Quase todos as fazemos e por muitos anos que passem sem as conseguirmos cumprir, existe sempre uma esperança renovada de que “desta vez é que é”. Prometemos mudar, ser melhores, resistir às tentações e dar as boas-vindas a um novo ano e a um novo “eu”. Mas rapidamente a motivação se transforma em frustração e o resultado é desistir. Se acontece(u) consigo, não está sozinho, antes bem acompanhado por cerca de 90% das pessoas que tentam implementar a mudança de hábitos no início do ano e falham. Seguem-se algumas razões que explicam a dificuldade para o fazermos e algumas dicas que podem ajudar a perseverar
POR HELENA OLIVEIRA

Um dos problemas com o estabelecimento de resoluções para o novo ano é exactamente o facto de as tomarmos no… início do ano. As pessoas desejam ter uma razão externa – ou uma simples desculpa – para se reinventarem a si mesmas. É difícil mudar, portanto é tentador utilizar um factor externo – a passagem para um novo ano – como um foco para o nosso desejo de mudança. Mas quais os motivos que explicam ser tão complicado mantermo-nos fieis às resoluções que estipulámos?

Muitos investigadores analisaram as taxas de sucesso deste tipo de resoluções. E, nas primeiras semanas, tudo parece correr bem. Todavia, e em particular ao fim de um mês, Fevereiro apresenta-se como a altura em que já deixámos resvalar todos os nossos desejos de mudança e a maior parte das pessoas volta à casa da partida, sem resultados visíveis. De acordo com o estudo U.S. News & World Report, 80% das resoluções de ano novo falham em Fevereiro e de acordo com um outro, mais antigo, feito por Richard Wiseman da Universidade de Bristol, que envolveu três mil pessoas, 88% daqueles que estabeleceram objectivos de mudança nesta altura do ano falharam, apesar de 52% dos mesmos participantes terem-se manifestado muito confiantes do seu sucesso na altura em que o fizeram. Por seu turno, uma pesquisa efectuada pela Universidade de Scranton sugere que apenas 8% das pessoas consegue atingir as suas resoluções de ano novo, o que significa que 92% fracassam nos seus intentos. O mesmo resultado obteve um estudo publicado pelo Statistic Brain Research Institute.

Como sabemos, a maior parte das pessoas estabelece uma ou mais resoluções para atingir um determinado resultado. Seja poupar dinheiro, perder peso, fazer mais exercício, procrastinar menos no trabalho, ter uma alimentação mais saudável, beber menos álcool, aprender uma nova competência, deixar de fumar ou passar mais tempo com família e amigos (estas assumem-se como as resoluções mais comuns), o que acontece é que são poucas as que conseguem passar pelo processo que as levaria ao sucesso. Como escreve o professor de psicologia nos negócios, Tomas Chamorro-Premuzic, na revista Fast Company, “existe uma enorme diferença entre desejar a mudança e desejar-se mudar. Mesmo quando as pessoas professam um desejo claro para mudarem, o que tal significa geralmente é que estão interessadas na mudança como um resultado em vez de a encararem como um processo”. Ou seja, os verdadeiros sacrifícios entram muito levemente na equação e uma das primeiras “lições” a retirar é a de que para atingir um determinado resultado, há que trabalhar a mudança como um processo. Um outro facto a ter em conta é a explosão de motivação que todos parecemos ter no início do ano, misturada com a impaciência de atingirmos esse grande objectivo. Ora e segundo sugerem os especialistas, com grandes objectivos o progresso é geralmente muito lento, o que também serve para a desmotivação que se segue em pouco tempo. Assim, em vez de estabelecer uma grande mudança, é mais proveitoso estabelecer pequenos passos ou “dividi-la” em objectivos mais reduzidos.

Mas e afinal, por que motivo é que tanta gente falha em alcançar as suas resoluções de início de ano?

O que dizem os especialistas

O canadiano Ray Williams, um reconhecido coach de executivos, listou um conjunto de respostas a esta pergunta. Vejamos algumas delas.

