Quem o afirma é Pedro Afonso, CEO da VINCI Energies Portugal e influenciador assumido da importância do giving back das lideranças. E foi por isso que “fez” – e não “escreveu” – um livro sobre esta mesma temática, o qual resultou de muitas horas de conversa com a neurocientista Luísa Lopes, o filósofo António de Castro Caeiro e a maestrina Joana Carneiro. Este trabalho conjunto – que considera “um exercício de diversificação interessante” – defende uma causa por excelência: “escolher o colectivo sobre o individual em vez do individual sobre o colectivo”. Porque a liderança que necessitamos deverá ser “consciente e generosa com o outro, antes de si próprio”
POR HELENA OLIVEIRA

“É uma decisão nossa fazer melhor, criando um propósito para os que seguem connosco. Sem a pretensão de que uma atitude giving back torne o país mais feliz, mas sabendo que, pelo menos, ajudamos a dar um outro significado àqueles que tocamos”

Leadership: The Power of Giving Back” é o título do livro publicado por Pedro Afonso que decidiu embarcar num trabalho colaborativo intenso em busca de novos ensinamentos nas áreas da neurociência, da filosofia e da música e aplicá-los ao exercício da liderança. Afinal, um líder está em formação permanente e os contributos de Luísa Lopes, António de Castro Caeiro e Joana Carneiro serviram, como o próprio refere na introdução da obra, para “me descobrir mais e aprender a ser um gestor mais consciente do meu papel, na empresa e na sociedade”. Com prefácio do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, escrito em três estilos editoriais distintos – o que lhe confere uma enorme dinâmica –  e com parte das receitas a reverter para a Rede de Emergência Alimentar, este livro pretende ainda lançar o #movimentoGivingBack em Portugal como forma de sensibilizar e inspirar os líderes a adoptarem um maior altruísmo nas suas acções, partilhando tempo e experiências com outras pessoas. Segue-se a entrevista que concedeu ao VER.

Em primeiro lugar, e porque desperta alguma curiosidade, qual o motivo de um livro escrito em português ter o título em inglês “Leadership – The Power of Giving Back”?

Ao longo de vida convivi com várias línguas em ambiente internacional. Hong Kong, São Paulo, Madrid, Nova Deli, Paris, Mumbai foram paragens recorrentes. O inglês é a língua natural dos negócios e das empresas. Este é um trabalho sobre e para lideranças. A escolha do título em inglês é uma antecâmara para uma tradução da obra. Um projeto para o longo prazo, com certeza. Mas a primeira edição tinha de sair em português, claro!

Na medida em que este livro resulta da colaboração com a neurocientista Luísa Lopes, com o filósofo António de Castro Caeiro e com a maestrina Joana Carneiro e sendo a busca de uma resposta para duas questões – “será que o exercício da liderança é uma oportunidade?” e “ou é a responsabilidade de devolver à sociedade?” – o que o levou a optar por estas três figuras de excelências nas suas respectivas áreas? Ou seja, de que forma a neurociência, a filosofia e a música lhe pareceram ser as profissões mais indicadas para as questões que deram origem ao livro?

Juntar pessoas de outras profissões neste projeto, parte deste princípio base desenvolvido na obra que é: “um líder pode escolher deixar-se assessorar”. E podemos decidir aprender durante toda a vida. Muitas vezes aprendemos e assessoramo-nos de outras pessoas muito parecidas connosco. Ir buscar experiência – e experiências – a pessoas de outras profissões, é um exercício de diversificação interessante. Além disso, temos em comum o próprio exercício da liderança.

Podiam ser estas ou outras disciplinas. Pensámos inicialmente convidar um monge para este trabalho… vai ficar talvez para outra oportunidade. A neurociência, a filosofia e a música justificaram-se ainda mais pelas pessoas surpreendentes com quem tive o prazer de partilhar muitas horas. Fiquei-lhes eternamente grato.

A seu ver, a liderança é um processo educativo que nunca termina, fazendo lembrar a velha questão que sempre pairou no mundo da gestão: “as pessoas nascem líderes ou fazem-se líderes?”. De acordo com a sua experiência empresarial, afinal como se aprende a ser um (bom) líder?

Penso que há três fases, recorrentes e recursivas ao longo da vida neste caminho de melhorarmos o exercício da nossa liderança: i) formação do carácter; ii) a vivência com os outros numa base de valores; e, iii) a aprendizagem dos comportamentos. Aprendem-se e treinam-se numa viagem infinita. O grande investimento está no tempo e na disponibilidade que investimos pessoalmente naquelas três fases, e na forma como nos corrigimos, pedindo e aceitando o feedback dos que lideramos para sermos melhores a cada dia.

A liderança anda de mãos dadas com a capacidade de gestão. São diferentes, mas complementares. A mesma pessoa que é solicitada inúmeras vezes para decidir com base num contexto deve ser mais racional, cartesiana, orientada à regra e ao processo, ou então para decidir fora da caixa, muitas vezes com o coração. A base de uma liderança efetiva é a confiança e a relação com o outro. Alimentar ambas exige, por vezes, uma grande coragem do decisor, ou seja, do líder. Há também quem tenha um certo carisma natural, mas isso seria outra pergunta.

