Os custos relacionados com desastres provenientes de fenómenos climáticos extremos chegaram aos 200 mil milhões de dólares anuais. O número de mortes relacionados com estas calamidades sofreu igualmente um acréscimo significativo, sendo que 95% destas ocorrem nos países em desenvolvimento. Estas são apenas duas das conclusões retiradas do mais recente relatório efectuado pelo IPCC e que precede a próxima cimeira global sobre clima, agendada para o final do mês, em Durban
POR HELENA OLIVEIRA

“Estamos a perder demasiadas vidas e activos económicos em desastres naturais”, alerta Chris Field , um dos responsáveis do grupo de trabalho do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC, na sigla em inglês). O alerta foi feito depois da publicação do mais recente relatório deste organismo das Nações Unidas, considerado como o primeiro a fazer uma análise abrangente e detalhada do conhecimento científico existente sobre as alterações climáticas com o objectivo de produzir uma avaliação definitiva sobre a temática. Intitulado “Relatório Especial sobre Clima Extremo”, foi feito ao longo dos últimos dois anos, por uma equipa que integrou 220 cientistas, de 62 países, e a sua divulgação precede a Conferência sobre Alterações Climáticas, que terá lugar em Durban, na África do Sul, no final deste mês, com vista a reunir os líderes mundiais para um novo acordo global sobre estas temáticas.

Como escrevia a revista Time em tom humorista, e apesar de o assunto não ser uma brincadeira, talvez fosse melhor retirar de circulação o termo “aquecimento global” – que soa como um banho agradável – quando nos referimos aos fenómenos climáticos em acelerada mutação. Os aumentos crescentes de emissões de carbono, resultantes da acção humana, estão já a dar lugar a temperaturas mais quentes, a menos dias frios e a ondas mais intensas de calor. Mas e de acordo com o relatório, os verdadeiros e preocupantes danos, tanto ao nível económico como no que respeita à perda de vidas humanas, serão infligidos pelo aumento ou ampliação dos denominados fenómenos climáticos extremos como as cheias, as tempestades e as secas.

Em conferência de imprensa na passada sexta-feira, 18 de Novembro, os porta-vozes do IPCC afirmaram estar seguros de que quedas de chuva mais intensas, tempestades muito mais devastadoras e uma significativa intensificação das secas fazer-se-ão sentir nas próximas décadas. O aumento do nível do mar irá aumentar a vulnerabilidade das áreas costeiras e o incremento destes “fenómenos extremos” destruirão vidas e milhares de milhões de dólares um pouco por todo o mundo.

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De acordo com os cientistas que fizeram parte do estudo, serão os países em desenvolvimento que mais sofrerão com estas condições – não só por causa das suas geografias, mas também por estarem menos preparados para lidar com os efeitos destas condições meteorológicas extremas nas suas infra-estruturas e por terem uma menor resiliência económica para os combater comparativamente aos países desenvolvidos. Todavia, estes últimos também não escaparão aos efeitos de quedas de chuva “explosivas”, ondas de calor e períodos de seca mais prolongados.

Considerado, face aos anteriores, como mais “ponderado”, o presente relatório avalia igualmente o grau de confiança que os cientistas possuem relativamente aos diferentes efeitos de um clima em mudança.  E a confiança é variável: se existem certezas, comprovadas cientificamente, relativas ao crescente número de dias e noites mais quentes a nível global e que o aumento da temperatura será uma constante nas próximas décadas, sem esquecer o aumento do nível das águas e a também a frequência de tempestades fortes, os cientistas que fizeram parte do relatório do IPCC são honestos o suficiente relativamente a outras áreas em que a ciência climática não consegue fazer previsões tão seguras, como é o caso das tempestades tropicais que, em princípio, manterão uma certa estabilidade em termos de frequência. De sublinhar, todavia, o aumento significativo das perdas económicas relacionadas com o clima, cujas perdas anuais ascendem já aos 200 mil milhões de dólares.

Governos têm de responder ao alerta laranja
Connie Hedegaard, a responsável europeia pelas questões climáticas, afirmou que este relatório deveria servir para incentivar os governos a agir, especialmente depois de, há cerca de duas semanas, a Agência Internacional para a Energia ter afirmado que o mundo tem apenas cinco anos para aprovar as medidas de corte de emissões necessárias para se evitar um aquecimento global catastrófico. “Com todo o conhecimento e argumentos racionais a favor de uma acção climática urgente, é muito frustrante saber que são vários os governos que não demonstram qualquer vontade política para agir. E, à luz de factos ainda mais convincentes, existe uma questão que tem de ser colocada aos governos que, continuamente, adiam as suas decisões: por quanto tempo mais conseguem defender a vossa inacção?”, questionou em conferência de imprensa.

Opinião similar tem Bob Ward, director do Grantahm Research Institute da London School of Economics que, defendendo a clareza científica do relatório em causa, afirma que o mesmo “demonstra que se não se travar os níveis na atmosfera de gases com efeitos de estufa, seremos espectadores de um aquecimento ainda maior, a par de alterações dramáticas nos fenómenos climáticos extremos que, muito provavelmente, irão esmagar quaisquer tentativas que possam ser feitas por parte das populações humanas para se adaptarem aos seus impactos”.

Perdida que parece estar a batalha para reduzir os efeitos do aquecimento global – devido a batalhas ideológicas, lobbys políticos e uma incapacidade de o mundo se unir face a esta ameaça global – alguns cientistas afirmam que, dado ser já demasiado tarde para tomar as medidas que deveriam ter sido adoptadas há vários anos, o caminho fica cada vez mais perto de uma estratégia de “adaptação”. Tal significa que o enfoque deverá ser colocado em encontrar formas de se aprender a viver com ondas de calor, com o aumento dos níveis das águas e zonas costeiras inundadas, a par de menos quantidades de água disponíveis e menos recursos alimentares. De salientar que o relatório alerta também para o facto de não serem só os fenómenos climáticos a contribuir para o aumento da factura a pagar, mas também o crescimento populacional e as migrações causadas pela vulnerabilidade crescente das áreas costeiras.

No que respeita a estratégias preparatórias para se lidar com os desastres decorrentes dos fenómenos climáticos extremos, o relatório enumera algumas, mas não de forma extensa (a versão final deste documento só será publicada em Fevereiro de 2012). Assim, a construção de barreiras que impeçam a força devastadora das cheias – nas zonas com maiores probabilidades de serem afectadas -, o investimento em sistemas meteorológicos mais modernos e eficazes que permitam fazer soar os alertas de uma forma mais prematura, a melhoria dos fornecimentos de água e a educação das comunidades mais afectadas por estas condições extremas são algumas das soluções apresentadas pelos cientistas do IPPC. O relatório aponta também para a necessidade de se investir em formas de adaptação, de que são exemplo algumas técnicas agrícolas, que poderão funcionar como estratégia de mitigação “prendendo” o carbono nos solos.

Como já foi anteriormente citado, o presente relatório não foi publicado nesta altura por um mero caso. Em vésperas da Cimeira de Durban, muitos defensores do clima, a par das grandes seguradoras  – extremamente afectadas pelos crescentes prejuízos decorrentes dos fenómenos climáticos extremos – e de fortes grupos empresariais, os dados apresentados no relatório são já citados para, mais uma vez, chamarem a atenção dos líderes globais para a seriedade desta ameaça. E os grandes investidores, em particular, pretendem com uma urgência cada vez maior que os governos lhes confiram sinais consistentes de que estão realmente a trabalhar na transição de uma economia global que privilegie, no seu âmago, políticas de baixo carbono.

Editora Executiva