Timothy Pychyl, professor de psicologia na Carleton University no Canadá afirma que as resoluções constituem uma forma de “procrastinação cultural”, um esforço para as pessoas se reinventarem a si mesmas e se motivarem. Mas argumenta que as pessoas não estão prontas para mudar os seus hábitos, em particular e obviamente os maus hábitos, e que isso é o principal responsável pelas altas taxas de fracasso existentes. Esperar pelo novo ano para implementar uma mudança nas nossas vidas não serve de muito quando tal desejo de provém de um sentimento “adulterado” de motivação e euforia. Por seu turno, o professor de psicologia Peter Herman, em conjunto com os seus colegas, identificou também aquilo que denomina como “síndroma da falsa esperança”, o que significa que a resolução em causa é irrealista e não está alinhada com a visão interna que as pessoas têm de si próprias. Logo, falhar é o mais certo.

Todos sabemos que a tomada de resoluções envolve mudança de comportamentos e, para o fazermos, há que mudar a nossa forma de pensamento ou “renovar” o nosso cérebro. Cientistas da área das neurociências como António Damásio ou Joseph Deroux descobriram que o comportamento habitual é criado por padrões de pensamento que geram caminhos e memórias neuronais, os quais se transformam na base por defeito para o comportamento quando é necessário fazer uma escolha ou tomar uma decisão. Ou seja, o processo é muito complexo e mudar exige a difícil tarefa de criar novas vias neuronais a partir de “novos pensamentos”.

Um outro factor importante diz respeito à tão falada e desejada força de vontade. Muitas pessoas assumem-na como uma característica da personalidade com a qual se nasce ou não. Mas as pesquisas sugerem que esta é bem mais complexa do que isso: pode ser treinada, mas também assenta na energia e, se “abusada”, pode-se esgotar. “Tal como um músculo, a quantidade de força de vontade que se tem em determinada altura aumenta e diminui e, se a exercitarmos, torna-se mais forte”, afirma o fisiologista Roy Baumeister, da Florida State University e co-autor do livro “Willpower: Rediscovering the Greatest Human Strenght”. Depois de ter passado anos a estudar de que forma as pessoas regulam as suas emoções, resistem à tentação, quebram maus hábitos e aumentam o seu potencial, Baumeister afirma que a força de vontade é particularmente “matreira” e muito mal compreendida. Como clarifica, cada pessoa tem um fornecimento de força de vontade limitado. E, tal como o seu aspecto de “poder”implica, é uma forma de energia, que se vai esgotando à medida que a vamos utilizando. Assim, manter as resoluções do novo ano depende desse fornecimento de energia, do qual a pessoa precisa igualmente para todos os demais actos de autocontrolo e para outro tipo de coisas, como a tomada de decisão. As experiências mais recentes no campo das neurociências sugerem também que a força de vontade, tal como os bíceps, só se consegue exercitar até certo ponto, sendo um recurso extremamente limitado. E, dadas as suas limitações, as resoluções de início de ano são exactamente a forma errada para alterar o nosso comportamento. Não faz qualquer sentido tentar deixar de fumar e perder peso ao mesmo tempo, ou seguir uma alimentação saudável e deixar de beber mas sim, ao invés, devemos respeitar a fragilidade do autocontrolo e “repartir” as nossas resoluções ao longo de todo o ano.

As pessoas encaram também as suas resoluções como objectivos de curto prazo a serem atingidos e é por isso que, ao não as alcançarem rapidamente, acabam por se sentir desmotivadas e, na maioria das vezes, desistem. De acordo com uma pesquisa realizada no University College of London, são necessários cerca de 66 dias para se acabar completamente com um mau hábito e pode levar muito mais tempo a “dominar” um hábito novo. E enquanto se vai enraizando um novo padrão na nossa vida, está-se igualmente a “carregar” um novo programa no nosso subconsciente. Porque tudo isto se processa gradualmente, é importante que se vá celebrando pequenas vitórias, mesmo que o objectivo final não tenha ainda sido atingido.

Por que é tão difícil mudarmos os nossos hábitos?

