Os telemóveis são pequenas slot machines altamente viciantes mesmo ali à mão. E a televisão é como uma sereia a criar a ilusão de que também é um elemento da família. E por isso é tão importante manter as rotinas e as regras para que a ansiedade não nos sequestre. Não há televisão nem telemóveis durante as refeições, dentro do carro e quando passeamos juntos.
POR Rodrigo Vieira Dias

Escutam-se relatos da invasão na rádio. Na televisão surgem as imagens de mães e filhos a fugir. Os homens ficam para trás, combatem pela pátria. Os grupos de mensagens nos telemóveis enchem-se de fotografias da inacreditável resistência civil perante o exército invasor. Uma onda de solidariedade e heroísmo multiplica-se por incontáveis vozes. Vídeos de quem está no terreno espalham-se pelas redes sociais. Bombas a cair. Prédios destruídos. Uma maternidade a ser atingida. Ativistas a serem presos por expressarem a sua revolta. Um presidente corajoso que se recusa a abandonar as pessoas e a sua terra. Lágrimas. Desespero. Tragédia. A guerra voltou.

Desenrola-se uma crise humanitária, mesmo aqui ao lado, na Ucrânia. E não é um desastre natural… é uma tragédia artificial provocada por humanos. A espécie humana a demonstrar mais uma vez que é capaz do pior… e a mesma espécie humana a responder, provando que também é capaz do melhor.

Estou sentado a escrever num apartamento no centro de Lisboa, onde o meu maior problema é ir tirar a roupa do estendal, pois começou finalmente a chover. Perante a tragédia e o heroísmo, a minha normalidade é desconfortável e é fácil eu próprio julgar-me, que sou cobarde, insensível, aburguesado e que devia estar a fazer mais.

Este artigo não é sobre a guerra, eu não sei o que é viver sob o terror de uma invasão que ameaça a minha existência e a dos que amo. E não vou fingir que sei. Estas palavras são sobre a ansiedade de quem é bombardeado apenas (felizmente) por informação. Uma partilha sobre como é que um pai pode ajudar os seus filhos adolescentes a lidarem com a descoberta de que o mundo afinal não é seguro e previsível.

Acredito que o primeiro passo é aceitar que eles têm acesso a informação que eu não controlo. Mesmo que fosse possível filtrar essa informação, não me parece uma boa estratégia. Este é o mundo em que estão a crescer. É importante que conheçam a realidade. Já chega os filmes e séries que eles consomem, com a sua visão editada e enviesada da experiência humana.

Depois, ajuda-me recordar a minha crença de que ser pai é fazer parte de um campo organizador que permite que os meus filhos se transformem em adultos capazes de fazer escolhas, sem fugirem do que sentem. Ou seja, é importante eu proporcionar um espaço e tempo onde eles possam organizar e digerir a informação que estão a receber. No nosso caso são as refeições, as viagens de carro e os passeios a pé. São três eventos da nossa vida familiar em que privilegiamos a conversa em detrimento da tecnologia. Não é fácil. Os telemóveis são pequenas slot machines altamente viciantes mesmo ali à mão. E a televisão é como uma sereia a criar a ilusão de que também é um elemento da família. E por isso é tão importante manter as rotinas e as regras para que a ansiedade não nos sequestre. Não há televisão nem telemóveis durante as refeições, dentro do carro e quando passeamos juntos. Não há ecrãs. Há pessoas com quem nos podemos co-regular e com quem podemos aprender sem ter de ir pesquisar na internet. Porque os ecrãs podem fornecer muitos dados, mas não são pessoas reais com as quais nos podemos conectar e recordar do que é realmente importante.

Ajuda, também, socorrer-me do conhecimento dos especialistas. A Ordem dos Psicólogos disponibilizou um documento sobre como conversar sobre a guerra. É um documento que nos ajuda com as perguntas e respostas que inevitavelmente surgem quando criamos o espaço e tempo para realmente ouvirmos os nossos filhos. Recomendo que o leiam, tem uma perspetiva com a qual me identifico e que se aplica não só a esta guerra, mas a todos os temas brutais que fazem parte da nossa realidade. Gosto especialmente da seguinte ideia: “Não precisamos de ter todas as respostas. Não precisamos de ser especialistas num assunto para ouvir o que as crianças/jovens pensam e sentem. Para além disso, pensar sobre uma situação complexa em conjunto pode ajudar as crianças mais velhas a lidar com sentimentos ambivalentes e pensamentos ambíguos”.

Sei que não são só os meus filhos que ganham com estas bolhas de espaço-tempo em que estamos realmente uns para os outros. Sou também eu. Obrigam-me a parar e refletir sobre o que é realmente importante. Não me deixam ser indiferente. Impelem-me a ser uma melhor pessoa. A sair do meu conforto e a ir ajudar dentro do que me é possível.

Ontem à mesa surgiu a pergunta inevitável: Porque é que a Rússia está a invadir a Ucrânia? Como explicar o inconcebível? Eu e a mãe socorremo-nos da história, da política, do entendimento da psicologia humana e ainda assim a resposta soube a pouco. Não conseguimos responder. Mas uma coisa ficou clara: nesta guerra não haverá vencedores. Nesta e em qualquer outra saímos sempre todos a perder. E sentir que essa compreensão foi clara para os meus filhos trouxe-me alguma paz, pois sei que essa ainda faz parte das minhas responsabilidades: formar dois cidadãos que compreendem que todos os humanos são dignos e que os seus direitos de liberdade, paz e justiça são inalienáveis.

Rodrigo Vieira Dias

Head of People da Premium Minds e autor do livro Tornar-me Pai