Para compreender uma nova lógica de retorno do investimento mais longo e das novas formas de valor, vai ser necessário existir uma partilha de risco entre o sector público e privado, um mecanismo fiscal indutor de comportamentos e, acima de tudo, introduzir o desenvolvimento sustentável e os ODS nos currículos daqueles que hoje estudam gestão, economia e finanças
POR SOFIA SANTOS*

O ano de 2015 ficou marcado pelo terrorismo no coração da Europa, pelo flagelo anunciado dos refugiados, pela construção de muros na Europa, pelas exigências orçamentais da Comissão Europeia aos seus Estados membros, pelo abrandamento da economia mundial devido, essencialmente, aos problemas da economia chinesa, entre muitos outros factos geopolíticos.

Foi também o ano em que o Papa Francisco publicou a Encíclica Papal, argumentando que o clima é um bem comum e que a humanidade tem de mudar o seu estilo de vida, indo assim ao encontro de muitas das políticas defendidas pelas Nações Unidas e pela Comissão Europeia. Foi ainda o ano em que 193 países acordaram em comprometer-se com 17 Objectivos para o Desenvolvimento Sustentável e, em particular, acordaram em desenvolver políticas e acções que contenham o aumento da temperatura média do planeta em mais de 2ºC. Conseguiu-se que Europa, EUA e China concordassem com um texto comum!

A meu ver, foi o ano em que as conclusões do Relatório de Bruntland publicado em 1987 começaram a ter aplicação à escala internacional. Na realidade, o relatório de Bruntland concluiu que para se conseguir efectivamente um desenvolvimento sustentável seria necessário um conjunto de acções, sendo uma delas o desenvolvimento de “um sistema internacional que promova padrões sustentáveis de comércio e finanças”[1].

[pull_quote_left]As actividades económicas que promovam os ODS passam a ter uma procura mais explícita e, como tal, um potencial retorno financeiro mais interessante[/pull_quote_left]

Os Objectivos para o Desenvolvimento Sustentável (ODS) vêm assim constituir uma framework internacional que ajuda as organizações a tomar decisões em prol do desenvolvimento sustentável, uma vez que existe um compromisso nacional. Os ODS ao agregarem, e muito bem, uma série de temas que até agora eram tratados de forma separada por várias organizações preocupadas com a sustentabilidade, poderão também ser um catalisador para o surgimento de novos produtos ecológicos, novas tecnologias de baixo carbono e novos produtos financeiros.

Talvez esta oportunidade de mercado já tenha sido identificada por alguns dos grandes players financeiros internacionais: um recente artigo do The Wall Street Journal defende que o investimento sustentável, ou seja, os fundos socialmente responsáveis2, está a passar para a fase da generalização (deixando de ser uma área de nicho), uma vez que há evidências do seu retorno, da sua menor volatilidade e da sua necessidade. Grandes bancos do sistema como o Goldman Sachs e o Morgan Stanley têm equipas de analistas a trabalhar no tema e os investimentos começam a aumentar.

Sem dúvida que estas acções indicam que as actividades económicas que promovam os ODS passam agora a ter uma procura mais explícita e, como tal, um potencial retorno financeiro mais interessante. Por outro lado, o investidor terá de aceitar que qualquer investimento antes de ter um retorno financeiro esperado, tem de ter, em primeiro lugar e na sua definição, um retorno ecológico e social. E aqui entramos num novo mundo de conceitos que estão a deixar de ser teóricos para passarem, efectivamente, a terem uma prática que será crescente ao longo dos próximos anos.

Na realidade, o ano de 2016 poderá ser visto como o início de uma discussão séria sobre a necessidade de redefinir o valor das “coisas”: será que pagamos o preço justo por um quilo de carne quando vamos ao supermercado? Será que o preço do mel corresponde ao valor do ecossistema necessário à sua produção? Será que o agricultor recebe o preço justo por manter uma paisagem e um ecossistema a funcionar? Será que o lucro ou o volume de vendas da empresa é a medida mais correcta para avaliar o valor que a empresa gera para a sociedade? Será que o PIB português não seria superior se incorporássemos o valor do capital natural que temos?

[pull_quote_left]O ano de 2016 poderá ser visto como o início de uma discussão séria sobre a necessidade de redefinir o valor das “coisas”[/pull_quote_left]

Estes temas, ao começarem a estar presentes na agenda política (veja-se já a Directiva da obrigatoriedade de reportar informação não-financeira que entrará em vigor em 2017, bem como a Estratégia europeia para a biodiversidade), levam necessariamente ao desenvolvimento de processos e produtos inovadores, que constituem soluções empresariais que promovem um desenvolvimento sustentável.

Estas soluções irão, por sua vez, induzir novos estilos de vida e novas formas de consumo. Havendo esta necessidade e o mercado potencial, então o financiamento terá de surgir. Trata-se de um novo tipo de financiamento onde os retornos poderão não ser a quatro anos, mas antes a 7 ou 12 anos. E, como já vimos nos últimos anos, ambições de retornos a curto prazo podem destruir por completo os investidores e a sociedade.

Para compreender uma nova lógica de retorno do investimento mais longo e das novas formas de valor, vai ser necessário existir uma partilha de risco entre o sector público e privado, um mecanismo fiscal indutor de comportamentos e, acima de tudo, vai ser necessário introduzir o desenvolvimento sustentável e os ODS nos currículos daqueles que hoje estudam gestão, economia e finanças.

O ano de 2016 apresenta-se assim como um ano onde os desafios do desenvolvimento sustentável se esperam ver transformados em soluções que promovam o bem-estar económico, social e ambiental das sociedades.

1 http://www.un-documents.net/our-common-future.pdf, página 58

2 Existem várias terminologias sobre investimentos sustentáveis e fundos socialmente responsáveis. No entanto, e no âmbito deste artigo, deve-se compreender o fundo socialmente responsável como a ferramenta financeira que permite aos investidores investirem o seu dinheiro em projectos que promovam o desenvolvimento sustentável e os ODS.

CEO da Systemic