A experiência dos últimos dois anos alterou significativamente as nossas prioridades e a visão que temos do mundo, traçando uma linha bem definida entre o que é realmente importante – saúde mental, família, tempo, propósito e flexibilidade – e o que é acessório. Como resultado, o que as pessoas querem do trabalho e o que estão dispostas a dar em troca alterou-se quase por completo. Por seu turno e apesar de muitos não o confessarem publicamente, os líderes querem que os trabalhadores voltem presencialmente ao escritório e não são necessariamente adeptos do modelo laboral híbrido. Assim, encontrar um equilíbrio entre o “eu” e o “nós” parece estar no centro deste novo contrato social empregado-empregador. Todavia, existem muitas alíneas escritas com letra de médico e a ”grande renegociação” está a transformar-se numa… enorme confusão
POR HELENA OLIVEIRA

Apesar dos muitos receios sobre a viabilidade dos modelos de trabalho remoto e híbrido (este último referindo-se a situações em que as pessoas trabalham a partir de casa pelo menos uma parte do tempo), um novo inquérito global concluiu que as organizações em todas as indústrias e regiões alcançaram níveis significativos de resiliência e coragem, e muito para além das expectativas, na altura em que foram obrigadas a enfrentar o desafio colocado pela crise pandémica.

De acordo com o inquérito realizado pelo MIT SMR Connections em parceria com a Cisco, as culturas organizacionais estão a prosperar e, em alguns casos, a “fazer melhor” do que antes da pandemia. Os líderes empresariais estão a obter bons resultados no que respeita a modelar novos comportamentos e a fazer a mudança acontecer. Este (suposto) sucesso está a gerar níveis significativos de confiança na gestão e um novo contrato social que, presumivelmente, está a gerar uma receptividade inesperada em torno de questões controversas sobre o que o novo mundo do trabalho pode vir a ser. Mas estará mesmo?

Os 1.561 inquiridos neste inquérito incluem líderes empresariais, executivos de topo, supervisores, gestores e trabalhadores individuais, os quais trabalham em organizações de todas as dimensões, representam uma variedade de indústrias e estão sediados em todo o mundo, não esquecendo porém que estas respostas foram recolhidas em finais de 2021 e a sensação que se tem é a de que o que parece funcionar bem num momento, passa a suscitar dúvidas no momento seguinte.

Ou seja e na verdade, o mundo do trabalho (e o mundo no geral) está assente numa volatilidade contínua e ninguém parece saber bem o que pode ser ou não melhor tanto para os empregadores e trabalhadores, bem como para a produtividade ou questões relacionadas com incentivos, promoções, saúde mental, avaliação de desempenho, conciliação entre vida pessoal e profissional, entre outras.

Atentemos a algumas conclusões deste estudo abrangente realizado pelo Massachusetts Institute of Technology e publicado pela Sloan Management Review, a revista de gestão do MIT.

E comecemos pelas suposições que defendem que uma boa cultura empresarial depende de empregados que trabalham fisicamente juntos. Na realidade, os resultados deste inquérito indicam que, no geral, o trabalho híbrido melhora a cultura empresarial. Uma grande maioria dos inquiridos afirma que a camaradagem, a proximidade da organização (mesmo que “ao longe”) e os sentimentos de inclusão e diversidade melhoraram, ou pelo menos permaneceram os mesmos, desde que a pandemia começou.

Adicionalmente, a liderança empresarial também recebeu aplausos. Os líderes das empresas têm estado muito atentos relativamente às questões de cultura empresarial relacionadas com ambientes de trabalho remotos e híbridos bem-sucedidos. Estes incluem modelos que tentam melhorar a empatia, o equilíbrio entre a vida profissional e a vida familiar e o incentivo a discussões honestas. Uma maioria significativa dos inquiridos avalia o desempenho destes comportamentos de forma muito elevada, concluindo-se que o estilo de liderança, e não propriamente os locais de trabalho, parece acelerar os sentimentos de pertença.

