A escola transformadora é contra-hegemónica por natureza. Em Portugal, onde a flexibilidade curricular e a interdisciplinaridade estão na ordem do dia, existem actualmente oportunidades reais de influenciar o currículo escolar e de introduzir elementos de Educação para a Cidadania Global. Que se aproveite esta abertura política para mobilizar, aplicar, testar e avaliar. Este é, sem dúvida, um tempo favorável para esta acção.
POR ALEJANDRA BONI

As relações e as dinâmicas que se desenrolam dentro do espaço escolar e também aquelas que a Escola mantém com a sua envolvente – com a comunidade, famílias, organizações e até mesmo com grupos e espaços que estão noutros lugares do mundo – tornam as escolas em espaços privilegiados para a prática de uma educação transformadora. Mas o que se entende por educação transformadora? E de forma podem as escolas praticar essa transformação?

Alejandra Boni, investigadora da INGENIO e docente da Universidade Politecnica de Valência nas áreas da Cooperação e do Desenvolvimento

Falamos de educação transformadora quando promovemos e criamos condições para a existência de cidadãos globais, pessoas activas, responsáveis, comprometidas, que querem transformar a partir de um conjunto de princípios como a justiça social, a equidade, o respeito e a igualdade. Pessoas que querem transformar a sua sociedade, aquela em que estão inseridas e que lhes está próxima, mas tendo presente o global. Nesta perspectiva, uma escola capaz deste desafio converte-se em espaço de transformação.

De acordo com o Movimiento por la Educación Transformadora y Ciudadania Global, uma iniciativa que promove o intercâmbio e a partilha de aprendizagens na área da Educação para a Cidadania Global (ECG) entre professores e escolas em Espanha, este caminho só se concretiza através de uma educação que promova a Cidadania Global: que introduza questões relevantes, que pense no local e no global e favoreça, assim, o pensamento sobre pedagogias transformadoras. Em conjunto com outras “Educações para…” (para o Desenvolvimento, para a sustentabilidade, o ambiente, etc.), a ECG permite, em articulação com outras pessoas e organizações, produzir conhecimento diferente. Permite, inclusivamente, pensar em estratégias políticas para alteração de políticas públicas, de currículos. Entre um leque de outras tantas possibilidades.

Neste âmbito, o Movimiento desenvolveu uma proposta em que são apresentadas um conjunto de características base, uma espécie de traços caracterizadores daquilo que uma educação transformadora deve ter em vista. A proposta, que me coube apresentar na Conferência (Re)Pensar a Escola enquanto Escola transformadora, oferece um leque de ideias para diferentes tipos de pedagogia e de participação – quem participa? Quem toma as decisões? Quem define o currículo? E ajuda as escolas a tornar possível uma participação onde os estudantes tenham mais voz, só para mencionar um exemplo. A proposta conduz, ainda, a um questionamento sobre as interacções das escolas com a sua envolvente e a uma análise estratégica dos próprios processos que levam a cabo – estão a conduzir a algum tipo de transformação? E de que transformação falamos?

[quote_center]A proposta do Movimiento por la Educación Transformadora y Ciudadania Global ajuda a tornar possível uma participação onde os estudantes tenham mais voz[/quote_center]

A ideia é facilitar a prática de cada escola. E, por isso, os professores e as professoras são incentivados a testar a proposta, de preferência em contextos escolares distintos, para que se identifiquem prioridades, preferências e se altere o necessário. Temas como a flexibilidade curricular e a interdisciplinaridade, por exemplo, que estão na ordem do dia em Portugal, não estão incluídos nesta proposta. Mas podem vir a estar, é esse o espírito do documento.

Claro que esta proposta na qual colaborei resulta da longa experiência que temos em Espanha na ligação entre o sector das ONG para o Desenvolvimento e as redes de professores. Mas nem só este historial conta. O contexto político pode também favorecer o processo de transformação nas escolas e parece-me inegável que, se nos focarmos em Portugal, existem actualmente oportunidades reais de influenciar o currículo escolar e de introduzir elementos de ECG. Creio que este é o momento certo para se apresentar propostas concretas e promover experiências piloto que permitam colocar em prática novas metodologias e gerar um corpo de resultados. A avaliação é, aliás, um aspecto muito interessante para que, independentemente do partido político em funções, tenhamos argumentos para defender a nossa proposta. Não nos podemos esquecer que esta escola transformadora é contra-hegemónica por natureza.

[quote_center]O PISA tem que ser desafiado de alguma maneira, porque estamos a olhar todas as escolas por igual[/quote_center]

A educação ‘convencional’ caminha noutra direcção: são fornecidos os conteúdos, as avaliações são iguais para escolas diferentes… O sistema PISA (Programme for International Student Assessment), uma grande avaliação internacional, promovida pela OCDE, à literacia dos alunos de 15 anos, em três áreas-chave – Ciências, Matemática e Leitura -, propõe-se avaliar a qualidade e a excelência de um modo homogéneo, e isso tem que ser desafiado de alguma maneira. Acredito que é aqui que se encontra uma das questões mais sérias, porque estamos a olhar todas as escolas por igual. Há que criar sistemas mais completos, mais contextualizados.

Acredito no papel das escolas que podem realizar os seus diagnósticos, pensar de onde partem e até onde querem e podem ir, quais as suas prioridades. E acredito no papel das organizações da sociedade civil. Creio que, se pretendem ser um actor a trabalhar pela transformação, necessitam de ter uma acção política. Se tivesse que olhar a realidade portuguesa e deixar uma recomendação, seria esta: que se aproveite esta abertura política para mobilizar, aplicar, testar e avaliar. Este é, sem dúvida, um tempo favorável para esta acção.

Nota:
Alejandra Boni esteve em Portugal a convite da FGS – Fundação Gonçalo da Silveira e do CIDAC, para participar na Conferência (Re)Pensar a Escola enquanto Escola transformadora, que se realizou no dia 15 de Fevereiro, na Fundação Cidade de Lisboa, e que contou com cerca de 200 participantes interessados em repensar as práticas de educadores e de professores, numa perspectiva de educação transformadora.

Investigadora da INGENIO e docente da Universidade Politecnica de Valência nas áreas da Cooperação e do Desenvolvimento