O clima não é de brincadeira. Os avisos sucedem-se e a humanidade continua o seu caminho impávido para a aniquilação. Não é um discurso catastrofista; é uma triste constatação do que sucede diariamente. São apenas palavras que se ouvem. Palavras mais palavras mais palavras, que, por mais que se adicionem continuamente, nunca poderão vir a constituir uma acção. O poder do verbo não é newtoniano
POR PEDRO COTRIM

A administração Biden prepara-se para mais um grande atentado ambiental: no dia 13 de Março aprovou o Willow Project. Parece mentira, mais uma fake new neste mundo de informação desencontrada. Mas é real. A janela para actuar sobre o clima fecha-se muito rapidamente. Um novo projecto de exploração de combustíveis fósseis torna muito mais difícil para a humanidade fazer o que é necessário para evitar mudanças climáticas ainda mais catastróficas.

O Bureau of Land Management, uma autoridade federal apresenta um relatório onde se calcula que o desenvolvimento deste projecto significa despejar para a atmosfera 300 milhões de toneladas métricas de CO2 nos próximos 30 anos. Em termos mais quotidianos, significa acrescentar à enorme frota terrestre de automóveis com motor de combustão cerca de 2 milhões de carros familiares para serem usados durante estes 30 anos.

Cada vez os números nos fazem menos sentido; aumenta a sua magnitude, desaparece a nossa percepção. Sabemos, no entanto, que o planeta é finito e que lhe estamos sempre a ir aos bolsos. O problema é que os bolsos do planeta têm a nossa salvação, e um dos importantes está precisamente no Árctico, local deste infame projecto Willow.

Julgou-se que os nortes do planeta aqueciam duas vezes mais depressa que o restante, em grande parte devido a um ciclo de acção-reacção-reacção: à medida que mais gelo marinho derrete, expõem-se águas mais escuras, que absorvem mais energia do sol, acelerando ainda mais o derretimento. Verificou-se que a realidade é ainda pior. 

Estes processos de aquecimento subjacentes sucedem a um ritmo muito mais catastrófico do que foi entendido inicialmente. Graças a uma mole de dados de temperatura, no final de 2021 os cientistas estimaram que a região aquecia realmente mais de quatro vezes mais depressa do que o resto da Terra, com enormes consequências para todo o planeta.

Um artigo publicado em Junho por um grupo na revista Geophysical Research Letters aguça ainda mais o problema, mostrando que nas últimas décadas, o Árctico não aqueceu a um ritmo consistente e previsível. «Temos visto que estas mudanças não são suaves, como se acreditou até agora. Ocorreram basicamente em duas etapas: uma por volta de 1985 e outra por volta de 2000», afirma Petr Chylek, investigador no Laboratório Nacional de Los Alamos e autor principal do estudo. «Depois deste último aumento no ano 2000, a ‘amplificação’ árctica é de cerca de 4,5 comparada com as duas ou três [vezes mais rápida], como sucedia anteriormente antes. Portanto, é uma mudança significativa».

Tudo isto significa que a comunidade científica e os decisores políticos têm referido números demasiado baixos. Há muito tempo que muitos jornais mencionam este número de aquecimento duas vezes maior no Árctico do que no resto do planeta, sendo portanto de absoluto bom sendo actualizar todas as previsões.

E entretanto há mais novas das Nações Unidas; «Caminhamos quando deveríamos estar a correr», afirma e Hoesung Lee, presidente do IPCC numa conferência de imprensa que anunciou um relatório desta segunda-feira. Para limitar o aquecimento a 1,5 ° C acima dos níveis anteriores aos da Revolução Industrial (a meta estabelecida pelos acordos climáticos internacionais), as emissões anuais de gases de efeito estufa terão de ser reduzidas quase para metade até 2030. Calcula-se que os resultados das iniciativas tomadas agora seriam evidentes nas tendências globais de temperatura dentro de duas décadas.

Acção urgente. Pede-se e torna-se a pedir. Aparentemente não é suficiente. As latas de tinta atiradas pelos activistas aos tesouros da humanidade apenas servem para atiçar as ideias da população em geral contra os activistas climáticos. Há contudo excelentes exemplos na indústria, e se a indústria se aliar benignamente ao activismo, todos ficamos a ganhar,

A aviação é global, é essencial, é quase democrática e põe-nos em contacto com ‘o outro’, esse conceito tão importante desde a Grécia Antiga. Tomara a Sócrates apanhar um avião e vir visitar as nossas costas, ele que se afirmou cidadão do mundo na vez de ateniense ou grego. Tomara Platão, que escreveu Sócrates, tomara Aristóteles e tomara Heraclito, que dos rios fez analogias gloriosas. Quem dera a estes gregos a Viagem.

A aviação tem um actor a querer mudança: a Airbus já anunciou protótipos de 3 tipos de aeronaves que estarão em condições de voar daqui a dez anos. Serão reactores de hidrogénio a levar estes anjos aos céus. Como em tudo, há lobby, e neste caso o das baterias. Supõem-se aviões exclusivamente eléctricos, e talvez em dez anos as baterias sejam um quinto das actuais em termos de peso e vinte vezes as actuais em termos de eficiência.

Permanece contudo o lobby do petróleo, que domina os EUA e que põe uma administração tendencialmente mais atenta ao ambiente que a anterior a conjecturar este ataque de morte ao árctico. A própria Boeing, a grande Boeing, não mostra tanto interesse como os rivais no estudo das alternativas: é americana, é refém do lobby.

Evidentemente que mudanças no tipo de combustível na aviação implicaria uma grande transformação nas infra-estruturas todas, desde a forma de armazenamento da energia e de enchimento das aeronaves aos transportes em geral.

O petróleo é um combustível fóssil. Se não quisermos que a humanidade seja daqui a uns anos seja inteiramente fóssil, há que mudar. Agora, não amanhã.