Este aumento de confiança face a estes mesmos líderes está a estimular um novo contrato social de trabalho. Em particular nos Estados Unidos e face ao movimento voluntário de demissões que teve início por conta das reflexões despertadas pela pandemia sobre o papel do trabalho na vida das pessoas e sobre um repensar das prioridades por parte dos trabalhadores, o trabalho híbrido está a transformar a “Grande Renúncia” numa “Grande Renegociação”. Na realidade, a pessoas querem mais escolha sobre o local onde trabalham em oposição a uma maior compensação ou regalias adicionais. Por outro lado, a maioria dos inquiridos acredita que trabalhar a partir de casa deve ser um benefício e não um dado adquirido e apenas uma minoria defende que as empresas deveriam reembolsar os trabalhadores à distância e os que se encontram em modelo híbrido pelas despesas em que incorrem por itens como novo equipamento, mobiliário, e melhores ligações à Internet.

Todavia, e como já enunciado anteriormente, o que parecia estar a correr tão bem, começa agora a suscitar novas dúvidas.

Apesar de os resultados deste estudo serem optimistas – mas não esquecendo que os dados para o mesmo foram recolhidos em finais de 2021 – os executivos de topo, e mesmo que ainda não o confessem, estão a manifestar preocupação quanto ao impacto dos modelos de trabalho remoto e híbrido na cultura e nas operações das suas empresas. Mais de 60% dos inquiridos concordam, “fortemente” ou “consideravelmente” que as suas organizações precisam de ter a maioria dos empregados a trabalhar no local para manter a cultura da empresa. Esta crença é consistente entre todas as indústrias e mais vincada nas empresas de grande dimensão e nos sectores das TI e das Telecomunicações, bem como na área dos serviços financeiros, com percentagens que ultrapassam os 70%. Assim e passada a euforia do teletrabalho em tempos de pandemia, o que parece é que estamos a voltar à era (se é que dela chegámos a sair) em que os empregadores se apoiam na convicção de que a cultura de uma empresa depende de as pessoas estarem fisicamente localizadas perto umas das outras, em contraponto com apenas cerca de 10% de trabalhadores a defenderem que os modelos híbridos de trabalho possuem um efeito negativo nas culturas empresariais.

Ninguém pode realmente prever uma estratégia “para sempre” quando se trata da relação dos trabalhadores com o local de trabalho

A 4 de Abril último e quando os escritórios da Google abriram oficialmente, o acordo que o gigante da tecnologia ofereceu aos seus trabalhadores apresentava uma configuração “híbrida”, com três dias no escritório e dois a trabalhar a partir de casa. Assim, e como a Google é a Google, este foi considerado como um sinal auspicioso para que este modelo laboral seja aquele que as empresas deverão considerar num mundo pós-pandémico e cujo futuro é cada vez mais difícil de prever. Talvez também por isso seja necessário um enorme cuidado quando falamos da relação dos trabalhadores com o escritório e do que vai na cabeça dos empregadores relativamente à presença ou distância dos mesmos.

Assim, começa a ser cada vez mais visível que o tão falado “modelo híbrido” possa não ser, afinal, a pílula mágica que todos procuravam depois da enorme disrupção que acometeu o sistema laboral graças à Covid-19, e em particular por parte dos líderes.

Por exemplo, o antigo responsável de RH da Google, Laszlo Bock, que deixou a empresa em 2016, especulou num recente artigo da Bloomberg News que a maioria dos trabalhadores deste gigante – e muitos funcionários híbridos em geral – acabará por voltar ao escritório cinco dias por semana – pelo menos a médio prazo – ou à “velha maneira de fazer as coisas”.

Como afirma e dois anos após a pandemia, a geração mais velha de executivos – e mesmo os mais jovens que lideram em Silicon Valley – não estão habituados a gerir as suas forças de trabalho remotamente. Ou seja, e memo que não o admitam “os líderes consideram muito difícil liderar virtualmente”, defende.

Bock dirige agora a Humu Inc., um fabricante de software de RH, e está já habituado a que grandes empresas lhe peçam constantemente conselhos sobre a melhor estratégia para regressar à vida no escritório. Até agora, a sua resposta assenta sobretudo em pesquisas que sugerem uma mistura de ambientes (três dias presenciais, dois remotos) como a melhor resposta para o ambiente laboral da actualidade. No entanto, Bock alerta também para o facto de que grande parte deste deslumbre em torno deste futuro laboral “híbrido” é, na sua maioria, proveniente de empresas que vendem ferramentas de trabalho à distância e não tanto uma sintonia de desejos que une empregadores e trabalhadores.

