Não bastava já o enorme puxão de orelhas que a OCDE deu a Portugal, nomeadamente ao facto das suas empresas não estarem a conferir a importância que deviam à luta contra a corrupção transnacional, como também 78% dos portugueses afirmam que a corrupção aumentou nos últimos dois anos, o valor mais elevado da UE, divulgado pelo Barómetro Global da Corrupção da Transparency International
POR HELENA OLIVEIRA

Nas últimas duas semanas, dois relatórios diferentes, realizados por instituições distintas, conjugam-se no essencial: Portugal está muito mal na fotografia da corrupção.

O primeiro, divulgado a 20 de Junho pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), conclui que “Portugal tem aplicado de forma extremamente deficiente a Convenção Sobre a Luta Contra a Corrupção de Agentes Públicos Estrangeiros nas Transacções Comerciais Internacionais” e o segundo, divulgado esta semana, faz saber que 78% dos portugueses considera que a corrupção piorou em Portugal nos últimos dois anos, de acordo com os resultados do Barómetro Global da Corrupção, da responsabilidade da Transparency International.

Nesta mesma semana, o ex-ministro chinês dos Caminhos-de-ferro, Liu Shijun, foi condenado à morte (com pena suspensa), por corrupção e abuso de poder. A sentença, que costuma ser comutada em prisão perpétua, tem sido alvo de reacções contrárias nas redes sociais, com uma “facção” a considerá-la “branda” (na medida em que, de acordo com a BBC, existe a possibilidade de, perante bom comportamento, o ex-ministro venha a cumprir apenas dez anos) e uma outra que a considera desproporcional. Não fosse o caso tão trágico e fundamentalismos à parte, daria vontade de rir (ou de chorar) face à comparação com as medidas de (não) condenação que grassam em Portugal.

Os números revelados pelo relatório da OCDE, que avalia o período entre 2007 e 2011, quase não precisam de explicação para os portugueses, habituados que estão a não verem nenhum corrupto atrás das grades. No período em causa, 249 pessoas foram condenadas por crimes relacionados com a corrupção, com o suborno a liderar as mesmas, mas destes, apenas 14 cumpriram ou se encontram ainda a cumprir penas de prisão efectivas. Dos 250 processos que deram entrada em tribunais de primeira instância, e que totalizaram 610 arguidos, 149 foram absolvidos. Quanto aos condenados referidos no relatório da OCDE, 17 tiveram como sanção o pagamento de uma multa, 67 ganharam as asas da libertação depois do pagamento de uma fiança e 148 encontram-se com pena suspensa. Razões mais do que suficientes para afirmar que, em Portugal, o crime da corrupção compensa e muito.

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A Convenção Anti-Corrupção da OCDE visa combater o suborno de agentes estrangeiros por empresas sediadas nos países signatários. Esta é a terceira avaliação realizada em Portugal no que respeita aos progressos (ou retrocessos) deste compromisso sobre o combate à corrupção transnacional.

Assim, e de acordo com o relatório da OCDE, “apesar dos fortes laços económicos de Portugal com países que sofrem graus de corrupção severos, apenas 15 alegações de suborno vieram a público desde 2001”. Igualmente preocupante é o facto de “estas alegações não terem resultado em qualquer acusação até à data. Várias investigações foram encerradas prematuramente. As autoridades portuguesas não investigaram proactivamente, nem procuraram a cooperação de autoridades estrangeiras em vários casos”, pode ler-se no sumário executivo do relatório. E aqui começa o primeiro puxão de orelhas. O Grupo de Trabalho da OCDE recomenda que Portugal leva a cabo uma “revisão da sua abordagem global sobre a aplicação de leis anti-suborno, que tome medidas para garantir que as investigações a alegados casos de corrupção internacional não sejam encerradas prematuramente e que procure a colaboração das autoridades internacionais sempre que necessário.”.

