É um dos temas quentes da gestão na actualidade e uma preocupação que só tende a acentuar-se: a inadequação de competências dos trabalhadores face às necessidades das empresas. E com a automação a cilindrar muitas funções actuais, o problema agudiza-se. Antes que seja tarde de mais, é necessário requalificar, criteriosamente, uma grande parte da força laboral
POR HELENA OLIVEIRA

À medida que as tecnologias e os modelos de negócio continuam a sua rápida evolução, as empresas estão a enfrentar uma mudança radical nas competências da força de trabalho de que precisam para prosperar e crescer. Pesquisas anteriores demonstraram que pelo menos 375 milhões de trabalhadores a nível global terão, muito provavelmente, de mudar as suas funções ao longo da próxima década para ir ao encontro das necessidades das empresas e que a automação poderá “libertar” os empregados para passarem cerca de 30% do seu tempo num novo trabalho. Actualmente, e de acordo com um novo inquérito realizado pela McKinsey Global sobre o futuro da força de trabalho e intitulado “Beyond hiring: How companies are reskilling to address talent gaps” quase nove em cada 10 executivos e gestores afirmam que as suas organizações ou estão já a sentir um fosso nas competências de que precisam ou esperam que o mesmo se pronuncie ao longo dos próximos cinco anos.

Todavia, e apesar de a maioria dos respondentes ter afirmado que as organizações consideram uma prioridade abordar essa escassez ou inadequação de competências, poucos foram os que declararam que estas compreendem verdadeiramente como se deverão equipar a si mesmas com as competências de que mais precisam. Na verdade, apenas um terço dos respondentes acredita que as suas empresas estão preparadas para lidar com as disrupções na força de trabalho decorrentes da tecnologia e das tendências de mercado. A maioria dos inquiridos afirma que as suas organizações estão a contratar empregados numa tentativa de se prepararem para a lacuna potencial de competências ao mesmo tempo que outras estão a fazer esforços para construir essas mesmas competências no interior das suas forças de trabalho: cerca de um terço dos respondentes declara que as suas organizações já deram início a esforços de requalificação.

Os resultados apurados pelo inquérito da McKinsey Global parecem não deixar dúvidas de que as empresas não têm o talento de que precisam para o futuro: 44% dos respondentes estão convencidos de que as suas empresas irão enfrentar escassez de competências ao longo dos cinco próximos anos e 43% reportam a existência dessa mesma escassez já nos dias que correm. O que significa que 87% apontam para uma carência imediata ou que venha a acontecer nos próximos anos.

Adicionalmente, os respondentes esperam igualmente que as tendências no mercado e nas tecnologias constituam uma grande parte das mudanças que já se fazem sentir. Três em cada 10 afirmam que pelo menos um quarto das funções das suas organizações esteja em risco de disrupção nos próximos cinco anos por causa destas mesmas tendências. Se dividirmos os respondentes por indústria, são aqueles que se encontram nos mercados financeiros, no sector da alta tecnologia e nas telecomunicações que mais esperam este nível de disrupção, com os que pertencem aos serviços de cuidados de saúde, farmacêuticas e produtos médicos os que o receiam menos.

Os respondentes vêem igualmente uma enorme necessidade para as organizações abordarem a desadequação de competências num conjunto alargado de áreas de negócio. Quando inquiridos sobre aquelas que mais necessidades exibem, a análise de dados, a gestão de TI, a gestão e a gestão executiva são as mais citadas. De forma similar, quando se olha para as competências específicas com a maior desadequação entre a oferta actual e o que será necessário nos próximos cinco anos, os respondentes esperam que as mesmas se acentuem em áreas como a análise de dados avançada e a matemática.

Apesar de a esmagadora maioria dos inquiridos considerar o fechar deste fosso como uma das grandes prioridades das organizações em que trabalham, são relativamente poucos os que consideram que estas estão prontas para dar uma resposta à altura. Apenas um terço afirma que as suas organizações estão preparadas para abordar a potencial disrupção de funções e uma percentagem mais pequena – 28% – declara que as mesmas tomam decisões eficazes sobre a forma como devem acabar com esse défice de competências. Um dos principais obstáculos para uma tomada de decisão eficaz é a ausência de visibilidade no que respeita às competências da força laboral existente e os efeitos que as disrupções terão nas funções dos trabalhadores. A reforçar este ponto é o facto de menos de metade dos respondentes afirmar que as empresas para as quais trabalham têm uma noção clara das competências existentes e apenas 41% acreditarem que estas têm uma compreensão clara das funções que, muito provavelmente, irão enfrentar a disrupção.

