O mundo de agitação constante em que vivemos, em conjunto com as exigências tecnológicas que nos acompanham diariamente, força o cérebro a realizar cada vez mais tarefas em simultâneo e no menor tempo possível. Mas e se o conceito de multitasking tem vindo a ser encarado como uma competência forte que até deve ser sublinhada nos currículos, a verdade é que são cada vez mais os estudos que sugerem que esta tendência pode ter custos sérios não só para a produtividade, como para a economia, para o nosso cérebro e, mais preocupante ainda, para a forma como a sociedade “pensa” como um todo. Assim, há uma aposta crescente para a execução de uma tarefa de cada vez, apesar de este exercício de concentração ser de difícil adopção. E a isto se chama monotasking
POR HELENA OLIVEIRA

A concentração é a chave para os resultados económicos. Nenhum outro princípio de eficácia é hoje tão constantemente violado como o princípio básico da concentração”, Peter Drucker

Ser um multi-tarefas significa fazer mal um monte de coisas ao mesmo tempo”. A frase é de um anónimo e decerto que choca todos aqueles que se gabam de conseguir realizar várias tarefas em simultâneo e de forma eficaz.

Mas e nas últimas décadas, a pressa, a agitação e o excesso de informação transformaram-se no estilo de vida adoptado por uma crescente variedade de pessoas – e de tal forma, que foi necessária uma nova palavra (composta, em português) para descrever os esforços necessários para responder a todas as exigências do quotidiano: em inglês e já perfeitamente adoptado em muitas línguas, o termo multitasking é utilizado sem qualquer parcimónia há já pelo menos duas décadas.

A título de curiosidade, o termo foi utilizado pela primeira vez em 1966 e, de acordo com o Oxford English Dictionary, numa revista intitulada Datamation, na seguinte frase: “Multi-tasking é definido como a utilização de uma única CPU – unidade central de processamento –  para a realização em simultâneo de duas ou mais tarefas”. E, dado que a CPU consiste no componente de um computador mais parecido com um cérebro, não é de admirar que esta capacidade de o ser humano conseguir realizar cada vez mais tarefas ao mesmo tempo tenha vindo a apaixonar psicólogos e neurocientistas que, com estudos diversos, tentam perceber os efeitos negativos e positivos desta “pressão” constante no cérebro.


O problema é que, no geral, a ciência continua a sugerir que o 
multitasking, tal como o conhecemos, não é mais do que um mito. Ou seja, é impossível. Como afirma Eyal Ophir, um dos cientistas mais reconhecidos nesta área e que dirige um centro de investigação sobre esta temática em Stanford, “o que fazemos é mudar de tarefas com rapidez e isso parece ser multitasking”.

As questões que se colocam em torno desta que, para muitos, é considerada uma arte, são várias e tocam pólos tão diferentes quanto a produtividade dos trabalhadores e, consequentemente, os custos para a economia, uma possível alteração nos cérebros dos mais jovens que já nasceram numa sociedade que exige esta pressão contínua e até a preocupante hipótese da possível diminuição da capacidade para pensar da nossa sociedade enquanto um todo. E, como acrescenta o investigador de Stanford, “as pessoas que desempenham várias tarefas contínua e simultaneamente, não conseguem filtrar a irrelevância, são menos produtivas, fazem mais erros e têm resultados mais baixos em testes cuja finalidade é recordar informação de curto a médio prazo pois estão cronicamente distraídas”.

Nos finais do século passado e início dos anos 2000, o tema ganhou uma exuberância significativa, na medida em que coincidiu também com a explosão de muitos dispositivos electrónicos que ofereciam a possibilidade de realizar múltiplas tarefas de uma só vez e a partir de um único gadget. Na verdade, esta “moda” foi tão forte na altura que era comum (e ainda é) o termo “multitasking” aparecer como uma competência nos curricula vitae daqueles que se candidatavam

