Chama-se The Trust Project, foi criado em 2014 e tem como objectivo estabelecer normas éticas no jornalismo para combater a proliferação de notícias falsas no mundo online. Apesar de a sua implementação, em particular em termos tecnológicos, não ser fácil, são cada vez mais os meios de comunicação social que o querem adoptar e usar o seu “selo” de fiabilidade e exactidão nas notícias de interesse público
Traduzido e adaptado por HELENA OLIVEIRA
© Stanford Social Innovation Review.

O declínio da confiança pública na sociedade civil tem alarmado os defensores dos valores democráticos e dos direitos humanos nos últimos anos. Num discurso proferido em Junho de 2022 na 50ª sessão do Conselho dos Direitos Humanos, a Alta Comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Michelle Bachelet, afirmou que uma série de “doenças globais“, de que é exemplo o aumento da desigualdade, criaram um terreno fértil para a proliferação da desinformação e de notícias falsas, que contribuíram para a erosão da confiança do público nos meios de comunicação social.

Desde 2014 que o Trust Project tem promovido a transparência no jornalismo através da identificação de espaços de confiança para o público e do trabalho com agências e meios noticiosos para melhorar a qualidade da informação. Fundado e liderado pela premiada jornalista Sally Lehrman, este projecto sem fins lucrativos é um consórcio internacional que junta mais de 100 organizações noticiosas, incluindo órgãos de comunicação de grande visibilidade como o The Economist, o The Washington Post, o South China Morning Post, o El País, entre vários outros, contando igualmente com meios regionais e locais.

Ao longo do seu lançamento, o Trust Project serviu como facilitador de grupos de trabalho com editores de topo de todo o mundo para criar um conjunto de normas que servissem de base para um jornalismo rigoroso, ético e transparente com o objectivo de assegurar aos leitores que uma história, um meio de comunicação ou um jornalista são dignos de confiança. Com base numa combinação de ética jornalística e entrevistas aprofundadas que realizaram com o público, os editores conceberam oito “Indicadores de Confiança”: melhores práticas, experiência jornalística, tipo de trabalho, citações e referências, métodos, fontes locais, vozes diversas e feedback accionável. Adicionalmente, os parceiros de notícias só podem utilizar o logótipo do The Trust Project no seu trabalho publicado e no seu website se adoptarem o compromisso de aplicar estes oito indicadores ao seu trabalho.

Os Indicadores de Confiança são acessíveis através do website do The Trust Project, e cada parceiro de notícias participante tem uma página dedicada na qual explica como os aplica no seu trabalho. Os indicadores têm também associados símbolos legíveis por máquina – um vocabulário [colaborativo como o schema.org] correspondente de marcações (“markups”) e etiquetas digitais – incorporados no código da página para que possa ser lido por terceiros. Os principais motores de busca e media sociais na Internet como Google, o Bing e o Facebook podem processar os símbolos legíveis por máquina das páginas dos novos parceiros participantes para validar se as notícias são fidedignas e fiáveis. Por sua vez, estes gigantes da Internet validam-se no The Trust Project como “consultores especializados” nas suas próprias iniciativas para privilegiar notícias fiáveis e de confiança.

As pesquisas mostram que a presença dos Indicadores de Confiança melhora a confiança entre os leitores de uma publicação. Avaliando o impacto destes indicadores, o Center for Media Engagement da Universidade do Texas em Austin descobriu que “as avaliações de determinada organização jornalística eram mais elevadas quando os indicadores estavam presentes”. O mesmo se aplica às avaliações dos repórteres que escreveram artigos utilizando estes mesmos indicadores. A Reach PLC, que publica o Mirror, concluiu, a partir das suas próprias avaliações, que a confiança dos leitores aumentou 8% depois de este ter incorporado os Indicadores de Confiança.

Renascer das Cinzas Digitais

Em 2012, Sally Lehrman trouxe a “Mesa-redonda de Novos Media” e o “Observador da Credibilidade Online” da Sociedade de Jornalistas Profissionais (SPJ’s) para o Centro Markkula de Ética Aplicada da Universidade de Santa Clara, onde desempenhava o cargo de Knight Ridder Chair em Jornalismo e Interesse Público e de directora sénior do programa de jornalismo da universidade. Posteriormente, criou a Mesa Redonda sobre Ética do Jornalismo Digital, depois de, em conjunto com os seus colegas, ter tido uma preocupação crescente ao longo de vários anos sobre as mudanças que estavam a acontecer no espaço digital. Lehrman observou que, nos anos que se seguiram, a viragem digital impulsionada pelo tráfego dos meios de comunicação social resultou em práticas desagradáveis e por vezes muito pouco éticas. Lehrman sentiu que estas mudanças estavam a passar a mensagem errada ao público de “que isto é entretenimento, isto não é notícia e que nós [jornalistas] não nos importamos com o impacto ou com a verificação dos nossos factos e com a realização de reportagens que ajudarão o público a compreender o que realmente se passa”, explica. “E o que eu percebi foi que precisávamos de fazer mais”, acrescentou ainda. 

Ao contrário da era do jornalismo impresso – quando um leitor podia facilmente distinguir uma reportagem de notícias, de artigos de opinião e de anúncios – o espaço digital, com a sua uniformidade, pode tornar muito difícil a distinção entre histórias legítimas e bem noticiadas de mensagens publicitárias. Consequentemente, os leitores têm dificuldade em discernir a fiabilidade de uma fonte e são explorados por actores de má-fé que se apresentam como contadores da verdade.

