A Saúde Mental é cada vez mais vista como uma dimensão da Saúde Pública, transversal a todas as outras áreas e axial ao longo do ciclo de vida. Atualmente o debate sobre a sua importância tem ganho maior visibilidade e a pesquisa em Economia da Saúde evidencia que há ganhos significativos quando se investe na sua promoção e prevenção, e que essa aposta é tanto mais eficaz quanto feita precocemente
POR CONCEIÇÃO TAVARES DE ALMEIDA

Os direitos à Saúde, à Educação, à Justiça, suportados pelos valores do respeito, inclusão e diversidade, subentendem uma visão do Bem-Estar num âmbito alargado, em que os aspetos biológicos, emocionais e contextuais se entrecruzam de forma determinante.

Segundo a OMS, cerca de 20% das crianças manifesta pelo menos um episódio de perturbação mental ao longo do seu desenvolvimento e, uma vez atingida a maioridade, a evidência científica revela que os adultos que desenvolvem doença mental manifestaram sinais de risco ou mesmo de perturbação mental, no período da infância e/ou adolescência.

Há um consenso generalizado em favor da intervenção precoce, tanto em termos de promoção de competências e recursos, como na prevenção da doença junto daqueles que evidenciam maiores ou particulares vulnerabilidades.

Nestes últimos, os resultados positivos desta aposta preventiva traduzem-se numa evolução mais favorável dos quadros clínicos reduzindo o impacto da doença, tanto em termos da incapacidade, como nos processos de exclusão daí decorrentes. Apesar destes esforços, o tema da Saúde Mental continua a provocar frequentemente reações de medo, preconceito e ignorância, o que se traduz em tabu sobre determinados assuntos, bem como no evitamento e adiamento da procura de ajuda.

O Programa Nacional para a Saúde Mental (PNSM) é um programa prioritário da Direção-Geral de Saúde (DGS) que prevê a implementação de um conjunto de medidas plasmadas no Plano Nacional de Saúde Mental. Tendo como ponto de partida este documento orientador da missão do PNSM, identificam-se problemas, avaliam-se necessidades, priorizam-se objetivos e promovem-se iniciativas que ofereçam garantias de qualidade. O PNSM defende a ideia de que se deve educar para a Saúde Mental, contribuindo para uma cultura que combata o estigma e a iliteracia, privilegiando a comunicação e o bem-estar ajustados às diferentes necessidades e circunstâncias das populações e respetivas fases do seu ciclo de vida.

Porque é importante investir na promoção e na prevenção infantil e juvenil?

As crianças e os adolescentes são cidadãos de pleno direito, devendo ser tomados como agentes ativos da sociedade. Existem atualmente múltiplas razões para que se invista no desenvolvimento de ações eficazes e consertadas em matéria de Saúde Mental, privilegiando a intervenção precoce, focada na promoção do bem-estar, comprometida com os aspetos preventivos e orientada para o diálogo interdisciplinar.

Pela sua natural imaturidade, crianças e jovens são particularmente vulneráveis a fatores de risco em saúde mental, o que os coloca na necessidade dos cuidados e da proteção por parte dos adultos próximos e das estruturas.

O PNSM privilegia uma abordagem promocional, preventiva e integrativa no âmbito da qual as problemáticas específicas da Infância e da Adolescência são entendidas como etapas críticas do Ciclo de Vida e em que o Desenvolvimento é visto como um processo. Nesta linha de entendimento, o PNSM não vê a “idade menor” como “menoridade” apostando e incentivando projetos inovadores, intersectoriais e de cobertura nacional, que nos ofereçam garantias de qualidade e de eficácia nas áreas em que se propõem operar. A evidência científica comprova que as estratégias preventivas mais eficazes não são aquelas cujas mensagens são negativas, repressivas ou intimidatórias, pelo que os programas de prevenção da saúde mental e de promoção de estilos de vida saudáveis devem adaptar-se às circunstâncias de vida para operar mudanças, transformando os fatores de risco em fatores protetores, através de experiências construtivas, divertidas e reparadoras que sejam, ao mesmo tempo, desafiantes e estimulantes.

