A União Europeia quer transformar o problema da migração em oportunidades para a sociedade e a economia. E, para tanto, desdobra-se em iniciativas, como o guia de acesso aos fundos europeus recentemente lançado para apoiar os Estados-Membros a implementarem estratégias de integração. Portugal é um dos países com melhores práticas de acolhimento, como demonstram os resultados da Plataforma de Apoio aos Refugiados, que apresentou recentemente o balanço dos seus dois primeiros anos de intervenção na crise humanitária
POR GABRIELA COSTA

A determinação irá continuar, consolidar-se e responder a este problema” – Rui Marques, coordenador da PAR

A Comissão Europeia publicou no final de Janeiro um conjunto de ferramentas para ajudar os Estados-Membros a conceber estratégias e projectos para integrar os migrantes e identificar os recursos disponíveis da UE.

O objectivo é dotar as autoridades nacionais e regionais de um mecanismo para tirar o melhor partido dos fundos da UE disponíveis para o apoio à elaboração de estratégias de integração a nível local, ainda no actual período orçamental de 2014-2020.

O conjunto de ferramentas identifica cinco prioridades em matéria de estratégias de integração “holísticas, eficientes e de longo prazo”: acolhimento, educação, emprego, habitação e acesso aos serviços públicos. São reconhecidos os desafios mais prementes no âmbito destas cinco prioridades e propostas medidas de apoio adequadas, com correspondência ao respectivo fundo da UE.

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Um tijolo na parede da integração

Estes instrumentos de financiamento da UE dão apoio a inúmeras áreas no domínio da integração de migrantes, através de projectos que vão desde cursos de línguas, melhoramento de instalações escolares (financiado pelo Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional – FEDER), formação específica de educadores (Fundo Social Europeu – FSE) ou assistência material aos estudantes em situação de carência (Fundo de Auxílio Europeu às Pessoas mais Carenciadas – FEAD; até à prestação de cuidados de saúde à chegada e apoio à empregabilidade, à habitação e à inclusão na sociedade (ao abrigo dos Fundos Europeus Estruturais e de Investimento – FEEI, Fundo para o Asilo, a Migração e a Integração- FAMI e FEAD).

Todo este investimento nas políticas de integração “é essencial para garantir que a Europa continue a ser uma sociedade próspera, coesa e inclusiva no futuro”, a prioridade para os próximos anos, de acordo com o comissário responsável pela Migração, Assuntos Internos e Cidadania. Segundo Dimitris Avramopoulos “só através de uma integração bem sucedida podemos tornar a migração uma oportunidade real para todos, para os nossos cidadãos e para os migrantes e os refugiados”.

Como explica a Comissão Europeia no âmbito do lançamento deste guia prático, embora a responsabilidade em matéria de integração incumba em primeiro lugar aos Estados-Membros, no Plano de Acção sobre a Integração de 2016 a UE adoptou medidas (financiamento e instrumentos de coesão económica e social) para incentivar e suportar os esforços dos Estados-Membros para promover a integração de nacionais de países terceiros.

Este conjunto de ferramentas vem agora facilitar o acesso às mesmas, para benefício dos migrantes. Trata-se, nas palavras da comissária responsável pela Política Regional, Corina Crețu, de “um tijolo nessa parede” que é a ambição da União “de transformar o problema da migração em oportunidades para as nossas sociedades e economias”. A ambição, neste caso, é contribuir, com estes recursos, ”para a integração dos migrantes a nível local”.

[quote_center]A Comissão Europeia quer optimizar a utilização dos fundos da UE para integrar os migrantes e ajudá-los a apresentar as suas competências no mercado de trabalho europeu[/quote_center]

Tudo isto “sem deixar de continuar a investir na actual força de trabalho da UE”, como sublinha, pondo a descoberto os falsos argumentos cada vez mais apontados pelos países europeus que optam por enveredar por políticas proteccionistas, a comissária responsável pelo Emprego, Assuntos Sociais, Competências e Mobilidade Laboral, Marianne Thyssen. O que se pretende é optimizar a utilização de mecanismos como o Fundo Social Europeu a favor da integração das pessoas oriundas da imigração, e simultaneamente criar uma ferramenta para a definição do perfil de competências dos nacionais de países terceiros, “que ajude os nacionais de países terceiros a apresentar as suas competências no mercado de trabalho europeu”, e não destruir emprego entre os cidadãos do Velho Continente.

A criação deste Perfil é, de resto, uma das acções incluídas na Nova Agenda de Competências para a Europa, e visa constituir “uma ferramenta em linha e fora de linha” que possibilite que nacionais de países terceiros apresentem as suas aptidões, qualificações e experiências a empregadores, estabelecimentos de ensino e formação e organizações que trabalham com migrantes em toda a União Europeia.