A crescente preocupação com os compromissos éticos que as empresas de media estavam a fazer para se adaptarem à nova paisagem digital motivou Lehrman, em 2014, a recorrer a especialistas em tecnologia e media, como o vice-presidente do Google News, Richard Gingras, para aferir se os algoritmos poderiam ser utilizados para resolver o problema. Quando lhe disseram que era possível, Lehrman viu uma oportunidade para jornalistas e parceiros éticos repararem um sistema que se apresentava com danos crescentes.

Lehrman foi capaz de chamar para a sua causa editores e executivos dos media precisamente devido ao consenso prevalecente entre os jornalistas “sérios” no que respeitava ao declínio da indústria. Importante foi também o facto de ter sido bolseira do John S. Knight Journalism Fellow na Universidade de Stanford, o que lhe deu acesso à Fundação Knight e ao fundador da Craigslist, Craig Newmark , os quais foram os primeiros financiadores do The Trust Project. Os seus investimentos ajudaram a legitimar o projecto, bem como a criar uma dinâmica de angariação de fundos.

O Democracy Fund também tem sido um importante financiador e apoiante. Paul Waters, o director da Digital Democracy Initiative  do fundo em causa, ficou entusiasmado com o projecto de Lehrman assim que soube da sua existência e acredita que este é fundamental para a preservação do bem público. “A forma como as pessoas têm vindo a conhecer e a compreender as coisas está a mudar e a um nível muito básico”, comenta ele sobre a recolha de informação na era digital. “O Trust Project é um passo em frente para ajudar as pessoas a compreender o que está a acontecer, especialmente no ambiente online”.

Gestão Global de Projectos

O Trust Project teve de navegar num cenário mediático impulsionado pela maximização dos lucros e repleto de polarização política. O Director de Estratégia de Audiências da ProPublica [organização sem fins lucrativos para jornalismo de investigação de interesse público], Dan Petty, que foi anteriormente um parceiro estratégico do projecto enquanto trabalhava no Grupo MediaNews, enfatiza o trabalho de Lehrman “tanto como um imperativo moral como também um imperativo para a democracia”. Mas para as empresas de comunicação social, acrescenta, “é também um imperativo empresarial”.

“Falando de uma perspectiva empresarial, se as pessoas não confiam no seu produto, não se vão envolver com ele, não o vão comprar, não o vão subscrever, não vão doar”, explica Petty.

O Projecto Trust também acredita que a diversidade, a equidade e inclusão [DEI, na sigla em inglês] no jornalismo é essencial para construir e manter a confiança do público. Pesquisas da Knight Foundation mostram que a falta de diversidade nas redacções afecta, sem surpresas, a selecção das histórias e notícias e leva frequentemente a um enviesamento inconsciente na forma como estas são contadas, o que deixa muitos cidadãos a sentir que os meios de comunicação social não os representam ou não compreendem a sua experiência. “As plataformas não têm um registo forte na abordagem da desigualdade racial, por exemplo, pelo que ver uma aposta neste tema é importante e ajuda a impulsionar muitas outras conversas”. De acordo com o Pew Research Center, escrever sobre diversidade, equidade e inclusão apenas é uma prioridade quando as redacções não são apenas compostas por homens e por pessoas de mais idade, o que significa que as que mais precisam de reformas são as mais lentas a adoptá-las.

Na medida em que o Projecto Trust está a considerar a expansão do seu trabalho e do seu consórcio, a natureza exaustiva da sua implementação pode ser uma tensão adicional nas redacções sobrecarregadas. “O desafio é, operacionalmente, arranjar tempo. Os editores estão ocupados, os jornalistas estão ocupados, a gestão está ocupada”, diz Petty. “Mas tirar o tempo necessário para fazer isto e fazer isto bem é extremamente importante”. Se é sabido que existe uma crise de confiança, qualquer meio quer ter a certeza que realmente isto tem de ser bem feito. Nós [no Grupo MediaNews] confiámos realmente no The Trust Project para nos dar as coordenadas, as perguntas e o pensamento; foi isso que foi extremamente útil. Sim, foi doloroso, mas teria sido muito mais doloroso se não o tivéssemos como parceiro”.

Lehrman diz que um dos grandes desafios inerentes a escalar o projecto é a contínua batalha ascendente com sistemas de financiamento e construção que sejam suficientemente robustos e abrangentes para apoiar os parceiros de notícias que querem implementar os Indicadores de Confiança. A dimensão tecnológica pode ser especialmente complicada, e o projecto está a tentar descobrir como facilitar a adopção e implementação da tecnologia. “Quando reparei que era realmente difícil para alguns sítios fazer o trabalho técnico e percebi quantos meios usavam o WordPress, desenvolvemos um plug-in específico para WordPress”, diz Lehrman. Além disso, à medida que o projecto se expande globalmente, o mesmo acontece com a necessidade de traduzir os seus indicadores para uma linguagem que funcione dentro desses contextos locais específicos.

Os indicadores, além disso, não são estruturas estáticas ou fixas. Pelo contrário, requerem uma reavaliação constante. Embora Lehrman descreva esta reavaliação como a parte divertida do trabalho, é também muito demorado e requer uma iteração contínua. “É importante que continuemos a nossa investigação, continuando a ter grupos de trabalho, para que possamos manter e desenvolver os Indicadores de Confiança para que sejam sempre representativos e ao nível do momento em causa”, afirma.

Traduzido com permissão de “News you can trust” 

© Stanford Social Innovation Review 2023

Helena Oliveira

Editora Executiva