A fim de alcançar estes objetivos, o PNSM tem procedido à identificação de problemáticas, à seleção de matérias a concurso, definindo critérios de qualidade e de eficácia, em áreas entendidas como prioritárias. Tendo como objetivos aumentar a literacia em saúde mental e combater o estigma, o PNSM advoga uma política de educação para a Saúde Mental e presta apoio através da capacitação, consultoria técnico-científica de projetos ou promovendo boas-práticas, sendo múltiplas as áreas e as ações que se têm destacado.

Estabelecendo parcerias ou celebrando protocolos com outras entidades externas, ou estreitando laços com outros Programas da DGS, estes são alguns dos resultados da intervenção desenvolvida pelo PNSM nos últimos anos.

Quais são as áreas prioritárias?

PROMOÇÃO DA SAÚDE MENTAL NA GRAVIDEZ E PRIMEIRA INFÂNCIA

Existe atualmente um consenso no seio da comunidade científica quanto à importância que desempenham, para o desenvolvimento humano, os primeiros tempos de vida. A escolha da gravidez e da primeira infância é feita com base na evidência de que se trata de um período ótimo em termos de possibilidades e potencialidades, frequentemente eleita como alvo de intervenção prioritária nas medidas de prevenção e de promoção da saúde mental. 

Estão em jogo transformações que convocam recursos adaptativos e precipitam reajustes tanto a nível pessoal, como familiar e comunitário. A evidência empírica, corroborando as indicações de autores de referência tanto da pediatria como da saúde mental, consideram que o desenvolvimento precoce depende em absoluto de um contexto de relação/vinculação no qual o peso relativo dos cuidadores joga um papel ímpar e, nesse sentido, a prevenção começa antes do próprio nascimento.

PROJETOS E INICIATIVAS PROMOVIDAS PELO PNSM NA ÁREA DA SAÚDE MENTAL NA GRAVIDEZ E PRIMEIRA INFÂNCIA

  1. Promoção da saúde mental na gravidez e primeira infância: Manual de orientações para profissionais de saúde

Este é um instrumento através do qual pretende-se sensibilizar os profissionais de saúde que intervêm na área materno-infantil para os fenómenos relacionados com esta etapa do ciclo de vida, capacitando-os para o diagnóstico precoce de sinais de risco relacionados com a saúde mental, nomeadamente no que se refere ao estabelecimento da vinculação e alterações de humor na puérpera.

  1. Programa Nacional da Vigilância da gravidez de baixo risco

Este documento resulta de uma parceria entre o Programa Nacional de Saúde Sexual e Reprodutiva com o Programa Nacional para a Saúde Mental. Visando a intervenção efetuada ao nível dos cuidados de saúde primários, neste instrumento estão incluídos indicadores de risco psicossocial a ser avaliados nas consultas de vigilância materno-infantil.

  1. Projeto Capacitar para Vincular/APF

Do ponto de vista social, o ciclo de vida abre uma janela de oportunidade, na medida em que os valores, as práticas educativas, as teorias associadas ao papel da identidade, nomeadamente de género, e as relações de alteridade, são revistas e renovadas. A Associação para o Planeamento da Família (APF) Norte, através desta iniciativa, desenvolve projetos dirigidos a populações consideradas vulneráveis, na sua relação com a cultura prevalecente, nomeadamente no que diz respeito ao acesso aos direitos da criança e da mulher, em matéria de saúde, educação, autodeterminação, tais como estão previstos na nossa constituição e de acordo com as diretrizes internacionais.

Este projeto que obteve um apoio técnico-financeiro por parte do PNSM, é dirigido à etnia cigana e atua ao nível da prevenção da saúde mental através da promoção de competências parentais na gravidez e primeira infância, a par da aposta na capacitação e acessibilidade a cuidados de saúde desta população. É um projeto inovador, sustentado por um modelo ecológico, numa área prioritária, polivalente no seu desenho e com uma metodologia potencialmente eficaz a longo prazo. Tem como pontos fortes a escolha do grupo-alvo e a aposta nas relações precoces como modeladores de transformações transgeracionais nas representações do feminino e da maternidade, em defesa de uma cidadania mais inclusiva e mais plena, combinando o combate ao estigma subjacente através de uma relação de confiança que se conquista de dentro para fora da própria comunidade.

