Com uma significativa parte dos portugueses a trabalhar em casa, aquilo que antes poderia parecer um sonho, pode transformar-se num pesadelo. Para os que não estão habituados a fazê-lo, existem algumas regras a seguir que podem ajudar a ultrapassar os desafios e a estranheza inicial inerente ao teletrabalho. Dispa o pijama e mãos à obra
POR HELENA OLIVEIRA

Num paper publicado em 2016 e intitulado “Does Working From Home Work?”, uma equipa de economistas analisou a Ctrip, uma agência de viagens chinesa com 16 mil empregados que decidiu, aleatoriamente, enviar um pequeno grupo de trabalhadores pertencentes ao seu call-center para trabalhar em casa. No início, a experiência pareceu constituir uma situação de ganhos duplos, tanto para os trabalhadores, como para os empregadores. Os primeiros trabalhavam mais, despediam-se menos e mostravam-se satisfeitos com o seu trabalho. Entretanto, a empresa, que estava a poupar cerca de mil dólares por empregado devido à redução de espaço nos seus escritórios, decidiu estender o trabalho remoto a todos os trabalhadores e o caos instalou-se. A queixa mais comum? A solidão. Mas não só. Outras pesquisas demonstram que aquilo que se ganha em produtividade com o trabalho remoto, perde-se em criatividade e pensamento inovador. São vários os estudos que demonstram que pessoas a trabalhar no mesmo espaço tendem a resolver problemas de forma mais rápida do que os trabalhadores remotos e que a coesão das equipas sofre significativamente com esta opção.

Adicionalmente, os trabalhadores em regime de teletrabalho tendem a fazer menos pausas e a tirar menos dias por doença e muitos reportam o quão difícil é separar a sua vida profissional da vida doméstica. O que podem ser boas notícias para empregadores que tentam “espremer” produtividade extra desta situação, mas más notícias para quem acredita que a conciliação entre a vida pessoal e a profissional será, finalmente, mais fácil.

Apesar de o trabalho remoto estar a ser crescentemente utilizado pelas empresas – e com resultados positivos ao nível da produtividade e do equilíbrio entre vida pessoal e profissional – a verdade é que passar, de um momento para o outro, a trabalhar em casa não é assim tão simples quanto se imagina. Para além da quebra dos laços sociais necessários para o desenvolvimento de um bom trabalho em equipa, com o teletrabalho surgem vários desafios nem sempre fáceis de ultrapassar. E com o fantasma do coronavírus a pairar sobre os muitos portugueses que têm a possibilidade de continuar o seu trabalho a partir de casa, em conjunto com as normas de isolamento social que temos de seguir, a tarefa poderá ser, para muitos, verdadeiramente complexa.

Por outro lado, são já vários os observadores que fizeram notar que a crise provocada pela Covid19 e a necessidade de manter os trabalhadores em casa sem quebras de produtividade poderá mudar para sempre a forma como as empresas gerem as suas forças de trabalho. Quem sabe se, no futuro, a pandemia causada por este vírus invisível e incerto, não ficará na história como um momento de viragem positivo no mundo do trabalho.

Sendo ainda demasiado cedo para se fazer previsões, certo é que, nos próximos tempos, os trabalhadores portugueses terão de aprender a lidar com novas rotinas e, de certa forma, a “redescobrirem-se” enquanto profissionais. No escritório, as reuniões forçam-nos a planear melhor o nosso dia, o próprio horário de trabalho dita o início e o fim das nossas actividades profissionais diárias, o olhar atento dos chefes impede-nos de navegar sem destino na Internet, o convívio com os colegas serve para descontrair e a altura em que nos despedimos com um “até amanhã” marca a “passagem” para o território do lazer. Em casa, tudo será diferente e é bom que se esteja preparado para um conjunto de novas rotinas. Seguem-se algumas sugestões para ajudar a lidar com esta realidade, ainda nova para muitos.

Descubra que tipo de teletrabalhador é

No início, tudo parecerá fácil e até promissor. Ter liberdade para trabalhar no horário que considerar mais conveniente e ganhar maior controlo sobre as suas tarefas são duas grandes vantagens para quem trabalha a partir de casa. E se o seu empregador não exigir que continue a cumprir um horário fixo, poderá achar que trabalha melhor no silêncio da noite ou que é mais produtivo apenas a seguir ao almoço. Todavia, cuidado. Estar em casa a trabalhar significa que é muito fácil distrair-se com os horários e é possível que passe a pertencer a um de dois extremos: ou trabalhará muito menos do que é suposto ou trabalhará muito mais, o que também não é suposto. Assim, dedique algum tempo a planear cuidadosamente o seu ritmo e estilo de trabalho, esteja atento a possíveis “ataques de preguiça” e não se perca a jogar ou a consultar as redes sociais por tempo indeterminado. Para que a produtividade não se ressinta e para encarar este novo desafio com satisfação, é muito importante que tenha disciplina e que aborde esta mudança consciente de que a inércia é o maior inimigo do teletrabalhador, principalmente quando existem inúmeras potenciais distracções no ambiente doméstico.

