Olhando para o futuro que se aproxima a passos largos, as previsões para o futuro da Internet não são muito pessimistas. Todavia, um número considerável dos 1400 especialistas inquiridos pelo Pew Research alertou para algumas temáticas que geram preocupação e que poderão resultar em verdadeiros problemas para a web tal como a conhecemos
Por HELENA OLIVEIRA

© DR

O Pew Research Internet Project convidou milhares de especialistas em tecnologia e comportamento online para aferir as principais ameaças que espreitam a Internet até ao ano de 2025. No geral, os especialistas inquiridos atrevem-se a afirmar – ou, mais concretamente, a manifestar esperança – que até 2025 não existam alterações negativas de peso ou obstáculos à forma como as pessoas acedem a conteúdos e os partilham, acrescentando igualmente que esperam que a inovação tecnológica possa continuar a abraçar novas oportunidades para as pessoas comunicarem entre si.

Todavia, são suficientes aqueles que também expressam níveis elevados de preocupação de que esta ânsia por uma Internet aberta e acessível a todos possa vir a ser prejudicada por tendências que poderão causar algum tipo de disrupção na forma como a mesma funciona: mais exactamente, como uma fonte, sem restrições, de fluxos alargados de conteúdos.

Os especialistas identificaram, assim, algumas destas tendências, as quais o VER resume de seguida. Caso o leitor tenha interesse numa análise mais completa e alargada no que a estas temáticas diz respeito, poderá aceder ao dossier que o Pew Research Internet Project divulgou recentemente.

.
.
© DR
.

Ameaça 1
As acções levadas a cabo pelos países para manterem a segurança e o controlo político irão conduzir a mais bloqueios, filtros, segmentação e fragmentação
Os cerca de 1400 especialistas [alguns deles optaram por manter o anonimato nas respostas]que responderam ao inquérito do Pew Research mencionaram uma tendência global, e cada vez mais alargada, no sentido de uma regulação da Internet, em particular por regimes que já tiveram de enfrentar protestos populares e que, por isso mesmo, aumentaram a vigilância dos seus cidadãos utilizadores da internet. Em particular, os especialistas chamaram a atenção para países como o Egipto, o Paquistão e a Turquia, os quais bloquearam – e bloqueiam – os acessos dos cidadãos de forma a controlar os fluxos de informação quando consideram os conteúdos partilhados como uma ameaça aos regimes que dirigem.
Adicionalmente, e como sabemos, a China já é conhecida como a “Grande Muralha de Fogo”, na medida em que a censura à Internet é praticamente encarada com banalidade. Outros respondentes citaram igualmente a Primavera Árabe como um bom exemplo do poder da Internet para organizar dissidências políticas, bem como as repressões imediatas levadas a cabo pelos governos correspondentes para as travar. Outros ainda identificaram também orientações gerais, por parte de alguns governos, que limitam a troca de informação com o objectivo de travarem as actividades criminosas.

Um número considerável dos inquiridos mencionou igualmente as revelações explosivas tornadas públicas por Edward Snowden sobre a Agência de Segurança Nacional norte-americana (NSA) no que respeita à vigilância do email e aos registos telefónicos.

Outros participantes previram que as diferenças regionais em termos políticos e culturais irão, de forma contínua, gerar esforços para dificultar o acesso e a partilha online. Como escreveu um professor da Georgetown University, “dada a natureza global do fluxo de dados, os interesses paroquiais nacionais podem transformar-se num grande obstáculo. A iniciativa para a privacidade da União Europeia, por exemplo, poderá vir a constituir um problema grave. Os nacionalismos – e os interesses soberanos – devido a boas razões (protecção da privacidade) ou devido a más (proteccionismo económico) – são claros e apresentam verdadeiras ameaças”, afirma.

Todavia, e entre os 1400 especialistas que responderam às questões sobre o futuro da Internet, existem também muitos optimistas. Por exemplo, Paul Jones, um professor da Universidade da Carolina do Norte e fundador da ibiblio.org, afirma: “as tendências históricas demonstram que, à medida que os meios de comunicação vão amadurecendo, o controlo acaba por superar a inovação. Mas desta vez será diferente. Com algumas guerras, é claro. Mas prevejo que, nos próximos 10 anos, seremos crescentemente globais e envolvidos. A tecnologia será responsável por mais esta mudança. Não será uma revolução sangrenta mas, em todo o caso, não deixará de ser uma revolução”.