Escreve igualmente que “um bom líder é uma boa pessoa”, o que não significa ser um chefe “bonzinho”. O que é ser uma “boa pessoa” nos cargos de liderança?

Uma coisa é empatia, outra é condescendência. A empatia não é desculpa para não tomar decisões difíceis, habituais na missão da liderança empresarial. Por vezes há escolhas que nos separam do outro nas missões que temos na vida. Chamemos-lhe um “apontador” de confiança, esse princípio geral das relações humanas. O exercício da liderança exige que se goste de pessoas. Depois o exercício de irmos ajudando o desenvolvimento dos que nos rodeiam é muitas vezes ingrato, porque no exercício recorrente de proximidade, nem sempre o feedback ao outro é positivo. Mas o que sabemos é que precisamos – todos – de saber os nossos pontos de melhoria, e também os nossos pontos fortes. É este exercício que nos pode tornar boas pessoas. Já quem apenas sublinha os pontos fortes, pode ser considerado “bonzinho”.

Relativamente ao giving back, como o defende em traços gerais e tendo em conta a atitude de que os (bons) líderes deverão optarem por “servir e não serem servidos”?

Penso que vivemos tempos de uma exigência tremenda, a nível moral e ético. Uma grande crise de valores à escala global que acentua o fosso entre povos, países ou classes de uma sociedade que penso que ambicionamos como mais humanista e inclusiva. Considero que, para lá dos partidos ou dos organismos públicos, há uma obrigação cívica, nas empresas e da sociedade civil, que precisa da ajuda dos seus respetivos líderes. As empresas são as grandes células geradoras de riqueza. E essa riqueza – qual oxigénio – tem de servir um propósito genuíno que resgate a confiança no nosso futuro, em sociedade.

O “Poder” é uma palavra que pode ser reinterpretada: podemos associá-la ao tradicional comportamento autocrata, de ações que tomamos em proveito próprio, de ego alimentado pelo “meu” Poder, ou podemos escolher o Poder de Servir o outro. O valor grande que precisamos evidenciar, é o que é que colocamos primeiro lugar: o coletivo ou o individual?

No contexto duma empresa, o primeiro stakeholder com quem podemos escolher praticar o giving back é o próprio colaborador. O maior acionista do grupo onde trabalho são os colaboradores: todos juntos temos cerca de 9%. O #movimentogivingback começa logo nos acionistas, e isso é muito inspirador para a nossa forma de atuar. Depois, podemos escolher praticar o giving back com os stakeholders à nossa volta. A forma como o podemos fazer melhor, e o que isso significa, é alvo de desenvolvimento na obra.

A neurocientista Luísa Lopes aborda, neste livro, variadíssimas temáticas que podem estar intimamente ligadas à forma como se lidera, afirmando, por exemplo, que é possível, individualmente, treinar o cérebro e contribuir para a saúde cerebral. E também dedica a sua escrita a uma das “competências” de que mais se fala actualmente (e mais ainda durante o período pandémico) que é a resiliência, e a qual, a seu ver, tem muito a ver com a importância da cultura da empresa. Que comentário tece a este respeito?

É engraçado que toda a obra foi trabalhada antes da pandemia. Mesmo antes desta grande mudança de forma de trabalhar e viver, já o tema estava no centro da agenda deste trabalho. A resiliência é prima da agilidade, uma das competências entronizadas na gestão moderna, quando o futuro de repente nos parece mais incerto. Somos seres de rotinas porque nelas encontramos previsibilidade. Mas temos de ser mais elásticos. Assim são também os negócios, pelo menos os de longo prazo de risco calculado. Porque, convenhamos, somos pessoas.

Individualmente ou coletivamente temos de estar preparados para revezes. Fazem parte da vida. Julgo que o conforto e/ou a segurança na viagem não devem ser confundidos com os do destino. A viagem faz-se com curvas, muitas delas apertadas.

De um modo geral, e depois das suas conversas com Luísa Lopes, o que mais lhe despertou interesse na ligação das neurociências ao mundo da liderança?

Uma mensagem forte que a Luisa deixou é esta: “quando nascemos somos biologicamente egoístas”. Tal como uma empresa: quando nasce luta pela sobrevivência, pela saúde financeira, por novos clientes e por construir uma equipa. Depois, ao longo do tempo, caberá à liderança se esse espírito do arranque, será o que perdura no tempo, ou se podemos ir introduzindo valores altruístas no seu caminho de desenvolvimento.

Depois há uma ligação direta dos temas relacionados com a segurança – saúde – mental que entrou na agenda, de pelo menos alguns líderes. É o campo da ciência que devemos trazer para as organizações, e as lideranças são chamadas a um processo de literacia neste campo. 

“O líder exerce a sua função numa filosofia de gestão e liderança”, pode-se ler no capítulo que escreveu em conjunto com o filósofo António de Castro Caeiro. E à sua pergunta “se tivesses de escrever uma frase sobre filosofia de liderança, qual seria?”, o seu interlocutor respondeu “(…) quem lidera não pode ir muito à frente para que o outro não se perca”. Como interpreta esta resposta e até que ponto concorda com ela?