Adam Galinsky, professor na Kellog School of Management da Northwestern University argumenta que “o estabelecimento de objectivos é geralmente tratado como se de um medicamento de venda livre se tratasse e não como uma ‘receita’ devidamente prescrita”. Enquanto um dos autores do relatório Goals Gone Wild, escrito para a Harvard Business Review, o professor defende que um dos problemas inerentes ao estabelecimento de objectivos está relacionado com a forma como o cérebro funciona, como aliás já mencionado anteriormente. Experiências recentes demonstram que o cérebro opera de uma forma protectora, sendo muito resistente à mudança. Desta forma, qualquer objectivo que exija uma mudança substancial de comportamento, ou uma alteração do seu padrão, encontrará de imediato uma enorme resistência. O cérebro está programado para perseguir recompensas,  evitar dor ou desconforto, incluindo o medo. E quando o medo de falhar se instala na mente de quem estabeleceu determinado objectivo, transforma-se num “desmotivador”, em conjunto com o desejo de regressar ao que é conhecido, ao comportamento confortável e aos padrões habituais de pensamento.

Todavia, e ao contrário dos objectivos que podem interferir com o alcançar de um comportamento regular de longo prazo, o desenvolvimento de hábitos e sistemas que o possa suportar poderá resultar em ganhos de longo prazo e em mudanças mais eficazes. Um hábito consiste numa forma fixa de pensamento, vontade ou sentimento adquirida através de experiências prévias e repetidas ao longo de um período extenso de tempo e que geralmente ocorre de forma inconsciente. E velhos hábitos são difíceis de abandonar pois os padrões comportamentais que repetimos se “implantam” nos caminhos neuronais do cérebro. Os novos hábitos, que se podem transformar em bons hábitos, são igualmente difíceis de se formar pois não os repetimos suficientemente para que se tornem automatizados e enraizados nas nossas memórias. E, como também sabemos, maus hábitos sérios podem-se tornar aditivos e transformarem-se num problema de saúde mental ao ponto do individuo não ter controlo sobre o seu comportamento. Por outro lado, os hábitos tornam-se mais enraizados à medida que a idade avança exactamente porque a repetição os reforça com o tempo.

Charles Duhigg, autor do livro “The Power of Habit: Why We Do What We Do in Life nd Business” escreve sobre a existência de “hábitos trave-mestra”, os quais constituem pequenos passos que têm o poder de desencadear uma reacção em cadeia que afecta a forma como nos comportamos em algumas áreas da vida. Este tipo particular de hábitos pode influenciar a forma como as pessoas trabalham, comem, consomem e vivem no geral, sendo que o sucesso não depende de se fazer tudo correctamente, mas assenta antes na identificação de algumas prioridades que se podem transformar em alavancas poderosas para a mudança … e para alcançar as resoluções tomadas. Como escreve, “os hábitos que mais interessam são aqueles que, quando começam a mudar, desalojam e refazem outros padrões instalados”. Um exemplo de um destes hábitos está relacionado com o iniciar de exercício físico. “Quando uma pessoa começa a exercitar-se, mesmo que seja apenas uma vez por semana, ocorrem mudanças em padrões não relacionados das suas vidas, muitas das vezes sem se dar por isso. Tipicamente, começa-se a ter uma alimentação mais saudável, é-se mais produtivo no trabalho, fuma-se menos e ganha-se paciência redobrada para lidar com colegas e familiares. E não sendo exactamente claro o porquê destas mudanças, a verdade é que para muitas pessoas que começam a fazer exercício físico, este novo hábito serve como desencadeador de outros mais saudáveis”. Duhigg sublinha também a importância de as pessoas se concentrarem num hábito de cada vez e não em múltiplos, como também já foi anteriormente mencionado no que respeita às resoluções de início de ano. O consenso generalizado por parte dos investigadores da alteração de comportamentos é o de que nos devemos concentrar em um ou, no máximo três, pequenos hábitos ao mesmo tempo. Ou seja, em vez de “resolver” que vai emagrecer, algo que não é específico, dever-se-á concentrar ao invés em perder x quilos ao longo de um período estipulado de tempo.

Por outro lado, em vez de pensarmos nas resoluções de início de ano, devemos antes considerar um plano de mudança para um ano. Muito mais importante do que estabelecer um objectivo ambicioso – como correr a maratona – é definir um plano imediato que possa ser iniciado “agora”. Começar com passos pequenos – correr dois quilómetros todos os sábados de manhã, por exemplo -, e ir aumentando a distância percorrida é muito mais eficaz e fazível. E independentemente de desejar formar um novo hábito ou quebrar com algum velho mau hábito, é importante sentir-se recompensado por isso. Estabelecer etapas intermédias e não esperar pelo “objectivo final e completo”, e celebrá-las, ajuda à motivação.