Outro optimista é Kevin Carson, pertencente ao Center for a Stateless Society e colaborador do blogue da Fundação P2P, que escreve: “está a ser desenvolvido muito trabalho em versões de medias sociais feitas em open source, interoperáveis e encriptadas, em resposta ao autoritarismo crescente e à colaboração com o Estado por parte de vários tipos de media de ‘jardins murados’”.

© DR

Ameaça 2
A confiança evaporar-se-á devido às revelações que têm vindo a público sobre a vigilância governamental e empresarial
Uma boa parte dos especialistas consultados aponta para uma nova urgência no que respeita à vigilância, prevendo que, caso não se tomem medidas adequadas, a monitorização de quantidades astronómicas de actividade online limitarão a partilha e o acesso ao conhecimento na web.

Para Peter S. Vogel, especialista em Direito da internet na firma Gardere Wynne Sewell, “as questões da privacidade constituem a maior ameaça ao acesso e partilha de conteúdos na internet em 2014, não existindo motivos suficientes para se acreditar que esta tendência irá melhorar em 2025, em particular devido às ameaças de ciberterrorismo que confrontam os utilizadores e as empresas em todo o mundo”. Raymond Plzak, antigo CEO do Amerian Registry for Internet Numbers e actual membro do conselho de administração do ICANN, escreve: “a protecção inconsistente da privacidade, independentemente do facto de a informação ser voluntariamente fornecida ou não, em conjunto com a protecção inconsistente contra os abusos, continuará a ser o veneno de um ambiente interligado. A incapacidade das entidades locais, regionais, nacionais e internacionais, sem esquecer o sector público e o privado, para cooperarem com vista à produção de um ambiente universal que respeite a privacidade e a ausência de abusos irá, muito provavelmente, aumentar a probabilidade de se limitarem as actividades de acesso e partilha de informação”.

O contra-argumento optimista é exposto por Oscar Gandy, professor emérito na Annenberg School, da Universidade da Pensilvânia, que declara: “os limites regulatórios na utilização de informação gerada por transacções [TGI, na sigla em inglês, e que se refere à informação que é automaticamente registada sempre que se faz uma compra por cartão de crédito, telefonemas, etc.], que poderão incluir até multas e exclusões temporárias do mercado, poderão servir para reduzir a quantidade de danos reconhecidos a indivíduos, grupos e instituições que confiam na web no que respeita à informação e interacção. O desafio, como é lógico, reside na nossa capacidade de identificar esses danos com clareza suficiente para que a regulamentação possa ser eficaz sem que, em simultâneo, haja uma limitação da funcionalidade da rede”.

© DR

Ameaça 3
As pressões comerciais afectam tudo, desde a arquitectura da própria Internet até ao fluxo de informação, o que poderá colocar em perigo a estrutura aberta da vida online
Um número significativo de respondentes acredita que a crescente monetização das actividades na Internet irá prejudicar as formas mediante as quais as pessoas receberão a informação no futuro. Entre as suas principais preocupações, destacam-se: o futuro da neutralidade da rede; as restrições nas trocas de informação afectadas pelas protecções de direitos de autor e das leis das patentes; e a ausência geral de previsão e capacidade, por parte dos governos e das empresas, para criar melhores soluções para o futuro digital devido ao enfoque nos ganhos de curto prazo.

Estas inquietações no que respeita às influências comerciais e que estão a alterar as experiências online foram expressas por alguns dos próprios arquitectos da Internet. David Clark, cientista e investigador do Laboratório de Inteligência Artificial e Ciências Computacionais do MIT, declara: “a comercialização das experiências poderá limitar as expectativas que muitas pessoas têm dos propósitos da Internet”. Ou, como acrescenta Glenn Edens, director de pesquisa em redes, segurança e sistemas distribuídos do Palo Alto Research Center (PARC), “os desejos dos operadores de redes em monetizar os seus activos em detrimento do progresso representa o maior potencial problema. Capacitar os criadores de conteúdos para que atinjam de forma mais fácil e directa as suas audiências, desenvolver melhores ferramentas de pesquisa, melhores mecanismos de promoção e ferramentas de curadoria – ou, por outras palavras, desmantelar os ‘intermediários’ é a chave”.