Mas o que parecia constituir, principalmente no mundo dos negócios, uma competência distintiva, começou, de forma gradual, a emergir como uma questão negativa. A título de exemplo, e já ano longínquo ano de 2005, um estudo financiado pela Hewlett-Packard e conduzido pelo instituto de Psiquiatria da Universidade de Londres, afirmava que “os trabalhadores que se distraíam continuamente com o email e com as chamadas telefónicas sofriam uma queda no QI duas vezes superior aos utilizadores habituais de marijuana”. O psicólogo que liderou o estudo chamou a este novo fenómeno “infomania” e considerou-o uma ameaça séria à produtividade laboral. E não estava sozinho. Mais ou menos na mesma altura, um psiquiatra especializado em défice de atenção e desordens de hiperactividade alertava igualmente num livro com um título auto-explanatório, CrazyBusy, que nunca na história humana se tinha pedido ao cérebro para lidar com tantas coisas ao mesmo tempo e que este não tinha evoluído o suficiente para ser bem-sucedido neste novo mundo de excessos. O psiquiatra, Edward Hallowell, foi dos primeiros a afirmar que “o multitasking consiste numa actividade mítica na qual as pessoas acreditam serem capazes de desempenhar duas ou mais tarefas ao mesmo tempo”. Ilusoriamente.

Um outro estudo levado a cabo por investigadores da Universidade da Califórnia, com o objectivo de monitorizar as interrupções entre um número significativo de trabalhadores num escritório, demonstrou que estes levavam, em média, cerca de 25 minutos para recuperar de interrupções como a resposta a um email ou o atender de uma chamada e regressar à tarefa original. Também o The New York Times publicou uma entrevista com um analista de negócios, Jonatahn B. Spira, que estimava que, nesse ano (2007), devido a um multitasking extremo, a par do excesso de informação disponível, a economia norte-americana tinha perdido, em produtividade, 650 mil milhões de dólares. Na altura o Facebook ainda estava numa primeira infância e o Instagram e o Whatsapp não existiam.

Mais de uma década passada face aos estudos acima referidos, e em particular com as novas tecnologias e formas de trabalho que surgiram ao longo da pandemia, são muitas as pessoas que se queixam de já não conseguirem ouvir o som constante das notificações, principalmente do Whatsapp (uma vez que este é cada vez mais utilizado pelas empresas para comunicar com os seus trabalhadores), os telefones a tocar, os emails a entrarem na caixa de correio, sem contar com as restantes “perturbações digitais” que também as invadem constantemente.

Anthony Wagner, colega de Eyal Ophir e actual director do Stanford Memory Lab, publicou recentemente um paper, em co-autoria com a neurocientista Melina Uncapher da Universidade da Califórnia, que resume uma década de investigação relativamente às multi-tarefas e os vários domínios da cognição, incluindo a memória e a atenção face às funções laborais. O psicólogo de Stanford encontrou uma tendência emergente a qual aponta para que as pessoas que são multitaskers serem muito piores a executar tarefas simples que necessitam da memória versus os monotaskers, garantido igualmente que não existe um único paper publicado que mostre uma relação positiva significativa entre a capacidade de memória no trabalho e as multi-tarefas.

A questão da maior ou menor eficácia

Se admitirmos que os cientistas têm razão e que a questão do multitasking é apenas uma ilusão, por que motivo existem tantas pessoas que acreditam, fervorosamente, que são excelentes a gerir múltiplas tarefas ao mesmo tempo? A verdade, para os especialistas, é que o ser humano compensa a sua incapacidade para o multitasking com uma capacidade extraordinária para mudar de uma tarefa para outra sucessiva e rapidamente. Ou seja, quando as pessoas dizem que conseguem estar a responder a um email ao mesmo tempo que navegam na internet, basta pensarmos um pouco para termos consciência que isso não é verdade: começamos a responder ao email, mudamos para a navegação, voltamos ao email e assim sucessivamente. Mas e como já foi anteriormente afirmado, ficamos com a ilusão que estamos a fazer as duas ou três coisas ao mesmo tempo. E os estudos também sugerem o impensável: aqueles que, aparentemente, gerem melhor as multi-tarefas, são muito mais susceptíveis a distracções e, consequentemente, têm uma performance mais fraca , quando lhes é exigido que mudem de uma para outra tarefa. O que faz sentido se considerarmos “a arte de prestar atenção”, impossível se não existir concentração.