Se ao líder lhe escapam os liderados, então não é o líder. Seja por egoísmo, preguiça, falta de empatia ou comunicação, o líder só cumprirá o propósito que lhe foi dedicado pelo coletivo, se se mantiver no corpo da equipa. Existirão, claro, momentos de solitude, mas deverão ser apenas isso: momentos. Servir, em vez de ser servido, deve ser encarado como um privilégio, e num exercício ininterrupto de sanity check de valores. Nem sempre os seguimos à risca, mas têm de estar bem presentes para podermos estar sempre em validação. Não somos perfeitos.

E como traduz, para o mundo empresarial da actualidade, a ideia de António de Castro Caeiro quando este diz que “o giving back é mais retribuição do que devolução e que “é uma forma de crescimento”?

A ideia não é devolver para saldar qualquer dívida. É antes reconhecer, através da retribuição, que investindo numa relação virtuosa com o outro, mais e melhor se conseguirá pela ideia de uma sociedade mais sustentável: económica, social e ambiental. A relação não é transacional, nem existirá propriamente um cobrador de fraque à espera, à porta da nossa consciência. Na medida em que abandonarmos o nosso egoísmo – totalmente seria utópico – e pensarmos no bem maior… estaremos, isso sim, num melhor caminho, acredito. No fundo, sobrepor o coletivo ao individual.

A maestrina Joana Carneiro, e enquanto líder de orquestras, afirma que é incompatível existir uma relação pessoal entre líder e liderados. Mas e por seu turno, confessa que “eu não consigo fazer nada sozinha. Os maestros não são nada sem os compositores e sem os músicos” e declara que “a preparação é a melhor arma de um líder”. A seu ver, estas duas declarações podem ter um verdadeiro eco no que se passa – ou deveria passar-se – no universo empresarial? Pode partilhar as suas ideias relativamente a estas afirmações em particular?

Foi um ponto interessante de debate que fizemos, nesta fase do trabalho. Diria que o exercício da separação entre os sentimentos emergentes de uma relação pessoal e as incidências de uma relação profissional é algo de muito complexo e exigente. Existem circunstâncias ou momentos de liderança que são pouco compatíveis com mal-entendidos, impasses ou equívocos, e em sede pessoal a condescendência é, convenhamos, mais frequente. Mas lá está, empatia não é condescendência, nem o profissional tem de ser pessoal. Mas podem inspirar-se mutuamente.

Existem tempos para pensar, discutir, decidir e executar. Em sede de execução – ou de condução de uma orquestra – toda a emoção está ao serviço dessa missão, e a missão ao serviço de algo bem maior que todos, músico ou maestro. Como refere a maestrina na obra: “nem sempre o que vemos é bonito. E a arte transforma o que não é bonito, em bonito”.

Por preparação entendo trabalho e missão. O mundo avança a uma velocidade vertiginosa. Ao líder cabe ser um fiel depositário, o intermediário maior da realidade que o rodeia e condiciona o negócio, e, acima de tudo, o grande guardião da cultura da sua empresa e uma bussola ética e moral, diria até, por mandato. Esta predisposição mental não conhece propriamente um horário com folgas. Existe uma voluntária abnegação, como resposta à responsabilidade e confiança.

E hoje, temos de atuar como se tudo estivesse a ser filmado para um grande big brother disponível numa qualquer rede social. Por isso, o que somos como profissionais e como pessoas, tende a confundir-se. Mesmo os nossos tempos, são completamente blended. Por isso, é muito difícil, na prática, uma divisão emocional – a régua e esquadro – com aqueles que trabalhamos entre a nossa dimensão pessoal e profissional.

O livro reserva um último capítulo à chegada da pandemia, a qual se transformou, e nas suas palavras, numa “prova de fogo, no teste ao nosso giving back enquanto sociedade, enquanto organizações e empresas”. É possível sintetizar este “giving back”, nomeadamente no que se refere às empresas?

Muitas empresas acabaram por fazer bem este caminho de giving back, por diversas razões. A consciência dos seus líderes ditou o caminho que cada empresa seguiu. Por consciência momentânea que a pandemia despertou ou por marketing pessoal ou empresarial do momento, por ver os outros fazer ou por processo, julgo que se despertou um grande #movimentogivingback, como resposta à crise de valores à escala global.

Seria muito inspirador que, apesar de todos os desafios que a pandemia nos trouxe, pudesse despertar as lideranças para adotar uma cultura de giving back nas suas organizações. Uma cultura que, em vez de surgir como reação a um evento extraordinário, seja antes motivada pela crença de que um processo tal ajude a construir um mundo melhor. Um dos comportamentos a que assistimos frequentemente, é que quando uma pessoa cresce profissionalmente, há comportamentos egoístas que podem ser alterados por comportamentos mais altruístas.

Escolher servir em vez de ser servido. Escolher o coletivo sobre o individual em vez do individual sobre o coletivo. É esta a causa que esta obra defende!

Editora Executiva