A PROMOÇÃO DA SAÚDE MENTAL E A PREVENÇÃO DA VIOLÊNCIA EM MEIO ESCOLAR

A Educação é um conceito abrangente e a Escola é um lugar de confluência e de potencialidades que transcende a aquisição de conhecimentos e conteúdos ao nível conceptual e cognitivo. Num mundo da globalização sustentado por teias complexas de interações, a saúde do indivíduo e das populações terá de ser entendida numa lógica poiética.

Neste quadro, quase toda a Educação poderá ser entendida como uma Educação para a Saúde, via inclusão da aprendizagem experiencial, interativa e modelar, sustentada pelos valores e pelos afetos. O conceito de uma pedagogia efetiva pressupõe um ambiente de qualidade, fundado em relações positivas e numa comunicação eficaz.

REFERENCIAL PARA A PROMOÇÃO E EDUCAÇÃO PARA A SAÚDE/DGE

Este documento resulta de uma parceria entre a DGE, a DGS e o SICAD – Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências, que estabeleceram um Protocolo de Colaboração em fevereiro de 2014. O Referencial pretende ser tanto um promotor da Educação para a Cidadania, como uma ferramenta educativa flexível, passível de ser utilizada e adaptada em função das necessidades e das realidades de cada contexto, abrangendo os vários níveis de Educação e ensino, do pré-escolar ao secundário.

Apresenta-se em 5 temas e seus subtemas, que por sua vez se organizam segundo objetivos e descritores, de acordo com o nível de complexidade desenvolvimental do público alvo a que se destinam. O PNSM integrou a equipa de peritos sendo a Saúde Mental o tema de abertura deste documento. Em 2019 foi lançada a versão do Referencial em língua inglesa Health Education Benchmarks.

PROJETOS E INICIATIVAS PROMOVIDAS PELO PNSM NA ÁREA DA PROMOÇÃO DA SAÚDE MENTAL EM MEIO ESCOLAR

  1. Manual Saúde Mental em Saúde Escolar

À luz da evidência científica atual, a promoção da saúde mental e emocional refere-se a conhecimentos, atitudes e capacidades subjacentes à tomada de decisão, pelo que a adoção de um estilo de vida saudável pressupõe a aquisição dessas competências assim como um elevado nível de literacia para a saúde.

Na sua última revisão o Programa de Saúde Escolar elegeu a dimensão da Saúde Mental como área troncular das suas ações. Numa colaboração com o PNSM e numa parceria entre a DGS e a DGE surgiu a iniciativa Saúde Mental em Saúde Escolar. Nesta abordagem a Saúde surge como um parceiro importante da Escola, e o modelo adotado para a promoção da saúde mental em meio escolar baseia-se na aprendizagem de competências socioemocionais – SEL (Social and Emotional Learning). O projeto combina um Módulo de formação e a edição de um Manual para a Promoção de Competências Socioemocionais que inclui um conjunto de Recursos Pedagógicos temáticos de apoio às práticas de docentes e equipas de saúde escolar e integra as propostas realizadas em conjunto e plasmadas no Referencial para a Promoção e Educação para a Saúde, documento que resulta da parceria entre a DGS e a DGE.

O desenvolvimento de competências socioemocionais, parte do pressuposto de que as competências escolares e as competências socioemocionais são interdependentes e indissociáveis, sugerindo-se que ambas devam ser desenvolvidas simultaneamente, sendo a Escola o local privilegiado para a sua promoção. Inúmeras referências a trabalhos de autores e investigadores em aprendizagem socioemocional indicam que os projetos SEL implementados na escola influenciam o ambiente escolar e criam climas de aprendizagem facilitadores, traduzindo-se, a médio prazo, em ganhos em saúde e competências sociais.