De referir ainda que já na revisão intercalar do quadro orçamental para 2014-2020, em Setembro de 2016, a Comissão propôs que fosse introduzida uma nova prioridade para os investimentos do actual regulamento de política de coesão, dedicado exclusivamente à integração dos migrantes. O objectivo era também reorientar os financiamentos para novas prioridades decorrentes do desafio da migração, facilitando a alteração dos programas sobre esta matéria.

1600 refugiados em dois anos

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Portugal é um dos Estados-Membros que pode e deve utilizar os fundos da UE disponíveis para facilitar a integração de migrantes, e um dos países europeus não só com melhores políticas a este nível mas, e sobretudo, com melhores práticas.

A Plataforma de Apoio aos Refugiados (PAR), que reúne centenas de organizações da sociedade civil portuguesa que trabalham activamente no sector das migrações para fazer face, a nível nacional e internacional, à presente crise humanitária, cumpriu dois anos de actividade com resultados muito positivos, tendo recentemente divulgado o seu relatório de actividades e o plano de acção para 2018 (ver Caixa).

Os documentos foram apresentados no âmbito da Assembleia Geral da PAR, realizada no dia 10 de Janeiro, na Fundação Calouste Gulbenkian, a qual reuniu cerca de 90 pessoas, entre as quais o ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, o Alto-comissário para as Migrações, Pedro Calado, o director nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, Carlos Moreira, e representantes das várias instituições anfitriãs no acolhimento de famílias refugiadas em Portugal e das organizações envolvidas nas suas actividades.

O Secretariado Técnico do programa PAR Famílias, cuja responsabilidade cabe ao JRS, membro fundador da PAR, apresentou “um balanço objectivo” da sua actividade nos últimos dois anos, traçando um ponto de situação das pessoas que foram acolhidas em Portugal, ao abrigo deste projecto.

[quote_center]O PAR Famílias representou a maior oferta de acolhimento a nível nacional, tendo integrado cerca de 40% de todas as pessoas chegadas ao país[/quote_center]

Entre meados de Dezembro de 2015, data da chegada do primeiro grupo de requerentes da Grécia, e o final de Novembro de 2017, registou-se, a nível nacional, a chegada de 1507 pessoas, provenientes da Grécia (1192 pessoas) e de Itália (315). No âmbito do Programa de Reinstalação da Turquia, Portugal acolheu apenas 99 pessoas, de um total de 11633 pessoas reinstaladas daquele país para Estados Membros da UE, o que eleva o acolhimento no nosso país para um total de 1606 refugiados recolocados e reinstalados.

Refira-se que, no mesmo período, foram transferidas a nível europeu 31779 pessoas (21323 da Grécia e 10456 de Itália), número bastante aquém do inicialmente previsto aquando do lançamento do Mecanismo de Recolocação.

Inédito no país, inclusivamente para um grande número de organizações da sociedade civil, o PAR Famílias representou a maior oferta de acolhimento a nível nacional, tendo integrado cerca de 40% de todas as pessoas chegadas ao país – 590 da Grécia (127 famílias), 19 de Itália (7 famílias) e 45 da Turquia (6 famílias).

Depois de um período inicial de “grande lentidão”, os requerentes começaram a chegar a Portugal com maior intensidade a partir de meados de 2016 (atingindo-se o pico de 30 famílias acolhidas num mês entre Dezembro de 2016 e Janeiro de 2017), situação que se manteve até meados de 2017. Até Novembro do ano passado, foram acolhidas 141 famílias por 93 instituições anfitriãs protocoladas, num total de 654 Pessoas, das quais 357 são crianças, anunciou o JRS.

Trata-se de agregados familiares provenientes, na sua grande maioria, da Síria (77%), mas também do Iraque (15%) e, em quantidades que oscilam entre o 1% e os 3%, da Eritreia, Etiópia, República Centro Africana e Palestina (descendentes de refugiados Palestinos, de 2ª e 3ª geração, nascidos na Síria mas sem direito a nacionalidade). Chegaram ao nosso país ao abrigo do mecanismo de recolocação e reinstalação da UE, isto é, vindos da Grécia ou de Itália. É de sublinhar que já nasceram 16 crianças em território nacional após o acolhimento dos seus pais pela PAR. Refira-se ainda que a idade média entre os 357 menores acolhidos se situa nos 7 anos. Já no que respeita aos 297 adultos, a média de idades é de 33 anos.

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Metade “já seguiu a sua vida”

A maioria destas famílias é do tipo nuclear (94 famílias), compostas por casal e filhos, sendo que também se encontram em Portugal 28 famílias monoparentais (22 femininas e 6 masculinas), e 14 famílias alargadas (nucleares ou monoparentais com outros familiares a cargo, como pais e irmãos).

