Neste novo tempo, as palavras-chave da política económica têm que ser empresas, emprego, competitividade, exportações e investimento. Só assim teremos sucesso. Só com um forte crescimento económico, resultante da criação de riqueza pelas empresas se pode dar resposta ao desemprego, aumentar rendimentos, melhorar a qualidade de vida de todos e reequilibrar as contas públicas
POR ALEXANDRE RELVAS

1. Muito provavelmente a partir do dia quatro de maio vamos iniciar um período de retoma progressiva da vida económica e social.

A política de controle da epidemia teve e terá um impacto profundo na economia. Pelas dificuldades e dramas pessoais em que se traduz, o indicador que mais me impressiona é a evolução potencial do desemprego. O FMI estima que o desemprego afetará 13,9% da população ativa. Teremos mais de 700.000 desempregados. Esta situação é ainda mais angustiante se pensarmos que tivemos há menos de dez anos mais de 800.000 desempregados. Muitas famílias serão novamente afetadas. As previsões podem até pecar por otimismo tendo em conta os tempos de grande incerteza que ainda vamos viver e o facto de termos atualmente 340.000 desempregados, 1.100.000 trabalhadores em regime de lay-off e 100.000 trabalhadores independentes terem-se candidatado ao apoio extraordinário criado pelo governo.

A par da saúde pública, a criação de empregos tem que ser o grande objetivo nacional. Deverá ser o principal indicador de sucesso da retoma.

2. Na analise das consequências para a economia deste tempo não se pode ignorar a disparidade entre as consequências económicas e sociais para os cidadãos que dependem do mundo privado e para os que dependem do Estado.

O lay-off, as reduções de salários, o desemprego, as falências, os aumentos do endividamento são exclusivos daqueles que dependem do sector privado. Os funcionários públicos nada sofrem financeiramente com o confinamento, apesar de muitos nem sequer estarem em teletrabalho. Mesmo assim, apesar da crise, o governo manteve os aumentos salariais retroativos a janeiro e os sindicatos já estão a falar da necessidade de novos aumentos salariais.

3. Pouco se tem falado dos milhares empresários que têm vivido tempos de enorme dificuldade e, em muitos casos, dramáticos, em especial os das pequenas e médias empresas, que de um dia para o outro, sem qualquer responsabilidade, viram desmoronar os seus negócios, sendo incapazes de cumprir as suas obrigações perante trabalhadores, fornecedores e credores. Nuns casos e em resultado de uma inevitável falência perderam as poupanças de toda uma vida e noutros terão que encontrar forças e recursos que lhes permitam viver este tempo e recomeçar, o que acontecerá, na generalidade dos casos, com mais endividamento e, seguramente, tendo que atravessar um novo período de grande incerteza.

Entre estes empresários há muitos verdadeiros heróis que, contra todas as dificuldades e dispostos a todos os sacrifícios conseguem manter os postos de trabalho e os níveis de rendimento dos seus trabalhadores, tendo das suas empresas uma perspetiva de comunidade e de bem comum.

Para muitos destes empresários, esta é a segunda crise profunda que vivem em menos de dez anos.

4. Como todos nós desejo que o mais rapidamente possível a generalidade das empresas consiga ultrapassar as dificuldades e retomar a sua atividade com normalidade.

Mas desejo, muito especialmente que isso aconteça aos múltiplos projetos empresariais de jovens que nos últimos anos foram lançados, em particular no sector do turismo e das novas tecnologias.

Houve, na última década, um aumento do espírito de empreendedorismo nas novas gerações que não se pode perder, porque constitui uma enorme esperança para tornar a economia nacional mais dinâmica.

Esses jovens perceberam a existência de novas oportunidades a que souberam dar resposta, conseguiram atrair investidores nacionais e internacionais, mobilizaram talentos e, na generalidade dos casos, tiveram os mercados externos como prioridade.

Muitos deles têm capacidade para marcar a economia nacional no futuro e estarão seguramente à altura dos desafios que agora se colocam.

5. Tem sido interessante, como empresário, assistir aos múltiplos artigos de opinião e análises de consultores sobre o “novo normal”, nomeadamente, sobre o novo papel do teletrabalho, o reforço da digitalização, os novos canais de distribuição, as novas atitudes dos consumidores, a necessidade de repensar a cadeia de valor, entre outras especulações.

Apesar do interesse das análises, para a generalidade dos empresários, a discussão do “novo normal” é irrelevante neste momento.