Para contextualizar o clima económico que pode ser ainda mais propício à corrupção, o relatório sublinha que apesar das transacções comerciais e de investimentos portugueses serem maioritariamente feitos dentro das fronteiras da União Europeia, Portugal tem vindo a criar e a aumentar substancialmente os laços que o ligam às economias emergentes da América Latina, África e Ásia. Brasil, Angola e Moçambique encontram-se agora entre os seis países de maior investimento externo português, sendo que Angola foi o 4º maior destino das exportações nacionais em 2011. O comércio com a China aumentou 5,2% só no primeiro semestre de 2012 e os investidores chineses adquiriram quotas apetecíveis em empresas de nacionais, sublinha também o relatório. A OCDE refere igualmente o papel importante desempenhado por Portugal na economia de Cabo Verde, Guiné Bissau e São Tomé e Príncipe.

No parágrafo imediatamente a seguir a este “background” económico, o relatório não poderia ser mais directo. “Muitos destes países possuem elevados níveis de corrupção, o que coloca sérios riscos de suborno transnacional”, lê-se, acrescentando que uma das empresas que colaborou com esta terceira avaliação descreve o suborno nestes países como operações “quase institucionais”. Das alegações de suborno transnacionais que envolvem empresas portuguesas, mais de metade abrange responsáveis dos países com quem Portugal mantém relações económicas poderosas, com Angola a ser responsável por um terço das mesmas. “A elite política e responsáveis da administração em Angola, e pessoas a eles ligados, terão participações significativas em empresas portuguesas dos sectores da banca, petróleo e tecnologias de informação”, refere ainda o relatório, o qual apresenta também a justificação dada pelas autoridades judiciárias portuguesas, as quais “reconhecem que a corrupção nas actividades económicas em Angola, Moçambique e São Tomé e Príncipe, onde empresas portuguesas desenvolvem as suas operações, tornam a investigação destas actividades muito difícil de ser realizada em Portugal”.

Como comentou, em declarações à Lusa, Paulo de Morais (e entrevistado para esta edição especial do VER), vice-presidente da TIACTransparência e Integridade, Associação Cívica, a representante portuguesa da rede global anticorrupção Transparency International, a qual foi uma das organizações da sociedade civil escutada pela delegação da OCDE, “o relatório final dá razão às críticas e preocupações que a TIAC manifestou aos avaliadores da OCDE. Portugal fez algumas alterações legislativas para acolher os princípios da Convenção, mas no que toca a aplicar as leis com rigor e exigência, nada foi feito. Infelizmente, já estamos habituados a esta atitude por parte dos poderes públicos: as leis são feitas, mas depois não há vontade de as aplicar”.

Por outro lado, a OCDE assinala ainda a urgência de se aumentar “o nível de consciência assustadoramente baixo” das empresas portuguesas no que respeita à importância da luta contra a corrupção transnacional.

No conjunto de crimes associados à corrupção, a OCDE sublinha ainda o número elevado de acusações por falsa contabilidade nas empresas, sendo que o delito que mais pontos soma no interior desta prática ilícita é a falsificação de documentos. Entre 2007 e 2011, segundo as estatísticas da OCDE, são apontadas 5,828 condenações por falsificação de documentos, sendo que 2007 foi o ano em que registou um maior número de condenados por esta prática.

Os examinadores mostram-se extremamente preocupados com a inexistência, na esmagadora maioria das empresas portuguesas, de controlos internos e de programas de ética ou corporate compliance que, de forma explícita, abordem a corrupção transnacional. E recomendam vivamente que se multipliquem os esforços para encorajar as empresas portuguesas a adoptarem essas medidas, com particular enfoque nas PME e que estes esforços devem envolver todas as autoridades governamentais que interajam com as empresas portuguesas, incluindo a AICEP, o Ministério da Economia e do Emprego, o IAPMEI, a DGAE e a CMVM.

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Pior resultado da União Europeia em termos de percepção da corrupção é português
Para não haver dúvidas que Portugal está longe de ser um bom aluno em práticas de transparência e anticorrupção, consideremos os resultados de um outro relatório.

A Transparency International (TI) divulgou esta semana a edição de 2013 do Barómetro Global da Corrupção. A maior sondagem global sobre corrupção jamais feita incluiu 107 países e 114 mil entrevistados, sendo que uma em cada duas pessoas, a nível mundial, considera que este fenómeno se agravou nos últimos dois anos.