Ao nível das habilitações, a maioria dos refugiados adultos apresenta habilitações entre o ensino básico e secundário. A PAR acolheu também adultos com frequência universitária, num total de 48 pessoas, embora 27 não tenham concluído a licenciatura ou tenham apenas frequentado um curso profissional equivalente ao bacharelato.

De destacar ainda é o facto de, destes 141 agregados familiares, quase metade (70 famílias, num total de 337 pessoas) ter já saído dos locais de acolhimento e/ou recusado as condições de acolhimento. Como explica o JRS no relatório de actividades do PAR – Famílias, esta desistência corresponde, “na grande maioria dos casos, à saída voluntária do país com destino a outros países europeus onde [os refugiados] já têm muitas vezes familiares ou pessoas conhecidas”. Estas saídas explicam-se também “pelo grande volume de contra-informação que circula nas redes sociais sobre as condições de acolhimento em Portugal e noutros países europeus e a possibilidade de pedir asilo num outro Estado-Membro da UE”, aponta ainda a organização.

[quote_center]Já nasceram 16 crianças em território nacional após o acolhimento dos seus pais[/quote_center]

No que respeita à empregabilidade dos adultos recolocados e reinstalados em Portugal ao abrigo do programa da PAR, dos 141 que permanecem, à data deste relatório, em território nacional, 55 encontram-se a trabalhar. Estes 55 fazem parte de 41 agregados familiares diferentes, o que significa que a maioria das famílias presentes têm pelo menos um elemento adulto a trabalhar. A análise efectuada permite concluir que no 1º e 2º trimestre de acolhimento a totalidade dos refugiados se encontra desempregada, factor que tende a melhorar à medida que permanecem no país, a avaliar, por exemplo, pelos mais de 30% acolhidos há três trimestres, ou pelos quase 70% há seis trimestres que estão neste momento empregados. Esta realidade prende-se, naturalmente, com a questão da língua: “como é sabido, um dos principais factores para a boa integração das famílias acolhidas é a entrada dos adultos no mercado de trabalho, o que se tem revelado mais provável após um primeiro período de acolhimento em que o foco é fundamentalmente a aprendizagem da língua portuguesa”, explica o JRS.

As instituições anfitriãs da PAR garantem um período de acolhimento de 24 meses a cada família (8 trimestres). Nos últimos dois anos (até ao final de Novembro de 2017), a PAR contou com 140 instituições anfitriãs protocoladas, que se demonstraram disponíveis para acolher crianças refugiadas e as suas famílias. Estas instituições disponibilizaram 181 alojamentos, com uma capacidade total de acolhimento de cerca de 872 pessoas. “O esforço de angariação de instituições anfitriãs e novas ofertas mantém-se”, garante o Secretariado Técnico do programa PAR Famílias.

As famílias foram acolhidas por instituições dispersas por todo o país, nomeadamente nos distritos de Aveiro, Braga, Bragança, Castelo Branco, Coimbra, Évora, Faro, Guarda, Leiria, Lisboa, Portalegre, Porto, Santarém, Setúbal, Viana do Castelo, Vila Real e Viseu, com maior concentração nas regiões Norte e Lisboa e Vale do Tejo.

Das cerca de 650 pessoas que estiveram nas instituições da PAR nesta primeira etapa do programa de recolocação de refugiados em Portugal, cerca de metade “já se tornou autónoma e seguiu a sua vida”. Como sublinhou, no dia de apresentação destes resultados, Rui Marques, das 41 famílias ainda no programa, “só oito é que não têm pelo menos um membro da família a trabalhar” e todas as crianças em idade escolar estão integradas nos sistemas educativo e de saúde.

Para o coordenador desta Plataforma, “Portugal tem hoje a grande responsabilidade de não baixar os braços no apoio aos refugiados”. Porque “ter sido um dos países que disse ‘sim’, soube estar presente e deu respostas a esta crise não pode ser um episódio. Não pode ser um ponto, mas sim uma linha”.


Resposta de Portugal chega a campos fora da UE

No âmbito da apresentação do seu plano de acção para 2018, a Plataforma de Apoio aos Refugiados anunciou que quer acolher em Portugal mil refugiados provenientes de países externos ao espaço da União Europeia. O objectivo inscreve-se na intenção anunciada pelo Governo de aderir ao novo programa da Comissão Europeia, que pretende recolocar 50 mil refugiados.

A PAR quer “considerar o acolhimento de famílias de refugiados vindos de outros contextos” e “acolher refugiados integrados nos programas de reinstalação da UE, nos quais Portugal já indicou que iria participar”, avançou Rui Marques à agência Lusa. Em causa estão “afegãos já em contexto europeu, como na Grécia”, ou em programas fora do espaço europeu e refugiados que se encontram actualmente em campos na Turquia, na Jordânia, no Egipto e também no Líbano.

O coordenador da PAR já garantiu que a “determinação” da plataforma “irá continuar, consolidar-se e responder a este problema”.