Assim, e para o antigo líder de RH da Google, esta crença optimista de que o trabalho híbrido consiste na melhor resposta para ambas as partes não irá durar muito. Bock antecipa, para já, um sistema desequilibrado no que respeita à avaliação de desempenho, com os trabalhadores que ficarem em casa a terem menor acesso a promoções, a melhores salários e a novas oportunidades de carreira. E, talvez mais importante que tudo o resto, alerta também para o facto de os líderes quererem as pessoas de volta aos escritórios, mas não ousando partir para essa luta agora, deixando primeiro “arrefecer os ânimos”.

É claro que nem todos concordam necessariamente com a previsão de Bock. Por exemplo e no mesmo artigo da Bloomberg, Paul Rubenstein, chefe de pessoal da Visier, uma grande empresa que fornece software de análise de pessoas e com sede em Vancouver, diz que ninguém pode realmente prever uma estratégia “para sempre” quando se trata da relação dos trabalhadores com o escritório. No entanto, o híbrido ganhou tracção, o que aparentemente impulsionou a sua viabilidade a longo prazo, o que significa que os líderes de RH precisam de lhe devotar toda a atenção, reagindo em conformidade e de forma criativa.

Como também afirma Rubenstein “não importando qual o nome que lhe damos, esta tendência representa uma reformulação da relação entre empregados e empregadores”, acrescentando ainda que “muitos líderes estão à procura de abordagens baseadas em regras, mas que no âmago da mesma reside um novo contrato social”.

Que novo contrato social?

Na verdade e como refere Rubenstein, no centro do trabalho híbrido está o tipo de relacionamento que o trabalhador possui com a sua chefia mais directa, sendo muito importante que ambos se conheçam bem. Quando os empregados trabalham remotamente, por exemplo, o apoio mútuo ganha uma notoriedade acrescida e os gestores têm de compreender como tirar o melhor partido das equipas que gerem, equilibrando, em simultâneo, a produtividade individual e a monitorização de sinais de burnout que continuam a inundar as empresas. “Isto significa uma visão holística do funcionário que inclui continuar a dar prioridade à saúde mental e aos benefícios de bem-estar que acabaram por ganhar valor acrescido durante a pandemia”, acrescenta.

Como também seria de esperar e já com experiência adquirida, os empregadores têm assistido tanto a benefícios como a inconvenientes no que respeita ao trabalho híbrido e/ou remoto. Se por um lado os estudos demonstram que, na maioria dos casos, o desempenho individual pode melhorar, por outro, e na visão de Rubenstein, “estamos já a assistir a um declínio na experiência colectiva, quer se trate de colaboração, desempenho de equipa ou mesmo ligação ao seu empregador”, diz, acrescentando que encontrar o equilíbrio entre o “eu” e o “nós” está no cerne deste novo contrato social empregado-empregador. Além disso, defende igualmente que à medida que os empregadores decidem se devem ou não começar a ”convidar” os empregados para regressarem ao escritório, é importante ouvir as preocupações que estes manifestam, o que implica convencê-los de que vão regressar a um “novo lugar”.

Karin Kimbrough, economista chefe do LinkedIn, concorda que estamos perante um novo contrato social de trabalho na medida em que tanto os empregadores como os trabalhadores estão a tentar abolir os acordos tradicionais vigentes até à chegada da pandemia. Todavia e na sua opinião, e porque pelo menos os trabalhadores não estão dispostos a abrir mão da flexibilidade que ganharam entretanto, neste novo contrato são eles que estão a segurar na caneta. Como afirma, “pela primeira vez em décadas, os empregados estão no lugar do condutor – exigindo condições mais favoráveis aos empregadores”.

