A 13ª edição do Relatório Global das Tecnologias de Informação e Comunicação divulgada a semana passada e que avalia a “maturidade” tecnológica de 148 países, evidencia enormes assimetrias no acesso e na eficaz utilização das TIC no planeta. O fosso digital está a aumentar, o que significa que a inovação, a competitividade e a inclusão social continuam a ser uma miragem para um número substancial de países
POR HELENA OLIVEIRA

Quando o The Global Information Technology Report (GITR) e o Networked Readiness Index (NRI) foram criados há 13 anos, a atenção dos decisores globais na altura estava concentrada em como desenvolver estratégias que os permitiria beneficiar daquilo que a revista Time cunhou como “ a nova economia”. Nesses já longínquos tempos – e antes de muitas outras “novas economias” terem entrado no léxico “normal” – a expressão significava uma nova forma de organizar e gerir as actividades económicas com base nas novas oportunidades veiculadas pela Internet.

No presente, e com o mundo a emergir lentamente de uma das mais complexas crises económicas e financeiras das últimas décadas, os decisores políticos, os líderes empresariais e a sociedade civil procuram agora, e no seguimento de avanços tecnológicos sem precedentes, consolidar o crescimento, gerar novos postos de trabalho e criar novas oportunidades de negócio.

As Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) continuam a gozar de uma importância extrema – aliás, cada vez maior – enquanto recurso chave para aumentar a inovação e estimular a prosperidade económica e social, não só no que respeita às economias desenvolvidas, como aos países em desenvolvimento. Todavia, e tal como nas demais áreas, a desigualdade no acesso e na eficaz utilização das mesmas continua a ser uma realidade inegável, como demonstram as diferentes assimetrias evidenciadas neste relatório.

O GTIR e o NRI 2014, produzidos pelo Fórum Económico Mundial, em parceria com o INSEAD e com a Cornell University, analisam 148 países no que respeita ao seu “estado tecnológico”e aos impactos sociais e económicos que este tem em cada um deles. A edição de este ano dedica, em particular, uma atenção especial ao fenómeno do Big Data (v. Caixa), na medida em que estamos perante uma nova e poderosa classe de activos, com benefícios colossais e ainda não totalmente compreendidos, tanto para as organizações públicas, como para as privadas. Mas vejamos quais são os países mais e menos “tech-ready” em 2014.

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Finlândia no topo e o alargamento do fosso digital
Com cerca de 90% da sua população online, níveis elevados de inovação tecnológica e esforços concertados entre o governo, as empresas e os indivíduos no que respeita ao investimento em TIC, a Finlândia posiciona-se, de forma nada surpreendente, no topo dos países mais bem preparados – e “ligados” – do GITR de 2014. Em situação similar encontram-se Singapura, a Suécia, a Holanda, a Noruega e a Suíça, os cinco que se seguem, todas eles mantendo as mesmas posições de liderança face a 2013. No top 10, mais dois países asiáticos ali encontram lugar, com Hong Kong a saltar seis lugares, posicionando-se agora em 8º e a Coreia do Sul a subir uma posição, fechando o grupo dos 10 países mais tecnologicamente desenvolvidos do mundo. Os Estados Unidos apresentaram uma ligeira subida (do 9º lugar em 2013 para o 7º) e o Reino Unido desceu dois lugares, posicionando-se agora na 9ª posição. Todas estas economias continuam a manter a vantagem, em termos empresariais e de ambientes propícios à inovação, para liderarem o empreendedorismo a nível global.

Todavia, a história dos vencedores e vencidos neste ranking das TIC é, em simultâneo, uma história já habitual que espelha as contínuas desigualdades existentes no mundo. O fosso digital entre os países desenvolvidos e aqueles em desenvolvimento está a alargar-se, apesar dos grandes investimentos que têm sido feitos em termos de TIC, o que os impede de colherem os mesmos benefícios económicos e sociais das nações mais tecnologicamente eficientes do planeta.

Pegando no exemplo dos BRIC e como afirma Bruno Lanvin, director executivo da iniciativa de Competitividade Europeia do INSEAD e um dos responsáveis pelo estudo, “os grandes países emergentes estão a bater contra uma parede de vidro, não estão a gozar das alterações que têm tido lugar nas TIC, existindo ainda muitos obstáculos no que respeita aos benefícios que delas deveriam retirar, em particular no que respeita aos talentos e às competências”.

O Brasil, a Rússia, a China e a Índia (os BRIC “originais”) mantiveram, no geral, as posições alcançadas no ano passado, as quais não são nada famosas: a Rússia é a melhor qualificada entre os BRIC, na 50ª posição, seguida da China (62ª), do Brasil (69ª) e da Índia, que é a pior classificada neste grupo, em 83º lugar. Todavia e de acordo com a opinião de Beñat Bilbao-Osorio, economista sénior do Fórum Económico Mundial (FEM), este atraso “deve-se não tanto ao facto de estes países não se estarem a esforçar para alavancar os seus sistemas de TIC, mas sim porque os seus congéneres estão a mover-se de uma forma muito mais célere e, por isso mesmo, a ascenderem a lugares mais elevados no ranking”.