Apesar de não existir ainda uma definição clara da denominada “neutralidade da Net”, esta é geralmente expressa como a ideia de que a melhor rede pública deveria ser operada de uma forma que permitisse tratar os emissores os receptores de conteúdos de uma forma tão igualitária como aquela que é tecnologicamente possível, ao mesmo tempo que se mantêm os fluxos de informação. Neste caso, os objectivos corporativos para servir os clientes e accionistas poderão entrar em conflito com esta “democracia”.

Um conselheiro chefe de uma grande fundação escreveu: “as práticas coniventes e anticoncorrenciais dos operadores de telecomunicações ameaçam a recriação de uma Internet controlada pelas pessoas”; e um pós-doutorado acrescentou: “estamos a assistir a um aumento crescente de ‘jardins murados’ criados por gigantes como o Facebook ou a Apple (…) A comercialização da internet, paradoxalmente, é o maior desafio para o crescimento desta última. E os lóbis das redes de comunicações contra a neutralidade da Net consistem no mais claro exemplo disto”. PJ Rey, um candidato a doutoramento em Sociologia na Universidade de Maryland, escreveu ainda: “é muito possível virmos a assistir ao enfraquecimento do princípio da neutralidade da Net: num paradigma no qual o dinheiro é igual ao discurso político reside a dúvida de quanto é que os ISPs e os fornecedores de conteúdos estão dispostos a pagar no que respeita à defesa dos seus interesses concorrenciais. Infelizmente, os interesses dos utilizadores contam muito pouco nesta equação”.

Do lado optimista, todavia, o futurista Josh Calder, da Foresight Alliance, expressa a sua confiança de que as ameaças à neutralidade da Net possam ser “desviadas”:”a fragmentação com base no controlo corporativo dos conteúdos e dos pipelines parece ser o maior perigo, pelo menos no mundo desenvolvido. Mas acredito que serão tomadas medidas para evitar barreiras ao fim da neutralidade da Net e ao crescimento contínuo dos ‘jardins murados’, o mesmo acontecendo com o controlo dos perigos do cibercrime, para que o acesso aos conteúdos não seja significativamente dificultado”. Mais optimista ainda é Clark Sept, co-fundador e responsável da Business Place Strategies Inc., o qual afirma que “o acesso e a partilha de conteúdos serão ainda melhores e mais facilitados através dos direitos digitais pessoais. A partilha livre será reconhecida como detentora de um maior valor económico de longo prazo comparativamente aos controlos restritos e limitados aplicados à ‘propriedade intelectual’”.

© DR

Ameaça 4
Esforços para resolver o problema TMI (de Too Much Information) poderão mais do que compensar e até impedir/dificultar a partilha de conteúdos
Uma outra ameaça possível questiona se as tentativas das pessoas lidarem com o excesso de informação poderão conduzir a limitações no fluxo de conteúdos. Os respondentes argumentam que os sistemas de filtragem com base em algoritmos, inspirados pelas tentativas para gerir vastas quantidades de informação, podem ter consequências tão negativas como positivas para a internet, especialmente quando a maioria das empresas de serviços de filtragem possui incentivos económicos para apresentar a informação mediante uma forma particular.

John Halpern, um reconhecido engenheiro da Ericsson, escreveu: “apesar de existirem pressões para limitar a partilha de informação (por parte dos governos e dos fornecedores de conteúdos tradicionais), a tendência para que esta seja ainda mais largamente acedida, consumida, modificada e redistribuída deverá continuar até 2025. (…) O maior desafio será, muito provável, o problema de se encontrar conteúdos interessantes e significativos na altura em que deles precisamos. E se este factor é particularmente relevante quando se pesquisa informação científica ou médica, o mesmo é também aplicável à procura de restaurantes, de música ou de qualquer outra coisa que tenha a ver com as nossas preferências e gostos. E se por um lado o big data promete resolver este problema, existem ainda muitas limitações e riscos inerentes a este tipo de ferramentas”.

Nesta ameaça em particular, o Pew Research não recebeu nenhum contra-argumento optimista, mas as respostas de alguns especialistas apontaram para a ideia que os algoritmos e a analytics, em conjunto com as estratégias das próprias pessoas irão melhorar e produzir um equilíbrio relativamente feliz entre aquilo que realmente se deseja encontrar e á exposição de novas ideias e materiais que poderão apreciar.

Editora Executiva