Um pouco por toda a parte e de forma crescente, têm surgido iniciativas a pensar naqueles que não correspondem aos padrões comuns de “normalidade”. Ou porque realmente vivem com incapacidades profundas ou simplesmente porque não obedecem aos parâmetros considerados desejados no que respeita às “leis” de aprendizagem ou de comportamento. A sorte é que, nestes – e noutros – casos, a tecnologia pode dar mesmo uma excelente ajuda
POR
MÁRIA POMBO

Não existem dados precisos que nos permitam concluir que a inclusão está na moda. Mas, a ser verdade, que assim permaneça por muito tempo. No entanto, é possível afirmar que são já muitos aqueles que parecem estar agora mais atentos às questões da “diferença” e que têm surgido diversos projectos, um pouco por toda a parte, a pensar em crianças que, por exemplo, têm dificuldades em estar durante um par de horas a ouvir o professor e a assimilar a matéria, numa sala de aula comum, ou que não conseguem simplesmente reproduzir a mensagem que o seu cérebro deseja transmitir.

No primeiro caso, são muitas as vozes que se elevam e chamam má educação à irrequietude, enquanto outras reclamam tratar-se de hiperactividade. Complementarmente, e no segundo caso, existem doenças ou síndromes ainda mais incapacitantes, como o autismo ou a paralisia cerebral, que exigem cuidados maiores, soluções mais eficazes e uma maior dedicação por parte dos educadores e cuidadores no que respeita à promoção de bem-estar deste segmento populacional. Seja como for, independentemente da incapacidade ou da dificuldade de cada um, a educação é um direito de todos e está consagrada no art. 26º da Declaração Universal dos Direitos do Homem.

Com a tecnologia a fazer parte do dia-a-dia de milhões de pessoas de várias faixas etárias e “classes sociais”, há quem esteja a usá-la – e muito bem – para tornar mais fácil o dia-a-dia de quem tem mais dificuldade em aprender da forma tradicional.

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Um bom exemplo desta utilização “benéfica” é o projecto WizeFloor, um software interactivo desenvolvido pelo Alexandra Institute e que, sob o mote “discovering by moving”, permite que as crianças aprendam enquanto se movem. Imaginemos uma sala de aula sem mesas e cadeiras e em que o chão se transforma numa espécie de piano gigante em que cada tecla representa um número, um som, uma letra ou uma cor diferentes. Ao saltarem de tecla em tecla, os alunos são estimulados a fazer cálculos, a agrupar letras para formar palavras, associando-as aos sons que as mesmas produzem, ou até a aprender a distinguir as diversas tonalidades.

Adicionalmente, os alunos têm a oportunidade de gastar energias, praticar exercício físico de uma forma divertida e interagir com outras crianças, criando laços de empatia e espírito de equipa. As possibilidades são variadas e podem adequar-se às necessidades específicas de cada criança ou grupo, de acordo com as capacidades que o educador pretende trabalhar ou desenvolver. O WizeFloor traduz-se num verdadeiro estímulo à aprendizagem por parte de crianças com diversas dificuldades e perfis, possibilitando que nenhum aluno deixe de aprender por ser considerado mal comportado ou desatento.

Estimular a actividade física, a interacção, a colaboração e comunicação, a aprendizagem, a motivação e a criatividade é o principal objectivo desta tecnologia, a qual funciona através de um projector que está fixo no tecto e cuja principal inovação está no tipo (e na abrangência) de jogos que podem ser escolhidos e na facilidade mediante a qual essa escolha é feita.

O software foi concebido para ser utilizado em centros de dia e escolas, essencialmente por crianças e jovens com necessidades educativas especiais, e esteve presente na mais recente edição da Bett Exhibition – uma feira de “Tecnologia na Educação” promovida recentemente pela Microsoft, entre os dias 20 e 23 de Janeiro, em Londres. Este evento apresenta anualmente uma vasta gama de projectos inovadores que podem ser experimentados e testados pelo público, permitindo ainda que os visitantes ouçam e conheçam personalidades verdadeiramente inspiradoras nesta área. Adicionalmente, através dos Bett Awards, algumas das iniciativas são reconhecidas em diversas categorias, de que são exemplo Projectos para a Infância ou Primeiro Ciclo, Soluções para Cuidados Educativos Especiais, Conteúdos Digitais de Utilização Gratuita, entre outros.

O WizeFloor foi um dos nomeados da edição deste ano, na categoria de Ferramentas TIC na aprendizagem, ensino e avaliação não baseadas na web, tendo em conta a aprendizagem colaborativa que potencia e também a facilidade com que as crianças e os educadores podem aceder aos mais diversos jogos didácticos.

No Bett Blog, Anthony Coxon, especialista em ferramentas educativas com recurso à tecnologia, explicou que a tecnologia é uma ferramenta bastante útil aos professores na descoberta das necessidades específicas de cada aluno. Para o co-fundador da plataforma GCSEPod, “identificar défices de conhecimento dos alunos de uma forma mais eficiente e rápida” é a principal mais-valia do uso da tecnologia por parte dos professores, permitindo-lhes “encontrar os meios mais adequados para colmatar e trabalhar as falhas identificadas, fácil e rapidamente”.

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Os olhos transmitem (mesmo) o que o corpo por vezes não consegue

Um outro produto que melhora a vida de muitas pessoas e facilita a sua inclusão social é o Tobii Dynavox, do grupo Tobii. Concebido para ser utilizado por crianças e adultos com incapacidades mais profundas, como paralisia cerebral ou autismo, o Tobii é uma ferramenta interactiva que permite a comunicação entre estas pessoas “especiais” e o resto do mundo, melhorando exponencialmente a qualidade de vida de grupos que, por terem dificuldades em comunicar, são tantas vezes incompreendidos pelos próprios familiares, educadores e cuidadores.

