terceiro lugar, devido às suas leis repressivas, intimidação e represálias, e violência policial.

A Colômbia apresenta uma elevada percentagem de homicídios, restrições a negociações colectivas e discriminação.

O Egipto também surge nesta lista, devido ao facto de ser um Estado repressivo, discriminatório e onde são feitas detenções em massa.

A Guatemala é marcada por violência e homicídios, discriminação e injustiça.

O Cazaquistão é marcado por detenções de líderes sindicais, repressão e discriminação.

As Filipinas pertencem a esta lista devido às suas leis repressivas, violência e elevado número de intimidações e demissões.

A Arábia Saudita apresenta elevados níveis de abuso de trabalhadores migrantes, repressão estatal e trabalho forçado.

Por fim, a Turquia é marcada por discriminação, demissões de trabalhadores e elevado número de detenções de líderes sindicais.


Jornalista