No topo da percepção, entre os países que compõem a União Europeia, Portugal lidera, com 78% dos respondentes a afirmarem que a corrupção piorou no país nos últimos dois anos. A boa notícia é que tanto a nível nacional (85%), como mundial (67%), aumenta o número daqueles que acreditam que cada cidadão tem a capacidade (e o dever) de fazer a diferença no combate a este flagelo.

Dos 114 mil entrevistados, 27% confessaram ter pago um suborno no acesso a serviços ou instituições públicas nos últimos 12 meses, número que, de acordo com o relatório, não revela qualquer melhoria face a sondagens anteriores. Em Portugal, 60% dos entrevistados considera que os conhecimentos pessoais (ou a velha “cunha) são necessários para obter resultados nos serviços públicos.

Todavia, nove em cada 10 pessoas entrevistadas afirmaram que agiriam contra a corrupção e dois terços a quem foi pedido o pagamento de um suborno, afirmam tê-lo recusado. Para a TI, estes dados sugerem que os governos, sociedade civil e sector privado precisam de ter um papel mais activo para envolverem as pessoas no combate a actividades de corrupção.

“Os níveis de pagamento de subornos permanecem muito elevados em todo o mundo, mas o número de pessoas que acreditam ter o poder para travar a corrupção e aqueles que se mostram dispostos a combater o abuso de poder, os negócio obscuros e o suborno é significativo”, afirma, em comunicado, Huguette Labelle, presidente da Transparency International.

O Barómetro Global da Corrupção revela ainda que, em muitos países, os níveis de confiança nas instituições que deveriam combater a corrupção e outros crimes conexos deixam muito a desejar. A título de exemplo e a nível global, 36 países consideram as forças policiais como as mais corruptas, sendo que 20 países colocam esse ónus no poder judiciário.

Em Portugal, a confiança nas instituições também já viu melhores dias. Os partidos políticos ganham o troféu da desconfiança – com 73% dos entrevistados a considerarem-nos corruptos ou muito corruptos – e existe um empate, na ordem dos 66%, para o parlamento e a justiça. O sector privado é considerado corrupto por 51% dos portugueses, os funcionários públicos por 46% e os media por 41% dos respondentes. Entre as instituições melhor classificadas encontram-se as organizações não governamentais (39%) e as instituições religiosas (35%).

A enorme desconfiança face aos políticos não é apenas fenómeno nacional. O Barómetro de 2013 demonstra uma crise global de confiança nos mesmos, em conjunto com uma preocupação legítima sobre a capacidade que estes têm para levar os criminosos à justiça. Em 51 países, a classe política é percepcionada como a mais corrupta de todas e 55% dos respondentes considera que o seu governo está “preso” por interesses privados. Em Portugal, a percentagem no que respeita a este item em particular desce ligeiramente para os 53%, valor que não deixa de ser substancial.

“Os governos devem levar a sério este grito de alerta contra a corrupção por parte dos seus cidadãos e responder com acções concretas de elevada transparência e responsabilização”, alerta a responsável da TI, sublinhando também que, “em particular, é necessária uma liderança forte por parte dos governos do G20”. Dos 17 países inquiridos pertencentes ao G20, 59% dos respondentes afirmaram que os seus governos não estão a fazer um bom trabalho de combate à corrupção. E, a nível global, o apreço dos cidadãos face aos seus líderes no que respeita aos esforços para a combater desceu para níveis mais baixos (22%) comparativamente ao período que precedeu o deflagrar da crise financeira em 2008, altura em que 31% das pessoas acreditava nos esforços dos seus governos na luta contra este fenómeno.

Para finalizar, um dado interessante que vai ao encontro do objectivo desta edição especial que o VER se propôs fazer: 61% dos inquiridos afirmam estar dispostos a pagar mais por produtos ou serviços a empresas transparentes e sem qualquer actividade que possa ser considerada corrupta. Principalmente em tempos de crise e austeridade, a mensagem não poderia ser mais directa para as demais empresas: a adesão a critérios de responsabilidade e transparência não só atrai mais clientes, como aumenta os seus níveis de lealdade e, por consequência, os tão desejados lucros.

Editora Executiva