São inúmeros os motivos de celebração quando pensamos que, de forma crescente, será possível viver até aos 100 anos. Todavia, também são diversas as preocupações que esta realidade implica, tendo em conta que o actual sistema financeiro não está preparado para assegurar a reforma a todos os idosos. De acordo com um white paper, recentemente apresentado pelo Fórum Económico Mundial, é necessário tomar medidas que melhorem a qualidade de vida da população sénior, garantindo que todos vivem uma vida estável após os 65 anos. Se vamos viver até aos cem anos, como é que vamos, afinal, conseguirmo-nos sustentar?
POR MÁRIA POMBO

Os progressos feitos em áreas como a saúde e a maior atenção prestada ao bem-estar dos cidadãos são alguns dos factores que permitem o progressivo aumento da esperança média de vida em praticamente todo o mundo, esperando-se, por exemplo, que os bebés que nasceram em 2017 vivam pelo menos até aos cem anos.

E se viver até aos cem anos é um grande motivo de celebração, também é razão de preocupação, tendo em conta que o actual sistema financeiro não está preparado para lidar com esta realidade, não conseguindo garantir a reforma e os cuidados de saúde a todos os idosos que, não há muito tempo, viviam menos duas ou três décadas. Sendo um dos países que regista um envelhecimento populacional significativamente rápido, o Japão pode ser utilizado como uma espécie de “ensaio” sobre aquilo que poderá acontecer num número crescente de países, dentro de pouco tempo: se os cidadãos se podem reformar a partir dos 60 anos e vivem até aos cem, que impacto têm cerca de 40 anos de inactividade, para o sistema financeiro, para a sociedade e para os próprios reformados?

Foi com o objectivo de analisar os desafios do envelhecimento, bem como as medidas que são necessárias tomar para melhorar a qualidade de vida da população sénior, garantindo que mais anos não são sinónimo de mais problemas, que o Fórum Económico Mundial (FEM) apresentou recentemente um white paper, denominado “We’ll Live to 100 – How Can We Afford It?”. E é mesmo esta a pergunta que se impõe: se a possibilidade é a de viver até aos cem anos, como é que vamos, afinal, conseguirmo-nos sustentar?

A este respeito, os autores do estudo não têm dúvidas de que “uma implicação óbvia de vivermos mais anos é que vamos ter que passar mais tempo a trabalhar”. Todavia, este processo não é assim tão simples como poderíamos, à primeira vista, pensar, já que é necessário incluir a população sénior no mercado de trabalho, alargando as carreiras, diminuindo os conflitos entre gerações e garantindo que existe lugar tanto para os mais novos como para os mais velhos. Os empregadores desempenham aqui um papel fundamental, devendo ajudar os trabalhadores a prepararem uma carreira mais longa e a adaptarem-se a possíveis novas funções e formas de trabalho depois dos 60 anos.

Todavia, trabalhar mais anos não é suficiente nem sustentável por si só. De acordo com o documento, é necessário construir sistemas financeiros que previnam a pobreza na terceira idade, dando as mesmas oportunidades e assegurando os mesmos cuidados a todos os cidadãos. Sistemas saudáveis e justos de pensões podem contribuir fortemente para a criação de uma economia estável e próspera. Adicionalmente, garantir que os cidadãos confiam nesses sistemas permite-lhes continuar a ser consumidores activos, fazendo circular a economia e evitando a estagnação dos mercados.


Baixa poupança, poucos apoios, fraca literacia financeira

Os desafios que os sistemas de reforma enfrentam são inúmeros, sendo o primeiro a dificuldade de acesso a pensões. A este respeito, muitos são ainda os trabalhadores – tanto das economias desenvolvidas como dos mercados em desenvolvimento – que não ganham salários altos o suficiente que lhes permitam criar um plano de poupança-reforma ao longo da vida, nem têm perspectivas de vir a ter uma pensão que lhes permita viver uma velhice confortável e sem sobressaltos, sendo forçados a recorrer às pensões atribuídas pelos Estados (quando existem). Os trabalhadores independentes e informais são os mais vulneráveis e aqueles para quem a terceira idade é mais assustadora, já que não fazem descontos de forma regular e contínua.

