A revisão da Estratégia Europeia 2030 para a Biodiversidade e a política ambiciosa da Comissão Europeia para o Pacto Ecológico Europeu / Green Deal são exemplos cabais, claros e convincentes de que alguém já está a ver, e muito bem, o novo ‘filme’ que está na fase de teasers e trailers mas que em breve vai estrear em milhares de salas por ai fora. A construção de uma nova ‘Economia de Base Natural’ vale milhões, muitos milhões e ajudar a restaurar uma sociedade em perigo é o maior dos prémios
POR NUNO GASPAR DE OLIVEIRA

Corria o último mês do já distante ano de 2000 (credo, foi há quase 20 anos!), quando tive a curiosa oportunidade de participar num conhecido concurso televisivo onde se podiam ganhar uns dinheiros a responder certo a perguntas de cultura geral. A coisa estava a correr menos mal, até que, pela primeira vez na história do concurso, houve um pedido de ajuda do público em que apareceram duas hipóteses empatadas! Digamos que a minha carreira como jogador acabou mesmo por ali. Mas ficou uma lição preciosa: o acesso a informação de qualidade, na altura certa, tem muito valor!

Como provavelmente deverão ter reparado, acesso a informação de qualidade era capaz de ter dado um enorme jeito nos últimos meses, onde graças a um minúsculo vírus chamado SARS-COV-2, mais conhecido pela doença que causa a COVID-19, o nosso mundo virou-se do avesso e expos as entranhas de uma economia frágil, deficitária e absolutamente dependente da ‘movida’ externa, nomeadamente do comércio internacional e do turismo. Esta pequena entidade de cadeia simples de RNA obrigou-nos a um enorme time-out, com tudo o que de bom, mau, assim-assim e péssimo que isso implica. Ainda estamos a tentar perceber esta pandemia que infetou (e continua a infetar) milhões, matando uma (felizmente) pequena parte pelo caminho e deixando a grande maioria dos infetados recuperados na incerteza de terem ficado ou não imunizados ou terem ou não efeitos colaterais visíveis ou por manifestar… Ainda estamos a tentar perceber o que sobrou da sociedade pós-COVID e o que serão estes novos e estranhos dias que nos encontraram (bem que o Jim Morrison nos tinha avisado).

Olhando para o que foram estes meses, o que vemos à primeira vista? O sistema escolar teve que se reinventar e milhões de crianças e jovens tiveram que recriar uma ‘escola’ em cada casa; milhares de empregos e negócios que pareciam fadados a crescer e proliferar implodiram, outros ficaram de joelhos; o sistema de proteção de idosos está dolorosamente decadente e com tiques de obsolescência do século XX que teimam em não desaparecer; viagens e turismo passaram de motor económico a risco de contágio, a hospitalidade e capacidade de absorver visitantes de forma amigável tornou-se um jogo de roleta-russa e os milhões de horas de reuniões estratégicas presenciais, viagens de negócios e participação in vivo em seminários cheios de VIPs e etc tornaram-se coisas completamente retrógradas e até anti-higiénicas.

Muito do que era essencial afinal era essencialmente redundante, fóssil, anacrónico, inadequado ou perigoso. Mas, e lá do outro lado da janela, lá fora, como foram as coisas? Se fizermos um zoom out (uma piada que funciona muito melhor nestes tempos de quarentena, em que muitos de nós o que querem mesmo é livrar-se de horas infinitas de Zoom in), vemos que à nossa volta, o mundo continuou.

Os processos naturais seguiram o seu rumo, as plantas cresceram bem numa primavera generosa de água, os rios mantiveram-se a funcionar, as marés subiram e desceram, as aves migratórias regressaram do sul e as folhas das árvores continuaram a fazer a fotossíntese. O planeta não parou, mas até agradeceu que tivéssemos abrandado por uns minutos. Claro que isto não ia durar e, assim que pudemos, voltámos à carga bruta e dura sobre os sistemas ecológicos e recursos naturais, não tivéssemos sido assim forjados, quem disso tiver dúvidas só tem de ler umas entrevistas ou (idealmente) uns livros do enorme Yuval Noah Harari e perceber que espécie de espécie é o sapiens. Spoiler Alert: fascinante, iluminador, aterrador e algo constrangedor, aqui entre sapiens, que mais ninguém nos lê.

Com tanta palavra sobre economia, dei por mim muitas vezes a ponderar o valor das coisas e, em vez de imaginar o que podemos continuar a comprar, pus-me a pensar no que não podemos mesmo perder. No topo da lista, a nossa família e entes queridos, confinados e assustados. A seguir, a segurança pessoal, os empregos, os rendimentos e, claro, a saúde. Veio então a vez de contabilizar a água e comida que vai aparecendo na mesa e que dá tantas vezes a ideia de que nasce num qualquer supermercado ou serviço básico. Mas não, a água, o alimento, a paisagem, a regulação climática, o prazer de disfrutar de um espaço verde, a antecipação por um passeio à beira mar ou no campo, o zumbido das abelhas nas flores do jardim, a terra onde fazemos crescer um pouco de ervas aromáticas ou alguns legumes, tudo isto tem imenso valor, social, ecológico e económico, claro está.

Se da água e alimento ainda temos noção do preço, já das abelhas, flores silvestres e os seus milhentos aromas (alguns dos quais valiosíssimos para as indústrias da cosmecêutica e nutracêutica), matas frescas com ribeiras, praias com rochedos e areais, proteção contra cheias, tempestades e incêndios, regulação de pragas e auxiliares das nossas culturas, entre tantos outros serviços, bens e produtos que a natureza nos presta com a sua biodiversidade e ecossistemas, pouco ou nada sabemos acerca do seu valor económico, porque do seu valor social e ecológico ninguém duvida. Mas falando em euros, vil metal, vale o quê? Milhões, meus caros, muitos milhões! Acumulam-se os estudos, trabalhos de avaliação e valoração económica dos serviços dos ecossistemas, de desenvolvimento da bioeconomia com base em recursos naturais silvestres, de integração do valor financeiro do capital natural no reporting das empresas e regiões e de inovação com base em soluções de base natural (‘nature-based solutions’).

A revisão da Estratégia Europeia 2030 para a Biodiversidade e a política ambiciosa da Comissão Europeia para o Pacto Ecológico Europeu / Green Deal são exemplos cabais, claros e convincentes de que alguém já está a ver, e muito bem, o novo ‘filme’ que está na fase de teasers e trailers mas que em breve vai estrear em milhares de salas por ai fora. Venha daí jogar e ser protagonista neste fabuloso concurso, edição ‘Recuperação Verde’ e venha jogar ao ‘Quem Quer Ser Bio-linário’. Espero que a vós ninguém vos ‘empate’ e possam seguir, em grande estilo e com a melhor companhia, rumo ao melhor prémio que existe: o de ajudar a restaurar uma sociedade em perigo e de colaborar na construção de uma nova ‘Economia de Base Natural’.

Biólogo e CEO da NBI – Natural Business Intelligence