Crie o seu espaço de trabalho

Uma parte extremamente importante do que significa “trabalhar a partir de casa com sucesso” está relacionada com o espaço físico que escolher para o fazer. Apesar de não ser necessário fazer nenhum grande investimento, é importante ter as condições mínimas que “mimetizem” um local de trabalho “normal”. Ou seja, trabalhar na mesa da cozinha não é boa ideia, mesmo que viva sozinho, e muito menos se tiver de dividir esse espaço com demais familiares. Se possível, escolha um local onde possa isolar-se dos barulhos e manter os níveis de concentração necessários. A luz natural é sempre uma mais-valia e uma boa secretária na qual possa “arrumar” todos os recursos de que precisa para trabalhar é igualmente importante. Mantenha o espaço organizado e lembre-se de um pequeno mas crucial pormenor: é natural que, em regime de teletrabalho, faça reuniões virtuais ou videochamadas. Assim, lembre-se que as pessoas com quem irá comunicar terão “vista” para o seu local de trabalho e não é de todo profissional ter uma pilha de pratos sujos atrás de si (se a única hipótese for a mesa da cozinha) um uma pilha de roupa por passar. Se a ideia é trabalhar remotamente por um período mais extenso de tempo, tente que o seu espaço de trabalho seja “semi-permanente”, ou seja, um local de onde possa sair quando tiver terminado as actividades diárias e voltar no dia seguinte.

Saiba fazer a “mudança mental” para “em modo de trabalho”

Quando chegar a altura de iniciar o trabalho, não basta abrir o computador e começar a fazê-lo, sem sequer ter tirado o pijama. Tente, ao máximo, sentir que está num ambiente de trabalho, o que pode ser um enorme desafio, em particular se estiver com a família. Fazer uma mudança mental para “trabalho” ajudá-lo-á a concentrar-se e a ser produtivo. E uma forma simples de o fazer é manter, tanto quanto possível, as rotinas a que está habituado quando vai trabalhar. Não adie o duche e vista-se com “roupa de trabalho”, apesar de e obviamente, poder deixar de lado indumentárias mais formais. E, mais uma vez, se receber uma videochamada , não vai querer dar uma imagem de desmazelo, mas sim de profissionalismo, seja para o seu chefe, colegas ou clientes.

Estabeleça um horário de trabalho e cumpra-o

Apesar de uma das vantagens do teletrabalho ser a flexibilidade horária, a verdade é que ter um horário minimamente fixo ajuda à produtividade e a separar a vida profissional da vida doméstica. Por outro lado, aqueles que vivem consigo saberão igualmente que não o podem interromper durante esse período e o mesmo acontece com as pessoas com quem continuará a trabalhar, com as quais deve partilhar um horário de trabalho idêntico. Reuniões virtuais, videochamadas, dúvidas a serem respondidas por chat ou qualquer outra interacção profissional deverão ser feitas num período previamente estabelecido, o qual deverá ter em conta também os horários dos que trabalham consigo. Ou seja, se optar por trabalhar de noite e dormir de dia, tal terá reflexos na sua rede de contactos profissionais e, consequentemente, no seu próprio trabalho.

Planeamento e rotinas servem para manter a concentração e a motivação

Como será de esperar, terá menos reuniões e distracções normais comuns entre colegas e superiores hierárquicos. E enquanto o isolamento social poderá constituir um desafio – com tendência a complexificar-se à medida que o tempo for passando – o mesmo conferir-lhe-á uma maior oportunidade para controlar melhor as suas horas de trabalho, concentrar-se melhor em tarefas “maiores” e mergulhar nas mesmas durante mais tempo. Para ajudar à sua concentração e produtividade, faça um planeamento diário das tarefas que deseja cumprir e reserve “tempos diferentes” para cada uma delas. Programe as tarefas que exigem maior criatividade para as alturas em que se sinta mais inovador e deixe as tarefas rotineiras para os demais períodos. Mantenha rituais e rotinas diárias, como a verificação do email pela manhã, telefonemas ou videochamadas com os colegas e superiores à mesma hora, guardando um tempo específico para as tarefas administrativas.