Todavia, a maioria das organizações está a dar passos para abordar as suas necessidades de talento, muitas vezes através de uma mistura de acções como a contratação de trabalhadores a termo ou em regime de freelance, bem como a recolocação ou reafectação de empregados em novas funções. O inquérito sugere também que a táctica mais comum ao longo dos últimos cinco anos foi a da contratação, citada por dois terços dos inquiridos. A segunda táctica mais comum, citada por 56%, é a do desenvolvimento de competências, através de programas de requalificação e outros esforços similares.

Requalificar: quem, o quê e porquê

Para abordar as necessidades de talento, mais de um terço dos respondentes afirma que as suas organizações ou requalificaram pelo menos um grupo de trabalhadores ou têm um piloto ou programa para o fazer em curso. Um outro terço declara que as suas organizações têm planos para lançar esforços de requalificação. E o propósito mais citado para estes esforços (57%) é o de permitir a implementação de uma nova oferta, modelo de negócio ou estratégia, secundado (53%) pela reacção às disrupções tecnológicas emergentes.

Entre as diversas indústrias, são os respondentes dos sectores da alta tecnologia e das telecomunicações aqueles que mais afirmam que as sua organizações já requalificaram parte da sua força laboral: 23% afirmam que as suas empresas requalificaram pelo menos um grupo ou classe de trabalhadores, comparativamente a apenas 13% dos respondentes em outras indústrias.

Ainda de acordo com os inquiridos, os programas de requalificação concentram-se, na maioria das vezes, no desenvolvimento das competências dos empregados no que respeita ao pensamento crítico e tomada de decisão, liderança e gestão de outros e, mais uma vez, em análise de dados avançada, sendo que todos estes tipos de competências foram já sinalizados, em pesquisas anteriores, como de enorme procura para os próximos cinco anos. Estes mesmos programas tendem igualmente a focar-se no desenvolvimento de múltiplas competências.

Apesar de a maioria dos respondentes que trabalha em organizações que já têm em curso ou planeados programas de requalificação estarem confiantes nas capacidades destas para escolher quais os empregados que devem ser formados e em que tipo de competências, a maioria afirma que as suas organizações não têm as capacidades necessárias para desenharem outros aspectos dos programas. Quase seis em cada 10 afirmam que as suas organizações são boas a fazer a selecção dos empregados a requalificar e que conferiram prioridade a essa abordagem, mas menos de metade declara que as suas empresas têm fortes capacidades no que respeita ao desenho dos currículos, com apenas um quarto a declarar que os incentivos dos programas foram bem desenhados.

Os programas de requalificação enfrentam ainda outros obstáculos. Entre os respondentes que reportam a existência de programas de requalificação actuais ou planeados, 53% apontam para que o maior desafio seja o de equilibrar as necessidades dos programas com as operações correntes do negócio. Avaliar o impacto dos programas no negócio é outro desafio comum, citado por 41% dos inquiridos.

Apesar dos desafios, os respondentes acreditam que existam outras iniciativas de requalificação nos próximos cinco anos. E quase três quartos esperam que as suas organizações invistam mais em aprendizagem e desenvolvimento também nos próximos cinco anos.

Requalificação precoce dá frutos

Apesar de a maioria dos programas de requalificação estar ainda num estágio inicial, muitas organizações estão já a testemunhar resultados positivos. Quase sete em cada 10 respondentes que reportaram a existência de iniciativas de requalificação afirmam que o impacto para o negócio resultante deste tipo de programas foi superior ou igual ao investimento feito nos mesmos. Adicionalmente, 48% afirmam que os programas estão já a melhorar o crescimento dos resultados das empresas. E os respondentes apontam ainda para outros benefícios: a maioria assegura que os esforços de requalificação melhoraram a performance em sete outros indicadores de performance, incluindo a satisfação dos empregados, a experiência com os clientes, a percepção da marca entre potenciais trabalhadores e a percepção da marca entre os clientes.