Com recurso a um sistema de infravermelhos invisíveis que iluminam os olhos de uma forma segura, o Tobii consegue acompanhar a trajectória destes, a qual corresponde à mensagem que o utilizador pretende transmitir. Da mesma forma que as pessoas ditas “normais” conseguem usar o rato do computador com as mãos, estas pessoas “especiais” conseguem fazê-lo com o olhar, através desta ferramenta. Para além de melhorar a comunicação, porque facilita a interacção, este mecanismo permite que os seus utilizadores tenham acesso a ferramentas e conteúdos educativos e a uma panóplia de informação, nomeadamente através da internet. O facto de este sistema requerer que apenas os olhos se movam sem os utilizadores necessitarem de movimentar outros músculos, podendo assim ser usado por pessoas com as mais variadas condições ou incapacidades, traduz uma das suas principais vantagens.

Para os que têm alguma mobilidade (suficiente para manusear um rato de computador), esta marca tem disponíveis (e gratuitos) diversos programas, bem como jogos – os Tobii Dynavox Eyegames – e actividades lúdicas e didácticas aos quais os utilizadores podem aceder a partir de um qualquer computador ou tablet com acesso à internet.

Esta tecnologia tem vindo a ser desenvolvida há cerca de 25 anos e é actualmente utilizada por mais de 7 mil pessoas em todo o mundo. A variedade de produtos Tobii permite que cada utilizador encontre aquele que melhor se adequa às suas necessidades: os aparelhos mais elementares permitem a comunicação através de imagens, em que o utilizador olha, por exemplo, para os alimentos que deseja ingerir naquele momento; outros aparelhos permitem a formação de frases a partir de símbolos ou das próprias letras, caso os utilizadores “apontem” para as mesmas e formem palavras; outros ainda traduzem as palavras em sons, enquanto alguns mais sofisticados funcionam como verdadeiros tablets, permitindo ao utilizador ter uma perfeita autonomia para aceder a qualquer tipo de ficheiro ou conteúdo, sempre através dos olhos ou de comandos de fácil manuseamento, conforme as necessidades em causa.

Complementarmente, existem diversos modelos (equipamentos e também software) da mesma marca que ensinam a ler e que permitem que o utilizador aprenda as cores ou os números, estimulando a memória, o raciocínio e a concentração. Esta tecnologia é uma ferramenta que aumenta a autonomia e melhora a comunicação de pessoas com as mais variadas dificuldades motoras e intelectuais, incentivando a sua inclusão social e auto-estima.

Espelho meu, espelho meu, existe algum boneco como eu?

04022016_QuandoA3E porque a inovação não existe somente no universo tecnológico, mas também em objectos do dia-a-dia, e porque existem pais que persistem em encontrar brinquedos com os quais os seus filhos – portadores de características que os tornam aparentemente diferentes das restantes crianças – se identifiquem, foi lançada em Abril de 2015 a campanha de crowdfunding #ToyLikeMe, à qual se juntaram recentemente diversas marcas.

Esta campanha surgiu pela mão da antiga jornalista Rebecca Atkinson, cuja infância foi também ela marcada pela imensidão de bonecas “perfeitas” e com as quais, por usar aparelhos auditivos, não se identificava. A campanha encontra-se actualmente a percorrer o mundo – e nas bocas do mundo – visando apelar à indústria de brinquedos para que esta comece a representar os 150 milhões de crianças que, em todo o mundo, sofrem de deficiência ou algum tipo de “diferença”. Adicionalmente, e em última instância, este movimento pretende diminuir o nível de exclusão que as principais marcas de brinquedos praticam, aumentando a auto-estima das crianças.

O apelo às empresas foi feito através das redes sociais e de diversos meios de comunicação social. E foi desta forma que a empresa britânica Makie Dolls se associou ao movimento e ficou conhecida em diversos países. As suas bonecas – as makies – não são mais do que figuras impressas em 3D e costumizadas por encomenda, neste caso à imagem de algumas meninas com características únicas: umas têm lábios mais carnudos, outras têm angioma facial, outras usam muletas, óculos ou aparelhos auditivos, por exemplo.

Fotografar estas crianças “diferentes” ao lado das suas bonecas semelhantes foi uma forma que os promotores deste movimento encontraram para chamar a atenção da indústria de brinquedos para as problemáticas da deficiência e da diferença. E a verdade é que os efeitos desejados já começam a surgir. Gigantes como a Lego e a Playmobil, que se mostraram inicialmente relutantes em relação à ideia, estão agora mais entusiasmadas e comprometidas com a criação de bonecos diferentes, tendo começado ambos por produzir as suas respectivas figuras em cadeira de rodas.

Sendo recente, a campanha conta já com mais de 30 mil seguidores em 45 países, mantendo para já o objectivo de continuar a motivar a indústria dos brinquedos para a importância da diversidade. A criação de um website que servirá de agregador de bonecos que se afastam dos parâmetros “comuns” de perfeição e/ou normalidade e onde os utilizadores poderão trocar ideias e contactos entre si e com algumas empresas consiste no próximo passo da campanha.

Atenuar, para já, o tom depreciativo que tanto caracteriza esta diferença, ao mesmo tempo que se luta contra a indiferença dos que “ousaram nascer diferentes” é, sem dúvida, uma das inegáveis vantagens da tecnologia.

Jornalista