  1. Plano B: Programa de Prevenção do Bullying

Este é um programa de prevenção da Associação Plano i que contou com o apoio do PNSM através do Programa de Apoio ao Financiamento de Projetos. Implementado em contexto escolar e desenvolvido segundo uma matriz desenvolvimental e interseccional, teve como finalidade a promoção de uma cultura escolar assente no respeito pela diversidade e promotora da saúde mental. O programa assentava em três eixos de intervenção: conhecimento das idiossincrasias do contexto, através do mapeamento do fenómeno do bullying na comunidade escolar; envolvimento dos vários elementos da comunidade educativa na intervenção; capacitação de alunos/as enquanto agentes multiplicadores, através do desenho e criação de um manual para a educação de pares. Da avaliação resultante surgiu a recomendação de se criar um Observatório nacional vocacionado para o estudo, intervenção e investigação sobre o fenómeno.

  1. Prevenção de Stress pós-traumático na população escolar À Volta das Conversas

Esta é uma iniciativa desenvolvida no quadro das respostas à situação pandémica, pela atenção ao risco em termos da saúde mental dos jovens. Desenvolvida pela Associação Portuguesa para o Desenvolvimento Social “Entretodos”, o projeto resulta de uma parceria entre a Between – Partnerships 4 development, Sigmamente, Marca-ADL.

A sua intervenção cobre várias regiões do território nacional, nomeadamente: Agrupamento de Escolas de Benfica, Agrupamento de Escolas de Paço de Arcos, Escola Profissional Agrícola D. Dinis – Paiã, Agrupamento de Escolas de Montemor-o-Novo. Tem como principal objetivo intervir preventivamente junto de jovens em sofrimento emocional como reação a situações de stresse, como é o caso da pandemia. A ação prevê: a capacitação de agentes educativos que estão em contacto direto com estes jovens; a implementação de ferramentas eficazes no reforço de fatores protetores de saúde mental; a sensibilização para a identificação de sinais de sofrimento psíquico.

RECOMENDAÇÕES DO PNSM NO REGRESSO ÀS AULAS 2021/22

A pandemia mudou a forma como vivemos e nos relacionamos. A normalidade sofre adaptações em relação ao que tínhamos como garantido. O impacto na saúde mental é inegável. Apesar da compreensão racional das medidas sanitárias, o medo e a alteração de rotinas têm repercussões nos estados emocionais, com efeitos potencialmente adversos ou mesmo traumáticos para a saúde mental das crianças.

As necessidades estão relacionadas com o desenvolvimento

O desenvolvimento normal faz-se por etapas, às quais correspondem necessidades e caraterísticas específicas. As crianças são imaturas e dependentes do ponto de vista emocional, cognitivo, social. O seu bem-estar é afetado pelo ambiente, que deve ser protetor, estável, previsível. A confiança que estabelecem com o mundo passa pelas experiências que vivem com os seus pais, cuidadores e adultos significativos. Quanto mais pequenas são as crianças, mais dependentes estão desses cuidados.

As crianças até aos 3 anos não acedem à racionalidade e ao pensamento verbal. Naturalmente curiosas, comunicam sobretudo através do corpo e do comportamento, exploram a realidade através da boca e do toque, e precisam da presença e da proximidade de alguém, tanto para satisfazer as suas necessidades, como para regular os seus estados emocionais. O stresse, a frustração e o medo podem manifestar-se através de maior irritabilidade, somatização e comportamentos regressivos.

Em termos do desenvolvimento, os bebés não adquiriram ainda a noção de identidade própria, pelo que a diferença entre eu e o outro, dentro e fora, passado e futuro, são domínios em construção. As crianças mais pequenas são muito vulneráveis a mudanças abruptas das suas rotinas e a estranheza provoca stresse, ao qual podem reagir de forma intensa, correndo o risco de se desorganizarem.

Da mesma forma, nestas idades, as crianças são particularmente sensíveis às transições de estado, por exemplo, na separação e reencontro com os pais. A primeira entrada no sistema educativo é um passo extremamente importante. Protegê-las passa por lhes assegurar a noção de continuidade e de familiaridade. O seu bem-estar depende da relação com os seus cuidadores, em cuja tranquilidade e estabilidade assenta o sentimento de segurança.

Entre os 3 e os 5/6 anos, as crianças adquirem um papel mais ativo na sua relação com o meio, em que o questionam e interpretam, desenvolvendo representações e ensaiando as suas competências de forma subjetiva, mas gradualmente mais autónoma.

