Quebra na produtividade, menor capacidade de concentração, declínio no sentimento de pertença, ausência de equilíbrio entre vida pessoal e profissional e um número crescente de casos de burnout. Estes são os principais pontos negativos que estão a emergir nas empresas que “cortaram” a flexibilidade aos seus trabalhadores, o principal motivo de satisfação por eles sentido ao longo da pandemia. E este descontentamento está a contribuir para que muitos afirmem que mudar para uma organização que tenha políticas flexíveis está “definitivamente” nos seus planos de curto prazo
POR HELENA OLIVEIRA

O think tank Future Forum – um consórcio lançado pela Slack tendo como parceiros fundadores o Boston Consulting Group, a MillerKnoll e a MLT – é dedicado à concepção e investigação do que melhor vai funcionando em ambientes de trabalho primordialmente digitais. E desde Junho de 2020 que, trimestralmente, faz um inquérito global a milhares de trabalhadores e gestores, fazendo-lhes uma série de perguntas relacionadas por exemplo com a produtividade, o sentimento de pertença, as forma preferenciais de trabalho, a saúde mental, entre outras, as quais são depois avaliadas.

O mais recente Pulse, divulgado a 22 de Abril último e denominado Future Forum Pulse da Primavera de 2022, entrevistou 10,818 trabalhadores do conhecimento [knowledge workers] espalhados pelos Estados Unidos, Alemanha, Austrália, França, Reino Unido e Japão. O inquérito foi conduzido entre 27 de Janeiro e 21 de Fevereiro e numa altura em que muitas empresas tinham já decidido “chamar de volta” os seus funcionários para trabalharem presencialmente cinco dias por semana, anulando a flexibilidade no que respeita a horários e a locais preferenciais a que estes se tinham habituado E, pouco mais de quatro meses depois (uma grande parte das empresas iniciou este regresso no início do ano), os resultados não são propriamente animadores.

No relatório trimestral anterior publicado pelo Future Forum, e em linha com a maioria dos estudos que têm vindo a ser feitos sobre esta temática, é notório que a flexibilidade tanto no que respeita a horários como aos locais que os trabalhadores do conhecimento escolhiam para exercer as suas funções se tinha tornado a norma e que a maioria dos mesmos acreditava que esta “elasticidade” se iria manter no futuro. Por exemplo e em Novembro de 2021, menos de um terço (30%) de todos os trabalhadores do conhecimento trabalhavam a tempo inteiro no escritório, apesar de 68% afirmarem preferir o trabalho híbrido. Todavia e no primeiro trimestre de este ano, mais trabalhadores foram chamados de volta ao escritório, sem distinção dos que o fizeram de livre ou de má vontade.

O número de funcionários que continua a trabalhar em regime híbrido diminuiu de mais de 50% para 45%, com o número de trabalhadores do conhecimento que passaram a trabalhar no escritório cinco dias por semana a aumentar 34%, o nível mais elevado desde que o Future Forum iniciou este inquérito. Todavia e no geral, os dados sugerem que a maioria dos trabalhadores que voltou ao “antigo regime” não o fez por livre vontade, antes pelo contrário, com a percentagem dos que preferiam trabalhar de forma flexível pelo menos parte do tempo a aumentar para 55%.

Porém, não são estes os dados que mais importam neste inquérito, mas sim as alterações nos oito componentes relacionados com o trabalho que são avaliados e cuja quebra está já a fazer-se sentir. Com esta mudança, o sentimento dos trabalhadores face ao seu próprio trabalho caiu para níveis mínimos quase recordistas, de que são exemplo o stress e a ansiedade, a par da conciliação entre vida laboral e pessoal, em que a avaliação piorou em 28% e 17% respectivamente face ao inquérito anterior. Mas existem mais más notícias.

Como se pode ver no quadro abaixo, a produtividade, a capacidade de concentração, o acesso a recursos, a flexibilidade, a satisfação com o ambiente de trabalho, o sentimento de pertença e, como enunciado anteriormente, o equilíbrio entre vida pessoal e profissional a par do stress e ansiedade (os que mais pioraram), apresentam todos eles resultados negativos.

Assim, e de acordo com o Future Forum, os sinais são cada vez mais ilustrativos e apontam no sentido de que os empregadores irão pagar um preço por este descontentamento. Por exemplo, os trabalhadores do conhecimento que afirmam que a sua empresa não permite um trabalho flexível têm 20% mais de probabilidades de procurar um novo emprego no próximo ano, em comparação com aqueles que têm a opção de trabalhar fora do escritório a tempo inteiro. Este fosso entre as expectativas e a realidade representa um desafio iminente para os empregadores que “obrigaram” os trabalhadores a regressar ao escritório.

