O Portugal, Balanço Social 2021 reúne diversas fontes de dados que já nos mostram as marcas que a pandemia vai deixar, especialmente nas gerações mais jovens, nos trabalhadores com vínculos precários e na desigualdade entre mulheres e homens. Apesar de ainda não termos um retrato detalhado da forma como a pandemia afetou os rendimentos e as condições de vida da população, sabemos que veio agravar a situação já de si vulnerável de muitas pessoas e que, se nada for feito, irá criar um sério problema a prazo
POR MARIANA ESTEVES

Na 2.ª edição do relatório Portugal, Balanço Social, que escrevi com Bruno P. Carvalho e Susana Peralta, olhámos para o rendimento disponível das famílias e para as condições em que vivem com o objetivo de traçar um retrato da pobreza e exclusão social em Portugal. Os dados do Inquérito às Condições de Vida e Rendimento (ICOR) 2021, que contam a história de 2020, só estarão disponíveis para os analisarmos no verão. Os dados provisórios do primeiro ano de pandemia, disponibilizados pelo INE em dezembro de 2021, apontam para mais 200 mil pessoas em situação de pobreza entre 2019 e 2020, ou seja, um total de 1,9 milhões de pessoas.

O Portugal, Balanço Social 2021 reúne diversas fontes de dados que já nos mostram as marcas que a pandemia vai deixar, especialmente nas gerações mais jovens, nos trabalhadores com vínculos precários e na desigualdade entre mulheres e homens. Na educação, as provas de aferição realizadas em 2021 mostram um aumento da percentagem de alunos que não conseguiu ou não respondeu às competências avaliadas. Por exemplo, entre os alunos do 2.º ano, este aumento foi, em média, de 22,5 pontos percentuais em Matemática e 6 pontos percentuais em Português, comparativamente a 2019. A tendência repete-se nos jovens do 5.º e 8.º ano, e indicia que as perturbações na atividade letiva trouxeram perda de competências face aos anos pré-pandemia.

No mercado de trabalho, os efeitos sentem-se sobretudo entre os jovens adultos (dos 25 aos 34 anos). Estes inscreveram-se nos centros de emprego três vezes mais em agosto de 2021 do que em agosto de 2019. As regiões com maior aumento de registos foram Lisboa e Vale do Tejo e, sobretudo, o Algarve. Nesta região, o impacto foi bastante sazonal, diminuindo as inscrições nos meses de verão e voltando a aumentar no resto do ano, o que mostra a natureza temporária e sazonal do trabalho na região. Apesar das oscilações, as inscrições estiveram sempre acima dos valores homólogos de 2019 desde o início da pandemia até maio de 2021, atingindo um pico de 2,4 vezes mais inscritos em junho de 2020 face a junho de 2019.

As perturbações no mercado de trabalho são também visíveis no número de horas trabalhadas. De acordo com os dados do Inquérito ao Emprego do INE, no 1.º trimestre de 2021, período de confinamento e fecho das escolas, as famílias com filhos diminuíram o número de horas trabalhadas, sobretudo as mulheres. Numa família com filhos, os homens trabalharam, em média, menos 0,7 horas, enquanto as mulheres trabalharam menos 1,2 horas, entre o 1.º trimestre de 2021 e 2019. Já nas famílias sem filhos tanto homens como mulheres aumentaram o número de horas. Esta realidade pode vir a agravar a desigualdade salarial já existente entre géneros – em 2019, por cada euro ganho por um homem, uma mulher ganhava, em média, 73 cêntimos.

Antes da pandemia, 16,2% das pessoas estavam em situação de pobreza, 43% da população pobre com 65 anos ou mais não tinha capacidade para manter a casa aquecida e 6% das crianças pobres não comiam uma refeição proteica pelo menos de dois em dois dias. Cerca de 26% das famílias monoparentais e 40% das numerosas eram pobres, bem como um em cada 3 desempregados. Apesar de ainda não termos um retrato detalhado da forma como a pandemia afetou os rendimentos e as condições de vida da população, sabemos que veio agravar a situação já de si vulnerável destas pessoas e que, se nada for feito, vai criar um sério problema a prazo.

Investigadora do Nova SBE Economics for Policy Knowledge Center