Na segunda infância e até à puberdade assiste-se a um maior investimento na aprendizagem, na racionalidade e nas tarefas escolares, bem como aumenta a importância das relações interpares. A aceitação, o desempenho, as regras e a avaliação são aspetos que ganham importância e que determinam uma consciência de si e dos outros mediada pela verdade, científica e moral, mas também pela cultura.

A adolescência requer uma nova organização e negociação em matéria de regras e limites de privacidade e de partilha. Espaço e tempo ganham novos contornos e impelem os jovens à ação, às escolhas, à descoberta. As novas competências cognitivas permitem pensar sobre o mundo e sobre as relações de uma forma mais abrangente onde a cumplicidade e a intimidade entre pares são uma conquista fundamental no sentido da autonomia.

Alguns jovens tendem a lidar com a fragilidade, a doença e a morte negando ou desafiando a ansiedade que lhes está associada. É importante ser-se firme, mas compreensivo na afirmação e aplicação das medidas de proteção e flexível na reflexão sobre as mesmas.

Tanto crianças como jovens contam com o ambiente protetor da família, mas a sua autonomia precisa de ser vivida nas experiências alargadas. A escola representa o acesso a muitas dessas competências que são essenciais para um saudável desenvolvimento: novas aprendizagens; novos modelos adultos; interações sociais entre pares, ensaio; experimentação e teste aos limites; escolhas e tomada de decisões.

Educar para a nova normalidade

CRECHE, JARDIM DE INFÂNCIA E PRÉ-ESCOLAR

Separação à chegada: faça-o gradualmente

A chegada e despedida de pais/cuidadores é crucial: deve fazer-se gradualmente, no espaço e no tempo. Esta transição visa tranquilizar as crianças, através da ligação que assegura uma continuidade nos cuidados e prevê o retorno.

Objeto preferido: admita a sua presença

As crianças pequenas costumam ter um objeto preferencial (chucha, mantinha, peluche ou outro), cuja presença as conforta pois representa, na sua ausência, a ligação com os pais. Negociar o acesso a estes objetos é fundamental.

Receção e cuidados sanitários: faça a criança sentir que é bem-vinda

Educadores e auxiliares deverão sentir-se suficientemente confiantes e seguros na sua capacidade de dar resposta às necessidades de contacto físico, de prestação de cuidados de alimentação, higiene, estimulação psicomotora de cada uma das crianças. O medo excessivo pode comprometer a avaliação de problemas, a adequação de respostas e contaminar com stresse a própria relação afetiva, sobrecarregando as crianças com emoções com as quais não sabem lidar.

Contacto físico e demonstração de afetos: promova e valorize a sua expressão

As crianças precisam de contacto físico e de ser validadas e decifradas na expressão dos seus afetos. As palavras dos adultos traduzem e dão sentido às suas experiências de modo a conhecer o mundo e o seu lugar no neste. Mesmo com máscara e cuidados é possível garantir estas dimensões.

Partilha de objetos: permita as trocas mediante cuidados

Trocas e interações (cooperação ou disputa) estabelecem relações de alteridade e negociação, que permitem conviver com emoções primitivas como inveja, ciúme, e desenvolver competências socio-emocionais para lidar com funções mentais subjacentes a sentimentos de frustração, exclusão, entre outros. Dentro de critérios de higienização, é essencial que as crianças possam manter a proximidade entre si, bem como o manuseamento destes equipamentos em espaços comuns.

A REDE DE RESPOSTAS A ADOLESCENTES E JOVENS ADULTOS

A adolescência é uma fase do ciclo de vida marcada pela necessidade de afirmação da identidade e de experimentação de limites. Mudanças fundamentais são operadas no sentido de preparar os jovens para a sua autonomia. Fase de transição entre a infância e a vida adulta, este é um grupo da população com necessidades específicas e vulnerabilidades particulares em termos de saúde mental.