De um modo geral, os níveis de iliteracia financeira são bastante baixos, e este constitui outro desafio referido no documento. Esta situação representa uma ameaça aos sistemas de pensões mais autónomos e dependentes das poupanças privadas. São diversos os estudos que comprovam que a maioria da população não consegue responder a questões sobre conceitos básicos do sistema financeiro, e isso significa que muitos cidadãos, a nível mundial, não têm capacidade – por falta de conhecimentos – para tomar decisões informadas sobre a sua actual ou futura reforma e até sobre a vida financeira no geral.

As baixas taxas de poupança (e a consequente falta de capacidade financeira dos cidadãos para conseguirem fazer face às despesas do dia-a-dia) assumem-se como outro problema. De acordo com os autores do documento, para que se possa garantir uma vida estável na reforma, é necessário que cada trabalhador consiga poupar cerca de 10% a 15% do seu salário anual, mas a realidade é bem diferente e as taxas de poupança individual encontram-se bem abaixo destas percentagens. Todavia, e principalmente num momento de grande instabilidade, em que não existem garantias sobre nada, as poupanças que forem feitas ao longo da idade activa poderão ser a tábua de salvação de muitos cidadãos no tempo da reforma.

Por fim, o último desafio apresentado diz respeito ao facto de, de um modo crescente, ser dos cidadãos a responsabilidade de gerir a sua pensão, tendo estes a possibilidade de decidir quanto querem poupar por ano, que investimentos querem fazer e com que idade pretendem pedir a reforma. Importa explicar que este poderia não ser um problema, não fosse a falta de informação generalizada que existe em torno destas questões, bem como a dificuldade de pôr dinheiro de parte, antes o direccionando para coisas mais urgentes e imediatas.

Para garantir uma velhice mais descansada, os autores do documento consideram que deve ser criada uma “rede de segurança” de pensões para todos, que deve ser promovido um fácil acesso a planos estruturados e justos de reforma e que deve ser dado apoio a iniciativas que aumentem as taxas contributivas. Os mesmos sublinham que a protecção e a prevenção da pobreza na terceira idade deve ser uma prioridade para qualquer sistema público de pensões e que devem ser os governos dos países a garantir a reforma a todos os idosos, promovendo esta tal “rede de segurança” e evitando assim que aqueles que trabalharam durante tantos anos se sintam desamparados.

Se existe uma grande percentagem de pessoas que não consegue, por si só, poupar dinheiro ao longo da vida para poder usufruir de uma reforma mais confortável, cabe aos governos, por um lado, criar infra-estruturas para que esta poupança possa ser feita (melhorando, assim e em simultâneo, a qualidade de vida dos cidadãos em geral) e, por outro lado, garantir que todos os cidadãos têm acesso a uma pensão e a cuidados de saúde na terceira idade.


Menos riscos e mais apoios

De acordo com o documento, existem quatro princípios (ou condições) que devem estar presentes quando se fala em criar condições de bem-estar para os idosos.

O primeiro princípio diz respeito à adaptação a novas profissões e dinâmicas no trabalho. Segundo um estudo do Fórum Económico Mundial, denominado “The Future of Jobs Report”(e sobre o qual o VER já escreveu) , estima-se que 65% das crianças que, no presente, estão a iniciar a sua vida escolar irão ter profissões que ainda nem sequer existem. Uma das tendências a que já assistimos actualmente está relacionada com o aumento da mobilidade e da flexibilidade do trabalho, muito por conta das novas tecnologias. Complementarmente, tem aumentado o número de cidadãos que continuam a trabalhar mesmo depois dos 65 anos, os quais também exigem, entre outras coisas, uma maior liberdade de horários.

