O vício do jogo online, em que se vive em constantes cenários virtuais, vai ganhando cada vez mais utilizadores, principalmente jovens. Coloco a seguinte questão: o que é que está a levar cada vez mais pessoas a usarem o jogo, a fotografia e a imagem como fuga da realidade? É por este caminho e neste exercício que temos de começar a questionar e a «partir pedra». A vida constrói-se na realidade que chama sempre por nós sem aparências
POR MARGARIDA TEIXEIRA DE SOUSA

Há umas duas semanas conversava com um amigo quando subitamente me pergunta «já sabes da minha novidade?». Fiquei surpreendida e respondi que não. «Estou noivo!». Fiquei naturalmente muito contente por ele e pela noiva, que também conheço. Dei-lhe um grande abraço e conversámos sobre o casamento. Comentei intrigada «mas por acaso não me lembro de ter visto nada a anunciar nas tuas redes sociais…», ao que me respondeu «Ah, não pusemos»; «como assim, não houve uma fotografia de noivado nas redes?», perguntei com estranheza. Afinal todos o fazem, hoje em dia, nem que seja pelo «repost» quando surge a identificação; por outro lado senti encanto por haver pessoas fiéis à sua verdade. Há muito tempo que penso neste tema das redes e decidi escrevê-lo, também a propósito do Dia Mundial das Redes Sociais.

Estou pelas redes sociais (há mais tempo pelo Facebook) desde os meus 15 ou 16 anos, por vezes com mais frequência, por vezes mais desligada. Não pretendo fazer juízos de valor a quem está ou não nas redes, pois cada um terá as suas razões. Apenas partilho algumas preocupações e leitura na minha óptica de utilizadora e a trabalhar recentemente na área da comunicação.

A minha primeira preocupação é o essencial vs. o excesso. Ainda este ano fiz a experiência de estar um mês «out» das redes (Instagram, Facebook e Linkedin) porque sentia necessidade deste «detox». Percebi que gastava demasiado tempo a fazer «scroll», sobretudo por conteúdos que não me interessavam, e muito viciada neste «scroll». Ao mesmo tempo calculei que esta experiência pudesse correr mal, porque aliado ao vício do «scroll» vinha o meu FOMO (Fear Of Missing Out) de querer saber as tendências, «quem diz o quê», «onde anda quem» e as próprias notícias que apenas acompanhava por um click no Instagram.

Desliguei-me. Olhando agora para trás, para esse mês específico, e achando que tinha tudo para correr mal (scroll e FOMO), foi o mês que me senti mais tranquila e com menos ansiedade. Apenas me mantive ligada ao whatsapp e às notícias que ia lendo pelas apps dos jornais.

«Ah e coisas das redes que até podem ser importantes?» – o que era mesmo importante, vinha sempre em partilha por alguém ou num grupo.

Regressei às redes ao final de um mês por razões profissionais. A minha reacção automática foi: «o que é isto?» num sentimento desmedido de surpresa e vergonha alheia. Não estava acreditar e afirmo-o apenas para descrever o que senti. Refiro-me especialmente ao Instagram.

Há de facto um exercício enorme de distinção entre o que é o essencial e o excesso de vida que postamos nas redes sociais; fica o convite a esta reflexão. É um desafio difícil àquilo que nos apetece, ao impulso, ao «ficar bem na fotografia», mas uma preocupação que sinto por um bem maior que é a liberdade interior de cada um, e que eu própria não estava a ter.

A minha segunda preocupação é a realidade vs. ficção. Penso que possa também ser uma leitura óbvia de quem navega pelas redes e que acaba por estar ligada à minha primeira preocupação.

As redes sociais não são a vida real nem reflectem o que a vida real é. As redes sociais reflectem aquilo que eu quero que os outros vejam. Todos nós já o sabemos, mas continuamos a alimentar a máquina. Porquê?

Pela minha leitura, o fenómeno do Tiktok veio comprovar isto mesmo. A segunda rede social mais usada em Portugal, entre jovens dos 18 aos 24 anos, entra a ganhar no mercado, não só pelo hub de entretenimento que é, mas pelo jogo, que arrasta milhares de gamers. Reparem que também já aparece a opção de jogos no Facebook, a rede de maior alcance e a mais usada actualmente em Portugal (desde os 18 anos aos 55 +). O vício do jogo online, em que se vive em constantes cenários virtuais, vai ganhando cada vez mais utilizadores, principalmente jovens. Coloco a seguinte questão: o que é que está a levar cada vez mais pessoas a usarem o jogo, a fotografia e a imagem como fuga da realidade? É por este caminho e neste exercício que temos de começar a questionar e a «partir pedra». A vida constrói-se na realidade que chama sempre por nós sem aparências. Talvez seja o maior desafio que vivemos e viveremos nesta era digital, e que precisamos de estar atentos: como é que, a começar por mim, a realidade e a relação humana, não é superada pela construção da ficção e pela superficialidade da relação?

Por último, a minha terceira preocupação, a necessidade de opinião vs. a necessidade do silêncio.

Hoje em dia basta abrir o Linkedin para perceber os inúmeros artigos que circulam; os comentários no Facebook com manifestações de amor e ódio que qualquer um faz (isto dava outro tema); as stories no Instagram; os posts no Twitter. Estamos a viver numa era em que cada um quer definitivamente dizer algo, expressar e deixar uma mensagem: as suas crenças, tendências, visão… há a evidente necessidade de afirmar uma identidade e preocupa-me o facto de serem as redes o lugar desta necessidade de afirmação e opinião, depois sujeita a um algoritmo, que já sabemos que reflecte aquilo que eu quero que os outros vejam, mas ainda assim continuamos a idolatrar pessoas (influencers) a imagem e o sucesso, como se de uma montra dependesse aquilo que eu sou.

E se de facto há uma procura e afirmação da identidade, que é legítimo e cada um terá o seu percurso, embora seja mais um factor espiritual (consequentemente pessoal e social) dominante e transversal destes tempos, é através da escuta, e do silêncio que se vai edificando o que verdadeiramente somos. E é importante sermos conscientes destes movimentos interiores e exteriores que vão acontecendo no mundo e em nós.

Para concluir, e espero que não interpretem mal, e afirmo mais uma vez que não escrevo para criticar quem usa ou não as redes, até porque as redes sociais vêm mesmo para ficar (basta ver pelo Facebook e todas as outras que posteriormente apareceram) em que pessoalmente também tiro proveito de compras online e notícias quase ao minuto, que me são úteis; deixo apenas as minhas preocupações (incluo-me em todas) pela forma quase absoluta como as usamos, e que se relativizarmos a nossa presença online, tendo coragem de a equilibrar e confrontá-la com a nossa verdade, e o essencial das nossas prioridades, da nossa forma de ver o mundo, e essencialmente das nossas relações, seremos muito mais livres, felizes e interessados genuinamente nos outros.

MARGARIDA TEIXEIRA DE SOUSA

Licenciada em Gestão e Mestrado em Empreendedorismo e Inovação Social. Trabalha na ACEGE