Mas e como acrescenta Lanvin, do INSEAD, o fosso digital não é de todo homogéneo: “assistimos a uma divisão digital na Europa, entre os países do norte e os do sul e de leste; a mesma existe no Médio Oriente, entre os países que pertencem ao Conselho de Cooperação dos Estados Árabes do Golfo [que reúnem seis estados do Golfo Pérsico: Omã, Emiratos Árabes Unidos, Arábia Saudita, Qatar, Bahrein e Kuwait] por um lado e, os países do Norte de África, por outro, existindo ainda outro tipo de divisões em outras partes do mundo”, comenta. De sublinhar igualmente que, entre os 20 países que registaram piores classificações neste ranking, a esmagadora maioria pertence a África, com Moçambique a ocupar o 142º lugar e Angola o 138º.

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A nova natureza da divisão digital na Europa
Todavia e no que à Europa diz respeito, e enquanto vários dos seus países se posicionam nos lugares cimeiros do ranking, nomeadamente os nórdicos, mas também alguns da Europa ocidental, outros continuam a ficar bem para trás na corrida. E o que fazer para diminuir este fosso persistente, em particular no interior da União Europeia?

Num artigo publicado pelo EurActiv, Bilbao-Osorio, do FEM, contextualiza esta divisão persistente, alertando para a sua particular importância face ao actual contexto económico. Na medida em que as perspectivas de crescimento na Europa permanecem instáveis e o desemprego teima em não baixar, as novas tecnologias afiguram-se como fontes potenciais de crescimento económico e de criação de emprego para o Velho Continente, em particular porque as suas empresas estão a começar a enveredar por novos sectores. De acordo com a Comissão Europeia, e ao longo dos próximos anos, as expectativas apontam para o surgimento, anual, de cerca de 100 mil empregos digitais no mercado. E, obviamente, que o “estado” tecnológico dos países da União Europeia reflectirá os benefícios – ou a sua ausência – deste potencial de crescimento.

Sublinhando os diferentes níveis de digitalização em toda a Europa, o economista sénior do FEM refere que, numa classificação geográfica alargada, a Europa do norte e a ocidental têm uma performance superior aos países que estão localizados no sul, no centro e no leste europeu, sendo que no interior destes últimos a situação apresenta também diferenças substanciais. Por exemplo, no interior da Europa central e de leste, a Estónia tem níveis tecnológicos similares a alguns dos países ocidentais, posicionando-se no 21º lugar à frente de países mais “fortes” como é o caso da França (25º), da Irlanda (26º) ou da Bélgica (27º). O mesmo acontece nos países do sul da Europa, onde Portugal – que mantém a 33ª posição alcançada o ano passado – em conjunto com a Espanha (34ª) têm performances claramente superiores, por exemplo, face à Grécia, que não vai mais além do que a posição 74 no ranking geral.

Para Bilbao-Osorio, a natureza e os elementos “responsáveis” por esta divisão digital na Europa, são caracterizados por cinco circunstâncias em particular:

  • O fosso existente entre as economias da Europa do norte e ocidental e os demais Estados-membros da União Europeia reflecte-se na quase totalidade das áreas analisadas pelo relatório, incluindo as condições de mercado e regulatórias, os níveis de compreensão das TIC, o seu grau de utilização por todos os stakeholders (cidadãos, empresas e governo) e os impactos económicos e sociais decorrentes das mesmas;
  • No geral, a maioria dos países tem as infra-estruturas de TIC bem desenvolvidas em termos de cobertura das redes móveis e de largura de banda. E, apesar de alguns países deverem continuar a fortalecer as suas infra-estruturas, não são estas que representam a maior fonte de divisão digital na Europa;
  • O custo de acesso às TIC é similar em todos os Estados-membros da União e também não deve ser “responsabilizado” pelos diferentes níveis de compreensão e utilização das mesmas;
  • O fosso em termos de utilização das TIC nos países em causa é maior para as empresas e menor para os governos. No geral, todos os governos dos Estados-membros da UE há muito que reconheceram a importância do desenvolvimento das TIC, oferecendo uma quantidade alargada de serviços online. Contudo, as diferenças na capacidade das empresas em os desenvolver e integrar nos seus modelos de negócio são muito mais vincadas e “gritantes”;
  • O fosso em termos de impactos sociais e, sobretudo, económicos, é o maior, sendo evidenciado em todas as categorias analisadas pelo índice, e ilustra a nova natureza da divisão digital na Europa. Na medida em que os benefícios das TIC permeiam, de forma crescente, todas as diferentes actividades económicas, o fosso digital existente no interior da Europa torna-se muito mais severo no que respeita aos impactos para os diferentes stakeholders.

Para o economista sénior do FEM, estas conclusões têm várias e significativas implicações políticas, tanto para os Estados-membros individuais da EU, como para a própria Comissão Europeia, no que respeita aos esforços que devem ser feitos para edificar uma agenda digital comum que estimule um ciclo virtuoso de investimento nas infra-estruturas, na compreensão dos seus benefícios e em impactos mais fortes e positivos para todos. Para Bilbao-Osorio, a mais importante das estratégias digitais não terá como enfoque o desenvolvimento das infra-estruturas, mas sim a criação das condições adequadas para uma utilização eficaz das TIC para estimular a inovação, a competitividade e a inclusão social.