Os respondentes que afirmam que as suas organizações requalificaram com sucesso (por serem eficazes ou muito eficazes na implementação de programas de requalificação e porque geram impacto que vai ao encontro ou excede o seu investimento) oferecem sugestões para que outras empresas possam fazer o mesmo. Estes inquiridos tendem a conferir crédito ao envolvimento dos líderes e dos empregados, com 48% a afirmar que o facto da equipa de gestão sénior ter apoiado o programa os ajudou a ser bem-sucedidos e 43% a declarar os elevados níveis de compromisso por parte dos empregados como motivo para o sucesso dos programas.

Por seu turno, os respondentes que reportaram o sucesso na requalificação têm maiores probabilidades de afirmar que as suas organizações têm uma cultura de aprendizagem ao longo da vida: 84% dos primeiros comparativamente a 58% dos que trabalham em organizações com programas mal sucedidos.

Adicionalmente, os respondentes de organizações com esforços de requalificação bem-sucedidos têm igualmente maiores probabilidades de assegurar que práticas fortes de gestão de competências estão a ter lugar nas suas organizações. Por exemplo, os que reportam o sucesso tendem a afirmar três vezes mais, comparativamente aos que não o fazem, que as suas organizações tomam decisões efectivas no que respeita às acções certas para acabar com a desadequação de competências no futuro.


Empresas têm de olhar para o futuro, já!

À medida que são cada vez mais as tarefas que estão a ser automatizadas e as empresas que estão a redesenhar as funções para integrarem diferentes actividades, é crescentemente crucial implementar estratégias que ajudem os empregados a desenvolver as novas capacidades de que necessitam. O que será, sem dúvida, um empreendimento gigantesco. Os resultados decorrentes do inquérito da McKinsey Global sugerem que a maioria das empresas confira prioridade à aprendizagem e ao desenvolvimento para diminuir ou fechar o fosso de desadequação entre necessidades e competências disponíveis. E para as empresas que ainda não iniciaram os seus esforços de requalificação, há que considerar as seguintes acções:

  • Perceber quais são as competências mais necessárias. É possível que as empresas não consigam reconhecer facilmente a desadequação de competências existente na sua força laboral. Um diagnóstico pode fazer saber quais as competências que a força laboral possui e quais as que serão necessárias no futuro. Mas compreender quais as competências que têm de ser desenvolvidas exige uma abordagem rigorosa e empírica e que consiga comparar a oferta de cada uma das competências com as necessidades estratégicas do negócio.
  • Seja estratégico na forma como pretende colmatar as lacunas. As empresas precisam de decidir quais as acções que devem tomar para abordar as suas lacunas de talento. Preencher a maioria das inadequações irá exigir um mix de abordagens, tais como a contratação e a requalificação. Para cada abordagem, é necessário decidir que programas ou iniciativas específicas têm de ser implementados para recuperar as competências certas na força laboral. Esta decisão inclui igualmente a selecção dos candidatos: quais os empregadores que precisam de ser requalificados em primeiro lugar? Em simultâneo, as empresas devem preparar a sua força de trabalho para a mudança, explicando a agenda de requalificação, incluindo as funções específicas futuras de cada trabalhador, bem como as suas opções de requalificação.
  • Desenvolver as capacidades de formação e as parcerias. Aplicar a ciência da aprendizagem irá aumentar os resultados de qualquer que seja o esforço de requalificação. As empresas deverão estruturar a “jornada de aprendizagem” para ajudar os seus trabalhadores a reter novas competências e a aplicá-las nas suas funções correspondentes. Para o fazer, o currículo de requalificação deverá oferecer uma mistura de oportunidades de aprendizagem digitais e presenciais. Os empregados devem ser designados a terem formação em conjunto de trabalhadores com experiências similares e devem ser envolvidos em projectos que lhes permitam praticar as competências enquanto as vão aprendendo. Porque as organizações podem ter a necessidade de cultivar um amplo conjunto de competências para a sua força laboral, é muito provável que venham a precisar de reunir múltiplos fornecedores – por exemplo, plataformas online, universidades e organizações técnicas. E estimular uma cultura de aprendizagem ao longo da vida pode também encorajar os trabalhadores a desenvolverem novas competências.

Editora Executiva