As transformações no nosso modo de comunicar colocam desafios em matéria de promoção da saúde mental, como é o caso da revolução digital. Para as crianças que já nasceram nesta era, a utilização de tecnologias da comunicação, redes sociais e dispositivos multimédia faz parte do seu meio natural. Os grandes desafios para a promoção da saúde mental nos tempos futuros seguramente passarão pelo lugar da tecnologia na vida quotidiana. Os temas da inteligência artificial e da realidade virtual continuarão a alterar a nossa perceção de limites de corporalidade, impulsividade, transitoriedade, proximidade, privacidade.

Mas se a globalização abriu uma janela de oportunidades e de potencialidades, há que considerar a boa gestão e melhor utilização destes recursos, que contêm riscos particulares quando se trata de populações cuja identidade e maturidade estão em construção. As crianças e os adolescentes, cujos comportamentos são naturalmente orientados pela recetividade, pela curiosidade e pela confiança, são alvo de intervenção prioritária nas medidas de prevenção da saúde mental e de promoção do bem-estar. As experiências e vivências interpares têm repercussões muito fortes ao nível da consolidação da identidade. O impacto decorrente da edição e difusão online, por exemplo, é amplificador e catapulta para um espaço e tempo muito alargados os efeitos dessa exposição. Mas, por outro lado, a criatividade e a plasticidade da utilização destes meios digitais também expande as possibilidades de aprendizagens, acesso à cultura, comunicação à distância, contrariando o isolamento e a exclusão, e facilitando a adesão a mensagens e projetos solidários e inovadores, por exemplo, como é o caso da pandemia que nos assola desde 2020. A questão-chave é a forma como as tecnologias são utilizadas. Estas deverão facilitar o acesso às qualidades relacionais sem se substituírem ao contacto interpessoal e, assim, garantir a humanização como valor.

O PNSM privilegia o trabalho nesta área, tendo promovido a articulação com a rede de respostas à população jovem, nomeadamente: através do protocolo com o IPDJ, com a capacitação das equipas do Cuida-te+ nos temas da saúde mental; do reconhecimento técnico-científico de projetos relacionados com a prevenção do uso das tecnologias, como no caso da iniciativa Jogo – Missão 2050 promoção do uso saudável das tecnologias ; ou da promoção de iniciativas vocacionadas para a utilização de plataformas digitais como ferramenta de informação e aconselhamento à população universitária, como no caso do projeto TikTalks Promoção da Saúde Mental no Ensino Superior da associação Plano i.

PROJETOS E INICIATIVAS PROMOVIDAS PELO PNSM NA ÁREA DA LITERACIA EM SAÚDE MENTAL E NA CULTURA

Somos o que Brincamos: um projeto de Literacia em Saúde Mental

A fase piloto da iniciativa “Somos o que Brincamos: um projeto de Literacia em Saúde Mental”, arrancou nas escolas do Alentejo.

Desenhado pela equipa do Programa Nacional para a Saúde Mental da Direção-Geral da Saúde e a Fonte de Letras/Rede Independente de Livrarias, os concelhos de Montemor-o-Novo e Viana do Alentejo foram os primeiros a ter oportunidade de assistir aos Contos de Fadas, ação que se estendeu a educadores, professores e encarregados de educação.

Tendo como mote a ideia de que  «Se somos o que comemos! também somos o que brincamos!» esta iniciativa pretende recuperar o papel fundamental dos contos do maravilhoso, nomeadamente os Contos de Fadas, enquanto promotor e facilitador do desenvolvimento e da saúde mental, advogando que a Cultura é um bem de primeira necessidade.

A iniciativa tive inicio no Agrupamento de Escolas de Montemor-o-Novo a 9 de junho de 2021 e incluiu “Conversa” com pais/educadores e professores sobre a aplicação do jogo e encontro “Partilha da Palavra”. Já no Agrupamento de Escolas de Viana do Alentejo os Contos foram apresentados dia 30 de junho a duas turmas de 2º ano e 4º ano, acompanhados pela Professora Bibliotecária

Na base desta iniciativa está uma tomada de posição face a uma preocupação. Assiste-se a um movimento que tende ao branqueamento dos conflitos que nos conferem espessura moral e competências interpessoais, sendo uma das faces visíveis a segregação, banalização ou distorção do lugar da fantasia, em que as narrativas do maravilhoso, como é o caso dos Contos de Fadas, são disso um bom exemplo.