A questão do tempo perdido é um dos outros custos que os cientistas apontam para o ambiente de multitasking em que grande parte de nós vive. No final do dia, e como enumera Clifford Ness, são várias as competências que são afectadas: a capacidade de memória a longo prazo, a capacidade para lidar com o raciocínio analítico, a capacidade para mudar eficazmente de uma tarefa para outra. “Estamos a fazer coisas demais, de uma forma muito mais pobre e menos eficiente… o que, em suma, nos faz perder tempo”, afirma. Todavia, diz também: não penso que os ‘heavy multitaskers’ sejam menos eficazes – mas sim que têm objectivos diferentes”, diz. E acrescenta: “se é possível afirmarmos que, tradicionalmente, valorizamos a capacidade de uma pessoa se concentrar em detrimento de uma outra que seja permeável às distracções, também pode acontecer que esta última prefira sacrificar a concentração para não perder nada que seja novo ou excitante, e útil para o próprio local de trabalho”.

Assim, e para as empresas, uma questão crucial se coloca: afinal é melhor ter um colaborador que se concentre numa tarefa em específico ou um outro que consiga gerir vários tipos de informação ao mesmo tempo?

A emergência e urgência do monotasking

Em linhas gerais, o monotasking assenta na capacidade de estarmos a fazer um determinado trabalho, dirigindo-lhe toda a atenção e a não cedermos aos impulsos tecnológicos na medida em que demasiada tecnologia destrói o foco e concentração e sobre isso parecem não existir dúvidas.

Todavia, o monotasking pode ser assustador e difícil, principalmente para as pessoas que há muito estão habituadas a fazer várias coisas em simultâneo, mesmo que não tenham a noção dos aspectos negativos que, tanto para o seu próprio cérebro, como para a produtividade, emergem do mesmo. Como afirma, Malti Bhojwani, business coach, “houve um tempo em que podíamos dedicar tempo de reflexão deliberada a um projecto, fechando-nos numa sala e colocando os nossos telefones “em silêncio”, mas esses dias já lá vão”. Assim, e em primeiro lugar, o monotasking exige disciplina, tempo e estabelecimento de limites firmes. “Estar em modo multi-tarefas é passar rapidamente de um ponto de foco para outro, mas nunca permitir ao cérebro o tempo necessário para se concentrar e muito menos para se aceder à criatividade ou dar asas à imaginação”, declara ainda Bhojwani.

Benjamin Spall, co-autor do livro My Morning Routine onde entrevistou 61 “personalidades” do mundo dos negócios, incluindo o presidente da Pixar e Walt Disney Animation Studios, Ed Catmull, a consultora em organização japonesa Marie Kondo e o General Stanley McChrystal, ex-comandante das forças especiais dos Estados Unidos e da NATO no Afeganistão, afirma, tal como muito outros que o precederam que, apesar de o multitasking ter sido uma das características desejáveis na maioria dos anúncios de emprego durante décadas, “a capacidade para as multi-tarefas tem menos a ver com a capacidade de trabalhar em duas ou mais tarefas ao mesmo tempo e mais com um exercício de inutilidade à medida que alternamos entre várias, sem conferirmos a nossa total atenção a nenhuma delas.

Desta forma, uma alternativa que melhor responda ao aumento da produtividade parece estar a emergir no mundo dos negócios. O oposto do multitasking, ou seja, o monotasking, ajuda a aumentar a nossa criatividade, energia e concentração, na medida em que toda a nossa atenção está devotada a uma só tarefa. E, no mundo actual de ritmo acelerado, multiplicam-se os argumentos de que o monotasking é a única forma de executar eficazmente as tarefas que nos são pedidas.

Thatcher Wine é o autor de The Twelve Monotasks, um livro que apresenta diversas formas de abrandarmos o ritmo a fim de conseguirmos fazer mais e publicado este mês pela Porto Editora com o título “O método monotasking“. Recorrendo à investigação em psicologia, neurociências e à ciência da atenção, Wine fornece um roteiro que ajuda a resistir a todas as distracções que interrompem constantemente o nosso dia-a-dia, oferecendo um enfoque renovado sobre como fazer as coisas. Como afirma, “da leitura e capacidade de escutar, à criatividade e incluindo até a alimentação e o sono, há uma ciência sobre como podemos abordar estas tarefas com foco e atenção para, em última análise, executá-las melhor”.

Assim, Wine defende que o monotasking pode ajudar a sermos muito mais produtivos, menos stressados e a estabelecer ligações mais fortes com as outras pessoas. Inversamente, no multitasking, a propensão para os erros é muito maior e, apesar de julgarmos o contrário, estar em modo multi-tarefas vai sobrecarregando o nosso cérebro e tudo demora mais tempo a estar eficazmente concluído, ao passo que o monotasking proporciona a satisfação de se fazer uma coisa de cada vez com toda a nossa atenção e com maior perfeição, com ganhos óbvios também na produtividade.