Vários especialistas em teletrabalho recomendam a elaboração de um calendário semanal, no qual escreverá as suas tarefas diárias, tentando cumpri-las o mais possível. No final da semana, olhe para o mesmo e veja o que correu bem ou menos bem e tente melhorar os pontos fracos para a semana seguinte. Tal ajudá-lo-á a ter uma maior noção da sua produtividade e de eventuais problemas ou desafios que esteja a sentir. Ter um registo visual do que é cumprido semanalmente ajuda à motivação.

Não descure o seu bem-estar físico e mental

Trabalhar a partir de casa tem as suas limitações próprias, com o isolamento social a estar no topo das mesmas. Precisamos de contacto com os outros humanos e estar o dia todo confinado ao mesmo espaço pode afectar a nossa saúde física e mental.

Manter o contacto com os colegas é vital e o email pode não ser suficiente. Encontre tempo para fazer pausas virtuais conjuntas, através de qualquer plataforma que permita videochamadas, e tente manter a comunicação o mais possível. Para além de tal contribuir para se manter mentalmente em forma, saber o que se passa na empresa – mesmo que todos estejam em teletrabalho – ajuda a conferir um maior toque de normalidade à situação.

Olhe também para a sua saúde física. Faça pausas de hora a hora, estique-se, exercite-se de qualquer forma. Mesmo em tempo de isolamento social, fazer uma caminhada ou correr ainda é permitido, desde que sozinho, é claro.

No caso de ser empregador ou chefe de equipa

Criar uma cultura eficaz de teletrabalho depende muito das lideranças. Se tiver uma equipa a depender de si, lembre-se que todos os seus membros têm de saber, continuamente, o que se está a passar na empresa. Estando em casa, é muito fácil perder-se o sentimento de pertença e partilhar informação ao nível organizacional é absolutamente imprescindível. Comunique, no mínimo, uma vez por dia com os seus empregados e tente fazer uma actualização da situação. Conversas regulares e inclusivas permitirão que comunique objectivos comuns enquanto estabelece as competências que cada membro da equipa contribui para os alcançar, o que irá originar um sentido mais forte de espírito de equipa e união.

Durante este período, as pessoas a trabalhar em casa começarão a sentir-se mais nervosas relativamente a questões como, por exemplo, salários e ao futuro próximo e é função do líder assegurar que a empresa irá honrar os seus compromissos. Assegure-se igualmente que todos os trabalhadores tenham acesso à mesma informação, não deixando ninguém de fora. O mesmo serve para questões de disponibilidade, devendo estar acessível para todos. Se fizer reuniões de grupo virtuais, dê espaço de antena a qualquer dúvida colocada pelos trabalhadores, mantenha um tom calmo e lembre-se que nestas alturas todos os olhos estão postos em si e que deve sempre dar o melhor exemplo.


Dicas para reuniões virtuais eficazes

Nos próximos tempos, será assim. Para manter a equipa coesa e produtiva, há que apostar na comunicação virtual com colegas e/ou empregados, seja para estabelecer objectivos, dar resposta a dúvidas ou, simplesmente, para garantir um mínimo de normalidade à situação em que vivemos. Para que as reuniões virtuais corram o melhor possível, certifique-se que está a cumprir os seguintes requisitos.

  • Para que todos sintam que estão na “mesma” reunião, utilize sistemas de videoconferência, tal como o Zoom, o Skype ou o GoToMeeting – os quais ajudam a personalizar a conversa e mantêm todos os participantes envolvidos. Garanta, igualmente que existe uma boa opção de áudio.
  • Teste o equipamento antecipadamente. Todos os participantes deverão testar a tecnologia e garantir que estão confortáveis com a sua utilização.
  • Garanta que todas as faces estão visíveis. As videoconferências são mais eficazes quando as pessoas conseguem ver a expressão facial dos demais bem como a sua linguagem corporal. Peça aos participantes que se sentem perto da sua câmara web para ajudar a recriar o ambiente de uma reunião “normal”.
  • Mantenha-se fiel ao essencial. Antes da conversa, estabeleça objectivos claros e, caso possível, envie antecipadamente os pontos que serão discutidos. Fale pausadamente e defina os passos seguintes, bem como timings e responsabilidades. Minimize o tempo das apresentações e opte mais pelo diálogo, do que pelo monólogo. Estabeleça regras para a participação de todos e, caso sinta que é necessário, nomeie um facilitador para orientar a conversa e garantir que todas as vozes são escutadas.
  • Não receie falar de questões complexas. Porque a incerteza dominará os próximos tempos e porque não pode prever quando é que poderá voltar a reunir-se presencialmente com os seus colaboradores, não evite falar de problemas ou tópicos controversos. Pelo contrário, deverá fazê-lo.

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