Brincar aos contos de fadas, seja a partir das narrativas dos livros, ou de histórias inventadas ou recriadas, transporta-nos para um imaginário onde as situações, personagens e as suas ações marcam encontro com os arquétipos que os contos encerram. Pela mão de um adulto, em família ou nas escolas, através dos contos, tanto se convocam os conflitos inevitáveis do crescimento com os quais todas as crianças se podem identificar, como se ensaiam as soluções. Reconhecendo e validando medos e desejos, os contos de fadas são auxiliares do crescimento pois legitimam as angústias, oferecendo-se como veículos para a sua reparação. Esse género de narrativas tem como vocação o resgate da infância e, como contrapartida, a vontade de crescer, numa fórmula onde sentimentos dolorosos, mas inevitáveis, tais como o medo, a vergonha ou a culpa, em vez de serem negados, desvalorizados ou rejeitados, passam a ser matéria-prima da própria transformação.

A Oficina de Histórias Somos o que Brincamos, parte integrante do projeto, é um jogo de brincar ao faz de conta para ser levado a sério, pois promove a criatividade e a imaginação, apela à resolução de problemas, permite vivenciar a variedade e a complexidade das emoções, desenvolve a linguagem e o pensamento crítico e, consequentemente, o prazer de ler. Pretende-se que cada jogador, individualmente ou em conjunto, conte uma história com base nas personagens, lugares, objetos e conceitos apresentados no jogo. A história desenrola-se num tabuleiro, onde todos os elementos vão interagir, de acordo com as regras definidas.

O objetivo do jogo é contar uma história. Tem como ponto de partida o “Era uma vez…” onde se apresenta um conjunto de personagens, um lugar e objetos, como sugestão de enredo para que a história se desenvolva, sendo sucessivamente introduzidos outros elementos que convidam o jogador a relacioná-los num crescendo da ação narrativa. Nestas histórias em aberto, não há certo nem errado, não há vencedores nem vencidos; todos ganham quando a história é construída em conjunto e, nessa partilha, oferece-se a cada um a possibilidade de ser o herói, o vilão e o narrador da sua história. Aventurando-se nos lugares onde se enfrentam medos e se forjam sonhos, em que se pode ser salvo de aflições pelo poder da fantasia e da relação, protegido pelas palavras “Vitória, vitória, acabou-se a história”, testam-se e desenvolvem-se competências socio-emocionais, que dão saúde e fazem crescer.

Este projeto, que se encontra em fase de implementação, prevê a apresentação do jogo às educadoras e professoras de 1º ciclo, a sua aplicação junto de um grupo de crianças, e uma tertúlia alargada a famílias e outros atores sociais, tendo como pano de fundo a promoção da literatura infantil. Pretende-se cobrir o território nacional, tendo como retaguarda a rede de Livrarias Independentes.

O Ogre Azul prendeu o Menino da Flauta no labirinto, mas o Rapaz das Flores sabia como descobrir o caminho de volta. O tempo e o espaço estiveram suspensos para 98 crianças de idades entre os 4 e os 10 anos que, pela mão da Oficina de Histórias, se deixaram conduzir ao universo maravilhoso dos Contos de Fadas.

Esta é uma brincadeira para ser levada a sério e que irá percorrer o país, porque brincar faz bem à saúde mental.

PROJETOS FINANCIADOS PELA DIREÇÃO GERAL DAS ARTES EM ARTE E SAÚDE MENTAL

No quadro da pandemia Covid-19 a DG Artes teve esta iniciativa e alguns projetos procuraram estabelecer pontes com o PNSM, tendo-lhes sido reconhecido grande valor: pela originalidade e sentido de oportunidade temperados por uma honestidade intelectual; pela preocupação em aliar e comprometer várias dimensões de forma assertiva e articulada, com respeito pelas especificidades de cada parte envolvida; pelos desenhos metodológicos que contemplam plasticidade e possibilidade interativa; pela disponibilidade e versatilidade de replicação a vários grupos e contextos, especialmente às populações mais vulneráveis, podendo levar a Arte aos lugares onde esta faça mais sentido.