Por outro lado, os trabalhadores não-executivos têm quase o dobro de probabilidade de trabalharem no escritório cinco dias por semana face aos executivos e reportam o dobro do stress e ansiedade relacionado com as funções que exercem comparativamente a estes últimos. Ou seja, os dados do Pulse mostram que os trabalhadores em funções executivas enfrentam muito mais tensão durante a era de regresso ao escritório do que os seus líderes, alargando ainda mais a desconexão executivo-empregado presente em medidas chave relacionadas com a satisfação no trabalho, o mesmo acontecendo com os seus congéneres que ainda gozam da tão desejada flexibilidade. As avaliações dos não-executivos no equilíbrio trabalho-vida pessoal são agora 40% piores do que as dos seus chefes, caindo a um ritmo cinco vezes superior ao dos executivos durante o último trimestre.

Num comentário aos resultados do mais recente inquérito Pulse, Brian Elliot, director executivo do Future Forum, considera sem reservas que “os líderes precisam de se afastar desta ‘ditadura’ no que respeita ao trabalho presencial e, em vez disso, concentrarem-se em alinhar as suas equipas em torno de um objectivo comum e liderar pelo exemplo”. Elliot defende ainda que “confiar nas equipas concedendo-lhes flexibilidade para trabalharem onde e quando melhor lhes aprouver conduzirá a melhores resultados operacionais e a empregados mas felizes”. O Pulse agora publicado demonstra igualmente que são os trabalhadores que regressaram à modalidade presencial total aqueles que mais infelizes se sentem.

Já para muitas mulheres e mães trabalhadoras, que na maioria das vezes continuam a assumir a maior parte das responsabilidades domésticas, a chamada para regressar ao escritório apenas reforçou o desejo de manterem pelo menos algum grau de flexibilidade. A percentagem de mulheres que dizem querer trabalhar de forma flexível três dias por semana ou mais aumentou para 58% neste trimestre, em comparação com 48% dos homens. Entretanto, o número de mães trabalhadoras que dizem querer pelo menos alguma flexibilidade, em particular no que respeita a trabalhar em casa, subiu para um máximo histórico (82%) desde que o Future Forum deu início aos seus inquéritos trimestrais.

Uma outra conclusão resultante deste inquérito diz respeito ao facto de os pais trabalhadores estarem particularmente preocupados com a progressão na carreira em regime de trabalho à distância, com 46% dos mesmos receosos de que o trabalho remoto ou híbrido tenha um impacto negativo nas suas carreiras, em comparação com 34% dos que não têm filhos. Os pais trabalhadores são também mais propensos do que os seus congéneres a sentirem algum tipo de preconceito no trabalho, com 29% dos pais trabalhadores e 26% das mães trabalhadoras a afirmar que foram negativamente afectados pelo facto de terem filhos ao longo dos dois anos de pandemia.

Os executivos dizem que querem trabalhar a partir do escritório – mas são os seus empregados que estão a ser “convidados” a regressar

De acordo com o Future Forum, os líderes também não estão a oferecer a transparência e clareza necessárias que os seus empregados pedem face ao futuro, o que pode trazer consequências negativas para as empresas.

Os trabalhadores do conhecimento que dizem que o seu empregador não está a ser “transparente sobre os seus planos futuros de trabalho” têm mais do triplo da probabilidade de dizer que irão “definitivamente” procurar um novo emprego no próximo ano.

Já os empregados que dizem que a sua empresa não adoptou uma política de flexibilidade são os mais propensos a dizer que irão “definitivamente” procurar um emprego no próximo ano e em número superior aos que afirmam que a sua empresa não permite trabalho à distância. Por outras palavras, os trabalhadores são menos propensos a sair se as políticas forem claras, mesmo que as regras não se alinhem com o que afirmam desejar.

Para muitas empresas, as conversas de regresso ao escritório têm-se concentrado quase exclusivamente no “onde” em vez do “quando”, ignorando a importância crítica da flexibilidade de horários. Actualmente, 79% dos trabalhadores do conhecimento afirmam querer flexibilidade de localização, mas mais de 9 em cada 10 – 94% – afirmam preferir ter o seu próprio horário de trabalho.