Todavia, adoptar esta forma alternativa – principalmente para quem está habituado a fazer várias coisas em simultâneo – não é de todo fácil.

E nos dias que correm e que nos fazem correr, e habituados (ou viciados) que estamos na parafernália tecnológica que permanentemente no acompanha, alterar o nosso modus operandi pode ser algo quase impossível de atingir.

E o que mais diz a ciência?

Como também perguntam os praticantes do multitasking, “se inventámos todos estes dispositivos e tecnologias durante as últimas décadas e o fizemos para serem cada vez mais rápidos e nos ajudarem a fazer várias coisas em simultâneo, por que motivo não os devemos aproveitar?”.

Como explica a ciência e responde Wine, “a resposta reside no facto de termos os mesmos cérebros há milhares de anos e estarmos a pedir-lhes algo completamente diferente, o que nos frustra e sobrecarrega quando não conseguimos acompanhar o ritmo frenético das nossas vidas, mesmo que continuemos a acreditar que é possível executar múltiplas tarefas eficazmente”.

Por seu turno, existem cada vez mais pessoas a queixarem-se de estados de esgotamento devido a uma constante mudança entre tarefas – em particular enquanto trabalhavam a partir de casa – , o que nos faz esquecer que existe um preço relacionado com esta contínua troca mental de tarefas. Os nossos cérebros têm de alternar entre regras e objectivos e não é capaz de executar ambas as funções em simultâneo. Desta forma, as múltiplas tarefas fazem libertar hormonas de stress e adrenalina que, a longo prazo, podem desencadear um conjunto variado de doenças. O caso é ainda mais severo para as mulheres que se “multiplicam” demasiado, na medida em que são obrigadas a uma troca constante e extenuante entre as tarefas domésticas, as necessidades de cuidados com os filhos e/ou ascendentes e os seus compromissos profissionais.

Em mais um estudo publicado por professores da Universidade de Stanford e intitulado Media Multitaskers Pay Mental Price, concluiu-se também que o cérebro humano foi concebido para se concentrar numa coisa de cada vez, ao mesmo tempo que uma outra investigação – Understanding and Preventing Suicide – divulgada pela organização científica PlosOne que concluiu que o multitasking pode reduzir a densidade da matéria cinzenta em determinadas partes do cérebro, com os resultados a sublinharem que a produtividade pode ser perdida em 40% para multitaskers “crónicos”. Os psicólogos chamam a esta perda de produtividade “custos de mudança/troca”.

Por último, Russel Poldrack, professor de psicologia na Universidade de Califórnia e, num estudo realizado com base em scans cerebrais, concluiu que o multitasking afecta, de forma negativa, a forma como se processa a aprendizagem. Para o professor, mesmo quando se aprende à medida que se realiza múltiplas tarefas, essa aprendizagem é menos flexível e mais especializada, o que contribui para que a informação seja mais difícilmente recuperada.

A sua pesquisa demonstra que as pessoas utilizam áreas diferentes do cérebro para aprender e armazenar informação nova quando estão distraídas, com Poldrack a alertar que “temos que estar conscientes de que existe um custo associado à forma como a nossa sociedade está a mudar, sendo que os humanos não foram concebidos para trabalhar desta forma”. Afirmando que o cérebro evoluiu de forma a poder concentrar-se, quando é forçado a dividir a sua atenção por múltiplas fontes de informação, “podemos estar a seguir o caminho para uma menor eficácia a longo prazo mesmo, que a breve trecho, nos pareça que estamos a aumentar a nossa eficácia”. E, neste caso, em particular, Poldrack alerta também para os pontos negativas que afectam as crianças e jovens da actualidade, nascidos e criados num ambiente de excessos de entretenimento digital e de tecnologia, em conjunto com a educação assente já nos meios digitais (em particular por causa da pandemia, mas não só).

Na altura em que Ness divulgou os resultados do seu primeiro estava, assumiu o seu cepticismo quanto a ganhar-se esta batalha, com cada vez mais soldados a renderem-se, de bom grado, à mesma. Mas e afinal, pode ser que se tenha enganado. A bem da produtividade e, mais importante que tudo, da nossa saúde mental.

Editora Executiva

1 COMENTÁRIO

Comentários estão fechados.