Para se ir ao encontro destes desafios, acrescenta ainda o economista, as políticas públicas e as estratégias das empresas precisam de se concentrar na melhoria da literacia digital da população, aumentando as competências gerais da força laboral através de sistemas eficazes de educação e formação e integrando, de forma igualmente eficaz, as TIC, com outras fontes de inovação, como os investimentos em I&D ou níveis mais elevados de formação nas empresas. Ainda de acordo com Bilbao-Osorio, os países nórdicos oferecem lições interessantes sobre como melhorar estes resultados e integrá-los num ambiente que permita a inovação. Para maximizar o seu impacto, estas actividades terão de ser coordenadas por todos os stakeholders. “Criar e fortalecer as colaborações público-privadas será a chave”, remata.

BIG DATA
Volume, velocidade, variedade e valor
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Os dados sempre tiveram o seu valor estratégico, mas com a magnitude que atingem na actualidade – em conjunto com a capacidade existente para os processar – transformaram-se, tal como sublinha o relatório, numa nova classe de activos, sendo definidos no mesmo como equivalentes, em termos de valor, ao petróleo ou ao ouro. “Actualmente, estamos a testemunhar uma verdadeira explosão em termos de dados que rivaliza com o boom do petróleo no Texas no século XX e com a corrida ao ouro em São Francisco no século XIX”, pode ler-se no relatório.

Esta proclamada nova classe de activos é comummente descrita por aquilo que os responsáveis do relatório apelidam de “três Vs”. Ou, por outras palavras, o Big Data significa volumes elevados de dados, que “correm” a alta velocidade e que gozam de uma substancial variedade. Mas e aliado aos tradicionais três Vs, junta-se agora mais um – o de valor – que é o motivo que explica o enorme interesse e atenção que as soluções e as plataformas de Big Data estão a despertar. E, nesta busca de valor, o grande desafio enfrentado por todos é como reduzir a sua complexidade para que este valor seja gerado. O Big Data tem vindo a ser estimulado tanto pelos avanços tecnológicos (desde a disseminação da identificação por radiofrequência – o RFID – ou dos chips), como pelas tendências sociais. As nossas discussões colectivas, comentários, ‘gostos ou desgostos’ em conjunto com as redes de conexões sociais, são, no seu todo, traduzidos em dados e a uma escala maciça. O que pesquisámos? O que lemos? Onde fomos? A quem nos associámos? O que comemos? O que comprámos? Ou, em resumo, a quase totalidade das interacções humanas pode ser “capturada”, estudada e aproveitada no novo domínio do Big Data.

Como refere o relatório, estamos no início de uma nova era, a qual está a mudar as nossas vidas e a alterar a forma como se fazem negócios. Mas o sucesso deste novo domínio exige muito mais do que simples dados. A criação de valor com base nos dados exige a identificação de padrões a partir dos quais as previsões podem ser inferidas e as decisões tomadas. As empresas precisam de decidir quais os dados que devem usar. Os dados que cada negócio detém podem ser tão diferentes como os próprios negócios. Cada empresa terá de seleccionar as fontes dos que irá usar para criar valor. Adicionalmente, a criação deste valor irá exigir uma forma adequada de os dissecar e, posteriormente, de os analisar com as ferramentas certas. E irá exigir também saber como separar a informação valiosa do “lixo”.

Por outro lado, o mundo do Big Data está também a transformar-se numa nova fonte de preocupação. As suas consequências para questões como a privacidade e para outras áreas da sociedade estão longe de ser amplamente compreendidas.

Na verdade, vivemos num mundo onde tudo pode ser medido, sendo que os dados se poderão tornar numa nova “ideologia”, como também alerta o relatório. E se estamos a testemunhar o início de uma longa jornada, na qual, com princípios e orientações apropriados, temos a capacidade de recolher, avaliar e analisar cada vez mais informação sobre todos e sobre tudo para tomar melhores decisões, de forma individual e colectiva, também sabemos que a mesma pode ser terreno fértil para que o oposto aconteça.

No relatório são dedicados vários capítulos sobre os benefícios, malefícios e principais desafios deste novo domínio. Mas duas grandes tendências são sublinhadas:

  • O Big Data contem padrões invisíveis, que só podem ser visualizados através da utilização de ferramentas e técnicas adequadas de analytics. Os conhecimentos que dele se extraem têm de ser utilizados no tempo certo, no contexto adequado e com a abordagem mais indicada.
  • O desafio de, sistematicamente, se descobrir, captar, gerir e proteger quantidades cada vez mais astronómicas de dados é muito mais complicado do que o relativamente simples problema de armazenamento de informações e de recursos computacionais.

Por último, o relatório oferece igualmente um capítulo exclusivamente dedicado às políticas que devem ser seguidas para se retirar, do Big Data, os seus mais importantes impactos económicos e sociais.

Editora Executiva