A atenção está totalmente centrada nos mercados, nos clientes e na tesouraria. Estas serão as preocupações predominantes num horizonte alargado. Para outros empresários, como é o caso dos do setor hoteleiro ou da restauração, além da tesouraria, a preocupação é só uma. Quando é que posso reabrir?

6. As empresas portuguesas tiveram um papel decisivo no reequilíbrio económico e financeiro do país após a rotura financeira de 2011.

As contingências do mercado interno levaram muitas empresas a realizarem profundas reestruturações, a reorganizarem as suas cadeias de valor, a repensarem os seus produtos e a virarem-se decididamente para os mercados de exportação.

Teve assim lugar nos últimos dez anos, em largos segmentos do sector empresarial, uma revolução silenciosa que permitiu que as exportações nacionais passassem de 30% do PIB, um valor que se mantinha desde a adesão à CEE, para 44% do PIB, no ano passado. Os números impressionam. Só nos últimos três anos, a média de crescimento das exportações foi de cerca de 5.000 milhões de euros por ano, que tiveram um papel decisivo para explicar o crescimento registado pela economia nacional.

Este crescimento resulta do esforço de milhares de empresários e dos seus trabalhadores, da generalidade dos setores de atividade, que souberam reagir aos desafios resultantes da crise interna com enorme espirito de iniciativa e determinação, promovendo uma alteração estrutural na economia portuguesa.

Esta evolução das exportações esteve na base do reequilíbrio das contas externas, do crescimento económico que o país vem registando desde 2014 e da redução do desemprego para 6,5% da população ativa, quase um terço do valor que atingiu no pico da crise. Indiretamente, através dos impostos diretos e indiretos, o crescimento económico, deu um contributo fundamental para o equilíbrio das contas publicas.

Apesar desta realidade, os poderes políticos atuais têm tido uma atitude de indiferença e, em algumas situações, até negativa em relação ao setor empresarial. Este não merece a sua confiança. As empresas raramente são tidas em consideração nas decisões tomadas, mesmo de política económica. A economia real e a competitividade empresarial não são atualmente uma prioridade.

Para responder aos desafios com que o país agora se defronta é preciso uma mudança. Só será possível uma rápida recuperação económica e um aumento significativo do emprego, que deve ser a primeira das prioridades, com um novo sentido de parceria dos poderes públicos com os empresários. Sem preconceitos.

É preciso que se estabeleçam relações de confiança entre os poderes públicos e os empresários. Para isso é fundamental que os poderes públicos tenham e assumam nas suas decisões uma nova perspetiva sobre a prioridade que tem que ser dada à criação de riqueza e sobre o papel decisivo e central do setor empresarial para potenciar o crescimento económico e o emprego.

Neste novo tempo, as palavras-chave da política económica têm que ser empresas, emprego, competitividade, exportações e investimento. Só assim teremos sucesso. Só com um forte crescimento económico, resultante da criação de riqueza pelas empresas se pode dar resposta ao desemprego, aumentar rendimentos, melhorar a qualidade de vida de todos e reequilibrar as contas públicas.

7. Numa perspetiva das empresas como parceiros para a retoma da economia e para a criação de emprego, será importante que os poderes públicos, para além das respostas conjunturais de emergência dadas para garantir a manutenção dos empregos e o financiamento das empresas, dessem atenção aos bloqueios e desafios que as múltiplas análises sobre competitividade em Portugal têm apontado. Neste domínio, não vale a pena fazer mais estudos, é preciso é decidir.

As prioridades para reforço da competitividade são coincidentes em todos os estudos: WEF, Banco Mundial, IMD, OCDE e do próprio INE. O Governo deveria pelo menos analisar e tomar decisões com base no inquérito do INE sobre os Custos de Contexto das Empresas. É um excelente trabalho que aponta, claramente e com base num inquérito aos empresários, quais deveriam ser as prioridades de intervenção do Estado para reduzir os custos de contexto e potenciar a competitividade.

Não se pede uma revolução nem grandes decisões políticas. Neste caso, como em muitos domínios da intervenção do Estado, um conjunto integrado de soluções simples, mas concretas e com objetivos claros podem ter um forte impacto.

8. Uma nota final para referir que perspetivando-se uma progressiva retoma da vida económica e social, que necessariamente trará um aumento do número de infetados, seria importante que, além do plano de reabertura para as várias atividades, seja decidido pelo governo e apresentado publicamente, um plano de investimentos no serviço nacional de saúde que aumente a sua capacidade de resposta, o que a par das medidas de contenção que todos teremos de respeitar pode ser decisivo para evitar que entremos num novo período de confinamento que teria consequências dramáticas para a economia. Esses investimentos têm de se começar a realizar de imediato.