Os dados reunidos pelo Pulse mostram que este tipo de rigidez de horários pode ter impactos adversos significativos na experiência global de trabalho de um empregado. Os trabalhadores do conhecimento que dizem ter pouca ou nenhuma capacidade de ajustar o seu próprio horário assistem a uma deterioração do equilíbrio entre vida pessoal e laboral em 1,7 vezes, sentem 2,2 vezes mais stress e ansiedade relacionados com a funções que exercem, e têm uma maior propensão – 1,4 vezes – de sofrerem de um esgotamento.

Como comenta Deborah Lovich, directora executiva e senior partner do Boston Consulting Group, “os empregados provaram claramente que podem fazer tão bem o seu trabalho se lhes for dada alguma flexibilidade nas suas vidas profissionais. Se os líderes lhes retirarem esta flexibilidade – ou se adiarem decisões chave sobre as suas opções no futuro – então devem preparar-se para uma vaga de saídas”.

Por outro lado, os dados do Pulse mostram também um padrão duplo preocupante no que respeita a quem está de regresso ao trabalho presencial cinco dias por semana: os trabalhadores sem funções executivas estão a fazê-lo duas vezes mais do que os próprios executivos que optaram por os fazer regressar. Ou seja, esta discrepância sugere que embora muitos executivos continuem a trabalhar de forma flexível, negando a mesma possibilidade aos seus funcionários, conta igualmente para o descontentamento que estes últimos estão a expressar.

Como reter os trabalhadores que não estão satisfeitos

A flexibilidade, especialmente a flexibilidade de horários, só será bem-sucedida se os líderes estiverem dispostos a pôr de lado concepções desactualizadas sobre a forma como o trabalho deve ser feito. Mas com tantas ideias diferentes sobre o que a flexibilidade pode significar para cada pessoa, equipa, e empresa, pode ser difícil encontrar a harmonia necessária para criar este tipo de mudança.

Para o Future Forum, existem algumas formas de os líderes não deixarem fugir os seus talentos:

  • Atingir o equilíbrio entre o controlo da empresa e as escolhas dos empregados

A flexibilidade, especialmente a flexibilidade de horários, só será bem-sucedida se existir vontade de pôr de lado concepções desactualizadas sobre a forma como o trabalho deve ser feito. Mas com tantas ideias diferentes sobre o que a flexibilidade pode significar para cada pessoa, equipa ou empresa, pode ser difícil chegar-se a um consenso para criar este tipo de mudança. Geralmente, é exactamente em debates muitas vezes confusos sobre como o trabalho flexível irá apoiar os objectivos empresariais que os líderes começam a construir este alinhamento. Deverão igualmente traduzir o seu propósito num conjunto de princípios fundamentais e directrizes comportamentais que os ajudarão a introduzir a estratégia de trabalho flexível na sua organização, ao mesmo tempo que permitem que cada equipa tenha a autonomia necessária para conceber práticas específicas que melhor funcionam para eles próprios e para o bem do próprio trabalho.

  • Instituir a flexibilidade de horários para todos

As empresas mais bem-sucedidas estão a estabelecer horas certas para a colaboração síncrona seja para as que estão no escritório ou a trabalhar remotamente. Estão igualmente a estabelecer métodos de colaboração assíncrona para reduzir o fardo de estar “sempre ligado” e para que os trabalhadores não sintam a pressão de aparecer constantemente nas reuniões. Os inquiridos que dizem “passo demasiado tempo em reuniões” têm 38% mais de probabilidades de sofrerem um esgotamento/burnout.

Para evitar problemas de saúde mental, os gestores precisam de estabelecer acordos claros ao nível das equipas que respeitem horários e fusos horários. Os funcionários que dizem “sinto pressão para que os meus colegas saibam que estou ‘no trabalho’ e a ser produtivo” e “sinto pressão para responder rapidamente a mensagens, mesmo que sejam enviadas após horas normais de trabalho” têm quase o dobro da probabilidade de vir a sofrer um esgotamento. E os gestores precisam de dar o exemplo para que não haja um padrão duplo.

  • Normalizar uma cultura de aprendizagem

Para o Future Forum, este é um território inexplorado para todos os executivos, por isso é tempo de começar a explorar, ver o que funciona e experimentar, experimentar, experimentar! Analise e pense sobre os novos modelo de trabalho possíveis, celebre pequenas vitórias e vise o progresso e não a perfeição.

Editora Executiva