De acordo com os especialistas em mudança de comportamento, é igualmente eficaz partilharmos a nossa “resolução” ou mudança de hábito com alguém que nos seja próximo e manter um registo dos nossos progressos. Se possível, fazer uma declaração pública sobre a decisão que tomámos e que desejamos manter é igualmente aconselhável. É que está comprovado que é mais fácil manter um compromisso quando somos observados pelos outros. Ou seja, para manter a sua nova rotina, deverá anunciá-la a familiares e/ou amigos e partilhar os seus esforços e progressos.

Que fórmulas podem ajudar?

Pelo que foi escrito até aqui, não existem grandes motivos para nos sentirmos optimistas face às resoluções tomadas no início do ano. Todavia, não vale a pena desesperar. Existem alguns truques que nos podem ajudar a perseverar.

Em primeiro lugar, há que clarificar perante nós mesmos os motivos por que queremos mudar. Pergunte a si mesmo – e responda honestamente – por que razão a resolução ou o objectivo em causa é importante. Quer perder peso porque valoriza estar em forma ou devido a expectativas e pressões sociais? As pessoas que são orientadas pelos seus valores autênticos têm melhores resultados no alcance dos seus objectivos. Perceba qual a sua verdadeira motivação e escolha objectivos consistentes com os seus valores.

As pesquisas sugerem também que para nos mantermos fieis às nossas resoluções, temos de mudar o ambiente em que nos movemos para as tornar mais fáceis de alcançar. Ou seja, pessoas com níveis de força de vontade elevados são particularmente boas a alterar os seus padrões de “normalidade” para evitar tentações. Se o seu objectivo é poupar dinheiro, não ande com o cartão de crédito na carteira. Ou se pretende perder peso, não guarde chocolates na gaveta. São pequenos grandes truques que ajudam a perseverar. Por outro lado, se tiver o apoio da família ou dos amigos, as probabilidades de atingir o seu objectivo são maiores. Juntar-se a um grupo cujos membros praticam comportamentos que deseja adoptar é outra boa forma de aumentar a sua força de vontade, porque ter modelos a seguir reforça o autocontrolo.

Uma outra razão que vale a pena sublinhar novamente é o facto de se estabelecer objectivos irrealistas. Perder peso, correr a maratona, deixar de fumar, tornar-se vegetariano ou sentir menos stress são resoluções respeitáveis, mas profundamente irrealistas pois não são “divididas” em objectivos mais pequenos, atingíveis e menos desencorajadores. Acabam por se tornar insuportáveis, levando à frustração e quase sempre ao fracasso. E isto acontece apesar das melhores intenções. Há que ter em mente que pequenos sucessos conduzem a grandes progressos.

Os objectivos precisam de ser igualmente mensuráveis para serem eficazes. Muitas pessoas são demasiado vagas no que respeita às resoluções formuladas. Ser específico no que se pretende alcançar é essencial para os bons resultados, pois permite-nos monitorizar os nossos progressos e fazer os ajustamentos necessários ao longo do processo.

Por vezes, e à medida que o ano vai avançando, é possível perceber que as resoluções que e tomaram deixaram de fazer sentido. É importante fazer um inventário dos objectivos traçados para determinar quais aqueles que vale a pena manter ou abandonar. E lembre-se que as suas resoluções devem servi-lo a si e não o contrário.

Todos nós somos um trabalho em progresso. E implementar mudanças nas nossas vidas não é algo que devamos fazer apenas no início do ano, mas em qualquer altura do mesmo. Não espere pelo dia 1 de Janeiro ou não desista porque chegou a Fevereiro e a motivação esmoreceu. Não existe melhor altura para mudar do que o presente. E interiorize que falhar é apenas humano. Se não resistir a comer aquele bolo que lhe está a dar água na boca, faça-o, mas não desista e retome o cuidado com a alimentação no dia seguinte. As pessoas que se martirizam constantemente por algum “pecado” que possam cometer têm piores resultados e mais dificuldades em atingir os objectivos propostos a longo prazo. Ao invés, estimule a sua força de vontade através de uma série de passos pequenos e estratégicos que o ajudarão a ser melhor sucedido. E boa sorte.

Editora Executiva