Por todos estes motivos, e com vista a atender às necessidades dos trabalhadores e da própria economia, é necessário criar sistemas que promovam a flexibilidade dos trabalhadores em fim de carreira. Por um lado, esta medida confere aos cidadãos a possibilidade de continuarem a desempenhar algumas tarefas na sua empresa, adaptando-se progressivamente à idade da reforma; por outro lado, esta é uma estratégia que permite que os cidadãos possam continuar a ganhar um salário (mesmo que reduzido) ao mesmo tempo que vão começando a beneficiar da reforma para a qual descontaram durante toda a vida.

A (eterna) questão da promoção da igualdade de género é a segunda medida apresentada. De acordo com o documento, as mulheres têm reformas que são 30% a 40% mais baixas que as dos homens, e muito por conta dos salários igualmente mais reduzidos que ganham ao longo da vida. Neste sentido, os autores do estudo explicam que “para construir uma sociedade produtiva, temos que valorizar o trabalho que é realizado fora das empresas”, reforçando que “tarefas como cuidar de familiares idosos e doentes devem ser reconhecidas pelos sistemas de pensões e devem traduzir-se em pagamento, aos cidadãos, na idade da reforma”.

A partilha dos riscos com vista à redução das responsabilidades dos cidadãos sobre as suas contribuições é outro princípio presente no documento. Segundo os seus autores, existe um enorme risco, para os cidadãos, de serem os próprios a definirem os seus planos de poupança-reforma e de tomarem todas as decisões em torno deste tema. Neste sentido, ao invés de o permitirem – livrando-se de toda e qualquer responsabilidade – os autores do estudo consideram que os decisores políticos devem adoptar medidas que apoiem os cidadãos e diminuam os riscos que estes suportam.

O documento dá o exemplo da Holanda e do Canadá, por serem dois países que permitem que os indivíduos se reúnam e “colectivizem” as suas poupanças, formando uma rede de apoio e diminuindo os riscos de cada um dos seus membros. Todavia, os autores deixam um alerta: estes sistemas devem ser desenhados cuidadosamente, de modo a garantir, por um lado, que todos os membros confiam uns nos outros e, por outro lado, que todos têm o mesmo tipo de tratamento e apoio, para que ninguém seja deixado de parte.

O facto de que não se deve (nem é possível) esquecer que existem outras necessidades financeiras é o último princípio apresentado no documento. De acordo com este princípio, os cidadãos que começarem a poupar para a reforma logo no início da sua carreira terão conseguido angariar o dobro do dinheiro, comparando com aqueles que só começam a pensar nesta questão ao fim de dez anos de trabalho. Porém, a maioria dos trabalhadores só começa a poupar verdadeiramente após os 50 anos.

E esta é e deve ser uma outra preocupação dos governos, tendo em conta que são as exigências financeiras imediatas que impossibilitam que os jovens comecem, desde cedo, a preocupar-se com a sua vida depois dos 65 anos. Para motivar os cidadãos a pouparem mais, o primeiro passo deve ser explicar-lhes que tudo o que conseguirem juntar será fundamental para que possam ter uma vida confortável, posteriormente. Deste modo deve ser disponibilizada aos indivíduos toda a informação existente sobre as pensões, riscos, investimentos e mecanismos aos quais podem recorrer para preparar a reforma da melhor forma e na melhor idade.

Em jeito de conclusão, os autores do documento apresentam uma checklist com as acções prioritárias para os decisores políticos. Rever a idade da reforma, tornar mais fácil a poupança (utilizando a tecnologia quando for necessário), e promover a literacia financeira (começando desde logo pelas escolas e pelos grupos mais vulneráveis da sociedade) são algumas das acções propostas no estudo “We’ll Live to 100 – How Can We Afford It?”. Complementarmente, os seus autores sublinham que deve ser divulgada, junto da população a nível mundial, toda a informação existente sobre o sistema de pensões, e que os cidadãos devem ter acesso aos dados sobre a sua situação financeira, de modo a tomarem decisões mais conscientes sobre (e para) o seu futuro.

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