Ajuda-me a não ter medo!” é um projeto artístico de  que é promotor o Teatro Umano, com o apoio Direção Geral das Artes – Ministério da Cultura com os seguintes parceiros:  AASPS-Associação de Apoio e Segurança Psicossocial, PNSM, Fundação José Saramago, Teatro A Garagem , Teatro O Bando, Teatro Artimanha, DRAMATI Arte e Terapia,  CIAC- Centro De investigação em Artes e Comunicação,  Agilidades IPL Leiria Saúde  e o Centro Studi Teatrali Universitá di Torino ( IT), inspirado no ” Ensaio sobre a Cegueira” com foco na cegueira branca como paralelismo da indiferença que pretende abrir o diálogo entre Saúde e Arte e diminuir o estigma da saúde mental, fortalecendo esta rede de parcerias e causas comuns.

Por outro lado, os estudos sobre o impacto da pandemia na população jovem evidenciam um aumento significativo de stresse pós-traumático, quadros de ansiedade e de depressão. Adaptando-se aos constrangimentos atuais e respondendo criativamente à pandemia, este grupo teve a inteligência e a sensibilidade de, perante a dificuldade criar uma oportunidade, em defesa da cultura e da prevenção da saúde mental em meio escolar, numa feliz combinação.

“Todas as Coisas Extraordinárias” é uma peça de teatro destinada a um público heterogéneo a partir dos 16 anos, na qual o tema abordado é a Depressão e o Suicídio. O grupo Mente de Cão fez uma adaptação da peça original que, em colaboração com os jovens do Liceu Camões e os utentes da GIRA (Grupo de Reabilitação Ativa), conseguiu o apoio do Programa Garantir Cultura numa ação que se inicia em novembro e decorrerá até junho de 2022.

O texto original “Every Brilliant Thing” é do dramaturgo britânico Duncan MacMillan, tendo sido alvo de excelentes críticas. Posto em cena mundialmente, a encenação decorre de forma empática, criando um ambiente envolvente e aceitante, em que o recurso ao humor aliado à honestidade, transmitem a delicadeza e a segurança que o tema merece. A peça aborda a depressão e a tristeza clínica como um problema de todos, sobre o qual é importante partilhar para melhor (re)conhecer sinais e sintomas, contrariar preconceitos e encetar estratégias de adaptação e recuperação.

À LAIA DE CONCLUSÃO

É fundamental desenvolver uma cultura de saúde mental intersectorial, promovendo a literacia e contrariando o estigma, através de uma comunicação mais clara e efetiva, implementando atividades de promoção adaptadas às caraterísticas do ciclo de vida e fundadas no respeito pelas especificidades do público alvo. No que se refere à Promoção da Saúde Mental das crianças e dos jovens, queremos reforçar algumas ideias-chave.

  • A Escola é um lugar de aprendizagem e de bem-estar: crianças felizes aprendem melhor.

  • As crianças são naturalmente curiosas: a motivação é a grande chave da aprendizagem.

  • As crianças esperam ser aceites e agradar aos adultos: o seu esforço deve reconhecido e valorizado.

  • As crianças percebem o mundo pela linguagem do afeto e do brincar: as tarefas que incluem estas dimensões são mais atrativas.

  • A experiência vivida é a forma mais duradoura de aprender: faça jogos interativos, debates de ideias, atividade lúdica e física, visitas de estudo, desafios criativos.

  • A relação modela todas as aprendizagens: esteja atento à forma como comunica e aos exemplos que dá.

  • A empatia é a base de toda a comunicação: promova o “colocar-se no lugar do outro” como valor para o respeito.

  • Os écrans são um meio e não um fim: use-os em contextos de pesquisa e partilha.

  • A cultura favorece a identidade e a pertença: conte histórias, eduque para a arte, inclua atividades criativas nas matérias clássicas.

  • A saúde mental pode parecer um bicho de sete cabeças: quando estamos em sofrimento, é preciso pedir ajuda!

Psicóloga Clínica e da Saúde - Membro da Ordem dos Psicólogos Portugueses, especialidade avançada Psicoterapia
Psicanalista - Membro didata da Sociedade Portuguesa de Psicanálise e Membro da direcção da International Psychoanalytic Association