O voluntariado de competências será a grande força produtiva da Alice for Good, a primeira agência de publicidade em Portugal sem fins lucrativos dirigida a organizações sociais. Designers, copywriters, fotógrafos, ilustradores e outros criativos vão trabalhar a custo zero para conceber “publicidade com propósito” que, a partir do Brand Culturing For Change, garante a orientação do marketing por valores humanistas. Em entrevista, o CEO da Normajean, agência-mãe da iniciativa, sublinha a relevância da “construção de marcas que procuram um significado maior na sociedade”
POR GABRIELA COSTA

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O Brand Culturing for Change é uma forma de trabalhar que “assume o foco da criatividade enquanto ferramenta central na geração de ideias transformadoras para a humanidade”. Segundo Rodrigo Silva Gomes, muitas grandes multinacionais já não abdicam deste conceito e procuram uma agência de publicidade que amplifique as suas posturas mais sociais e humanistas.

Após sete anos de existência, a Normajean – Brand Culturing For Change reposiciona a sua estratégia e arranca em 2014 com o lançamento de uma nova agência de publicidade: a Alice for Good é a nova agência sem fins lucrativos dirigida a empreendedores sociais e instituições do terceiro sector que, materializando a política de RS da Normajean, tem como missão ajudar as organizações e os empreendedores sociais, oferecendo consultoria em comunicação e fornecendo, em permanência e pró Bono, recursos humanos e ferramentas para o acompanhamento dos seus planos de comunicação e para o desenvolvimento das suas campanhas de publicidade e ações de marketing.

A agência assenta a sua prestação de serviços em voluntariado de competências junto da comunidade de criativos, designers, fotógrafos, realizadores e outros profissionais nas áreas intelectual e artística, em articulação com as escolas de comunicação social, marketing e design. Reunindo mais de cem colaboradores voluntários em menos de 15 dias, a Alice for Good tem já o maior departamento criativo e de planeamento estratégico do País, como sublinha, em entrevista, o CEO da Normajean.

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Rodrigo Silva Gomes, CEO
da Normajean

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Como surgiu a ideia de criar em Portugal a primeira agência de publicidade sem fins lucrativos dirigida ao terceiro sector, e em que medida se enquadram os objectivos da Alice for Good no conceito da Normajean?
Tudo está a mudar. As pessoas estão a mudar. A maneira como compramos está a mudar. As grandes empresas estão a mudar. As marcas têm-se apercebido da pouca confiança que depositamos nelas e procuram uma postura mais social. E a publicidade? Estará a acompanhar verdadeiramente essa mudança? Na Normajean Brand Culturing For Change sentimos que não.

Muitos de nós, publicitários, continuamos ainda convencidos, lá no fundo, de que o plano final de qualquer filme, bem produzido e com uma foto de uma modelo sorridente faz sempre o milagre de empurrar os produtos para fora da prateleira. Isto leva as pessoas a desconfiarem mais da publicidade porque já não vão em tretas. Querem que se lhes fale com verdade e transparência. No caso da transparência não é tão pouco uma opção. Acontece, quer queiramos quer não, e nenhum produto se consegue esconder por detrás dos truques do antigamente.

Estamos a fazer bem menos do que devíamos e podemos. Por isso no Brand Culturing For Change procurámos criar uma metodologia de trabalho que incorpora incontornavelmente o bem. Ou seja, procura gerar ideias e trabalho com uma filosofia humanista que ajude os nossos clientes a garantir que o seu marketing será sempre orientado por valores. Muitas das grandes multinacionais já não abdicam desta postura e procuram uma agência que entenda estes temas da mesma forma e que queira trabalhar concebendo publicidade com propósito e que amplifique as suas posturas mais sociais e humanistas.

A Alice for Good surge como uma proposta da Normajean a todo o mercado, mais em concreto aos profissionais de publicidade e outros produtores de trabalho intelectual e artístico, para que se unam num projecto que mostre à sociedade como os seus contributos podem ajudar a mudar o mundo para melhor, cultivando pelo caminho um espaço de maior respeito pelo trabalho intelectual que tanto reclamam não terem.

É genérico o queixume pelo pouco valor que se atribui às ideias e pela forma como as contribuições artísticas são mal pagas em Portugal. Está aqui a oportunidade para mostrar como são sempre grandes ideias que resolverão os grandes problemas da humanidade.

No entanto, esses grandes problemas não se resolvem nem sem algum dinheiro, nem nos tempos livres e ao fim de semana. E assim surge a Alice. Estamo-nos a organizar como uma agência de publicidade tradicional e a oferecer a custo zero os nossos serviços regulares de agência ao terceiro sector e a projectos de empreendedorismo social. Trata-se de uma prestação de serviços para acompanhar o dia-a-dia das necessidades de comunicação dessas organizações. Não pretendemos numa primeira fase estar centrados em criatividade, mas sim em serviço. O voluntariado de competências (designers, copywriters, fotógrafos, ilustradores, realizadores, planeadores estratégicos, etc) que será a grande força produtiva, estará à partida de tal forma motivado e centrado em produzir trabalho fora de série que tal não será a preocupação central da estrutura de coordenação – essa profissional –, a qual terá que assegurar o fluxo normal do trabalho. A Alice for Good é assim a primeira agência sem fins lucrativos.