Num estudo realizado pela Microsoft em Março último e que inquiriu mais de 31 mil pessoas, cerca de 50% dos líderes afirmaram que as suas empresas estão já a exigir ou a planear exigir que os empregados regressem ao trabalho presencial a tempo inteiro ao longo deste ano. Mas os trabalhadores estão a agir de acordo com as suas novas prioridades e são várias as razões que os levam a considerar abandonar os seus locais de trabalho, caso estas mesmas prioridades não sejam satisfeitas pelas empresas: para além da remuneração, os cinco principais aspectos que os trabalhadores consideram “muito importantes” incluem uma cultura organizacional positiva (46%), saúde mental/benefícios de bem-estar (42%), sentido de propósito/significado (40%) e horários de trabalho flexíveis (38%). E como afirma Elise Freedman, líder em práticas de transformação nos locais de trabalho na Korn Ferry e que está a ajudar várias empresas a coordenar os seus planos de regresso ao escritório, “o que muitos líderes empresariais têm vindo a dizer é que não acreditam no trabalho híbrido e que o mesmo não tem lugar na cultura empresarial que defendem”.

Ou e em suma, se os empregadores começarem a pressionar para um regresso “total” ao escritório e não oferecerem aos empregados o tipo de flexibilidade e ambiente a que se acostumaram, arriscam-se a que estes simplesmente… abandonem a empresa.

No estudo do MIT que dá nício este artigo, é também fortemente sugerido que os líderes pensem cuidadosamente no que significa “regressar ao normal”. De acordo com o inquérito, os líderes empresariais acumularam fortes níveis de confiança por parte dos seus trabalhadores face à sua reposta à pandemia e é importante preservar esses ganhos seja qual for o modelo laboral escolhido. Igualmente importante é ter em mente que o número de líderes enamorados com as culturas empresariais emergentes está a diminuir, mesmo que a sua relutância e resistência não sejam flagrantemente óbvias. Ou seja, podem exercer influência de formas subtis, tais como expressar apoio a novas abordagens em ambientes públicos, ao mesmo tempo que são vagos ou depreciativos em privado. Os trabalhadores que reportam a estes líderes avessos à mudança podem ser facilmente intimidados e, em última análise, resistir à inovação para se protegerem.

Enquanto os líderes se interrogam sobre como fazer funcionar o modelo híbrido, grandes questões se levantam: qual é, na actualidade, o papel do escritório? Como é que as equipas constroem o capital social num mundo fundamentalmente digital? O desafio para cada organização é satisfazer as novas e grandes expectativas dos funcionários, equilibrando ao mesmo tempo os resultados empresariais numa economia cada vez mais imprevisível.

O que querem uns e outros?

Na verdade, os líderes encontram-se perdidos e confusos face aos novos modelos de trabalho abertamente desejados pelos seus trabalhadores e são muitos os que partilham um conjunto de problemas centrais: os empregados não querem voltar ao escritório mais do que ocasionalmente, na medida em que vêem o trabalho a partir de casa como um benefício importante e sentem que a sua produtividade durante a pandemia é mais do que suficiente para ganharem esta batalha. Por outro lado, as organizações contrataram trabalhadores em modo totalmente remoto durante a pandemia. Esta experiência tem-lhes permitido explorar grupos de talentos mais diversificados e menos competitivos. Mas também estes novos trabalhadores remotos não tencionam deslocar-se para entrar regularmente num escritório.

Dados estes dois factores, os líderes estão a lutar para articular convincentemente qual é o objectivo do “novo” escritório. Ter um número crescente de funcionários permanentemente afastados do local de trabalho é complicado, porque os trabalhadores que suportam o incómodo de se deslocarem para o escritório encontrar-se-ão sentados nas suas secretárias com auscultadores para entrar nas reuniões online com os seus colegas confortavelmente abrigados nas suas casas. E esta realidade prejudica a justificação dos líderes para qualquer tipo de imposição seja do modelo híbrido ou presencial e a tempo inteiro no escritório.

Existem muitos escritórios que permanecem cidades fantasma, o que também aumenta a ansiedade e a vontade dos líderes para tomarem decisões que, provavelmente, serão contra os desejos dos trabalhadores. “O que as empresas mais querem é que as pessoas regressem, mas não sabem como o fazer”, garante Larry Gadea, o CEO da Envoy, que fabrica software de gestão de escritório.

A verdade é que os líderes estão divididos, sentindo-se em território inexplorado, mas começando a compreender que não existe uma solução “fit all” e que o futuro das suas empresas em muito dependerá desta delicada renegociação com a sua força laboral.

Editora Executiva