Menos de duas semanas após o lançamento da Alice for Good, “recrutaram” mais de cem voluntários para o projecto. Como avalia esta adesão e de que importância se reveste a componente de voluntariado de competências, para a prossecução da missão e actividade da nova agência?
O voluntariado é crucial para qualquer iniciativa sem fins lucrativos. Para a Alice também. Como referi, será o seu motor produtivo. Esperávamos uma adesão grande mas não tão grande. Podemos dizer que a agência já tem o maior departamento criativo e de planeamento estratégico do país. Mas ter muitos voluntários não é automaticamente sinal de sucesso. O mais difícil é montar um sistema de funcionamento que tire proveito desse enorme departamento. Esse é o grande desafio.

É aqui que a Normajean aparece como o principal garante de que o trabalho acontece sempre. Será uma espécie de retaguarda durante o primeiro ano e meio, até a Alice poder voar sozinha.

Estão a solicitar voluntários junto da comunidade de criativos, designers, fotógrafos, realizadores e outros profissionais em articulação com as escolas de comunicação social, marketing e design. De que modo pretendem “alertar a comunidade criativa para a revolução que temos que fazer na forma trabalhamos e como vemos o nosso papel na sociedade e no marketing”?
Como já descrevi, mas principalmente com bom trabalho e resultados para as organizações nossas clientes.

Que serviços e ferramentas de acompanhamento aos planos de comunicação e desenvolvimento e às campanhas de publicidade e ações de marketing das organizações sociais disponibilizam?
Todos aqueles que uma agência disponibiliza habitualmente aos seus clientes.

A Alice for Good arranca com quatro clientes da Normajean (Terra dos Sonhos, Voz da Criança, Pé de Feijão e o Verde Movimento), mas abrirão candidaturas para mais quatro clientes. Que critérios de admissão solicitam às organizações e empreendedores sociais para que estes usufruam dos serviços da Alice for Good durante, pelo menos, dois anos?
Dependendo da organização, são exigidas as apresentações de resultados dos últimos anos, impacto comprovado das suas iniciativas, planos para os próximos dois anos e outras informações genéricas. Quanto aos empreendedores sociais acrescentam-se elementos pessoais e curriculares dos próprios.

Depois de uma inscrição simples através do site é enviado um formulário mais completo à Alice, que fará a selecção ponderando principalmente o impacto potencial dos projectos e a urgência dos mesmos.

Após sete anos de existência, a Normajean reposiciona toda a sua estratégia com este lançamento. Como define a nova filosofia da agência para 2014, focada numa comunicação humanista que privilegia o marketing “de todos para todos”?
Como o trabalho em que acreditamos. Que promove um produto. Ajuda a resolver um problema social. Dá relevância à marca. Contribui para um mundo melhor. E por isso vende.

A criatividade na publicidade tem tudo a ver com a resolução de problemas e o entendimento de como gerar negócio. Esta criatividade pode aparecer na forma de anúncios de publicidade convencionais, aplicações mobile, desenvolvimento de produto, invenções, colaborações diversas e aí por diante.

As marcas têm-se apercebido da pouca confiança que depositamos nelas e procuram uma postura mais social

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Devemos pensar naquilo que verdadeiramente importa (that matters), procurando um significado maior (meaning), e atribuir-lhe um propósito (purpose), conseguindo assim provocar a mudança positiva (change) que procuramos. Daí, falarmos dentro de casa em Matter, Meaning, Purpose e Change.

E é aqui precisamente que entra o Brand Culturing for Change. Uma forma de trabalhar que assume o foco da criatividade enquanto ferramenta central na geração de ideias transformadoras para a humanidade, resolvendo os problemas comerciais pelo caminho. Ou seja, invertendo a lógica habitual de pensamento em que primeiro pensamos no comercial e só depois, “by the way”, poderemos vir a enquadrar uma qualquer questão social.

A maneira como a Normajean pretende ser reconhecida no mercado é como a agência que contribui para a construção de marcas que procuram um significado maior na sociedade. Se incorporarmos esta forma de pensar irredutivelmente a cada novo briefing que nos passarem, vamos com certeza provocar a mudança positiva que procuramos para futuro dos nossos clientes e para as gerações futuras.

Que contributo poderá dar ao crescimento económico e ao consumo, no actual contexto socioeconómico, o Brand Culturing For Change, o qual reconhece o conhecimento e capacidade crítica das pessoas na sociedade da informação, privilegiando a transparência na comunicação?
Tudo se resume a confiança. Partindo da própria economia. Quando há confiança nos agentes económicos, os mercados e o consumo reagem. Com as marcas passa-se o mesmo: quando há confiança vende-se mais.

Ajudando as marcas dos nossos clientes a aumentar a confiança das pessoas nos seus produtos, sempre com base na nossa permanente análise da envolvente cultural em que as mesmas se inserem (Brand Culturing), identificando os comportamentos que as pessoas valorizam nas empresas e que inspiram as nossas ideias de comunicação e negócio, vamos contribuir para um aumento efectivo do bottom line.

A questão é que tudo assenta sempre no diálogo que as empresas conseguem estabelecer com as pessoas. Devem começar por identificar temas de interesse comum e pedir licença para entrar na conversa, tentado a partir daí que se estabeleça uma relação. Quando existe uma autorização permanente para fazer parte da conversa é mais fácil ir fazendo propostas comerciais e as mesmas serem aceites. É como nas amizades: acatamos mais facilmente a opinião de um amigo próximo do que a de alguém que cada vez que se aproxima de nós é para nos impingir a última Coca-cola do deserto.

Quanto à transparência, como disse, não se trata de uma opção. Ou aprendemos a tirar proveito dela, ou somos engolidos por ela. Hoje em dia não há um mau produto que não seja desmascarado ao fim de umas horas nas redes sociais e as pessoas não perdoam erros desses, ou como o da Pepsi com o Ronaldo ou o da blogger Pépa Xavier com a Samsung. O mundo é transparente.