O voluntário é alguém que acredita numa causa, que acredita que tem um papel a desempenhar na sociedade civil, que está disponível não só em termos de “tempo real”, mas também para crescer e redescobrir as potencialidades que apresenta e que pode rentabilizar ao serviço do outro. Por isso, o voluntariado não é para todos
POR CARMO THEMUDO

Quando vi o filme confesso que fiquei um pouco perplexa e logo senti necessidade de o ver outra vez para confirmar a minha sensação. Um título tão sugestivo – “Who wants to be a volunteer” -, um tema tão sério, o do voluntariado, como seria possível tal provocação? Sim, o filme provoca-nos. Tem uma rapariga, “gira”, que faz/quer ir fazer voluntariado em África. Provoca-nos porque impressiona a falta de relação com as pessoas e a falta de conhecimento do local, do ambiente, das circunstâncias…

O filme mostra alguém que parece que quer ser voluntária a todo o custo. Provoca-nos porque faz-nos pensar. Será que qualquer um pode ser voluntário? Será que o voluntariado está ao alcance de todos? Basta querer? Que mal tem ser voluntário porque é moda?

Como responsável da CASO – núcleo de voluntariado da Universidade Católica – Porto, estas perguntas surgem naturalmente depois da visualização do filme, porque também já foram surgindo ao longo da história da CASO. Começámos em 2002 e percebemos hoje que a nossa exigência é grande. A responsabilidade de ser voluntário da CASO pressupõe a consciencialização de que se é parte integrante de um caminho de construção relacional, iniciado por voluntários de gerações anteriores (e possivelmente, a ser percorrido por voluntários de gerações futuras).

O voto de confiança dado pelas instituições é elevado. Abrem-nos a porta dos seus espaços e casas com a máxima generosidade e por isso espera-se que o voluntário da CASO traduza o bom nome da Universidade Católica. Mas também queremos que o voluntário da CASO se preocupe consigo enquanto pessoa e perceba que é na abertura ao outro que se conhece melhor a si próprio. Porque não basta querer ser voluntário.

Ninguém é obrigado a comprometer-se, mas um voluntário tem a obrigação de respeitar o seu compromisso. Por isso o voluntariado não é para todos.

O voluntário é alguém que acredita numa causa, que acredita que tem um papel a desempenhar na sociedade civil, que está disponível não só em termos de “tempo real”, como disponível para crescer e redescobrir as potencialidades que apresenta e que pode rentabilizar ao serviço do outro.

O voluntário é também aquele que identifica os seus limites e percebe que não pode “mudar o mundo”, mas que pode ter um papel activo no contexto que lhe é próximo, no seu dia-a-dia. Simples gestos diários, mas comprometidos, fazem realmente a diferença. O voluntário é aquele que se deixa interpelar por quem passa por si na rua. É aquele que não é indiferente ao que acontece nas notícias e que sente que tem algum contributo a dar ao mundo. É alguém que não tapa os olhos à pobreza e ao sofrimento existentes no SEU mundo.

Porque sabe que boa vontade e “dar um moeda de vez em quando” não chega, é preciso agir, é preciso que se entregue, com coragem e ousadia! O voluntário é também aquele que se esforça diariamente para se posicionar no lugar do outro, independentemente de quem seja esse outro. Questiona frequentemente sobre quem está à sua frente e vê para além das aparências. Tenta restituir a dignidade que frequentemente a pessoa considera que perdeu, fazendo-se espelho das potencialidades que essa pessoa traz consigo. O voluntário é alguém que está disponível para aprender, quando não sabe. Para crescer, quando sente que falha. Porque ser voluntário exige uma renovação constante da persistência, do olhar para o outro, do enfrentar de tantos dias cinzentos e torná-los em dias desafiantes. Só os fortes resistem neste caminho de voluntariado e, quando tal acontece, automaticamente assumem uma postura de voluntários para a vida.

[quote_center]Ninguém é obrigado a comprometer-se, mas um voluntário tem a obrigação de respeitar o seu compromisso. Por isso, o voluntariado não é para todos[/quote_center]

Mas a gestão de voluntários exige mais, porque queremos que a experiência de voluntariado seja positiva para ambas as partes. Por isso tentamos que a gestão da CASO seja séria e profissional.

Para tal, concorrem vários factores, num processo anual composto por várias fases: 1) Recrutamento e Selecção – que integra sessões de apresentação e entrevistas pessoais com carta de motivação; 2) Formação Geral e Especifica – os voluntários não devem ir para o terreno sem bases teóricas relativamente aos seus direitos e deveres e ao que se espera do voluntariado e ainda com formação na sua área específica de actuação; 3) Perfis de Posto – é essencial dar aos voluntários, por escrito, uma descrição do que será o voluntariado e das respectivas tarefas que deverão cumprir, ao assumir o compromisso; 4) Cerimónia de Compromisso – depois de um mês de experiência, os voluntários assumem publicamente, perante colegas e instituições parceiras, o seu compromisso; 5) Supervisão – é desejável que, ao longo do trabalho desenvolvido, o voluntário receba feedback sobre o seu desempenho, o que lhe dá motivação para mudar e continuar; 6) Reconhecimento – é essencial transmitir o reconhecimento das instituições parceiras ao trabalho dos voluntários, valorizando a sua presença e a importância dos seus contributos, frequentemente inovadores; 7) Motivação – os pontos anteriores convergem para este. Motivar e manter voluntários motivados pode ser a chave do sucesso. 8) Avaliação – no final de cada ano, esta é feita pelos voluntários e pelas instituições.

Gostaria ainda de concluir referindo que parte da riqueza do trabalho com voluntários reside no acompanhamento da sua progressão enquanto seres humanos e na compreensão dos seus ritmos. Inicialmente, somos nós que lhes agradecemos a sua disponibilidade, no final são eles que nos agradecem a oportunidade de aprendizagem que lhes foi proporcionada. A gratidão multiplica-se, quando é valorizada.

O que é a CASO?

A CASO (CAtólica SOlidária) é o núcleo de voluntariado da Católica Porto, fundado em 2002. Os nossos voluntários são maioritariamente estudantes, mas também docentes, funcionários e antigos alunos da Universidade. A CASO possibilita a oportunidade de realização de voluntariado regular (periodicidade semanal/quinzenal) em cinco áreas ‘SER+’: +Vida (contexto hospitalar); +Abrigo (pessoas em situação de “sem abrigo”); +Especial (pessoas com deficiência); +Exemplo (contexto escolar/ATL); +Sabedoria (contexto de lar de idosos). Existe também a possibilidade de colaborar com a CASO apenas esporadicamente, através da área SER+ Pontual (através da participação, por exemplo, em campanhas de recolha de alimentos do Banco Alimentar Contra a Fome/Cruz Vermelha, campanhas de angariação de fundos da Liga Portuguesa Contra o Cancro, Cáritas, etc.). Tais actividades de voluntariado pontual encontram-se abertas a toda a comunidade envolvente (a familiares e amigos de alunos).


O voluntariado não é um passatempo nem uma actividade extracurricular

“Para mim o voluntariado é lidar com cada pessoa como se fosse a única que ali estivesse. Porque cada uma tem uma história, uma família, é filho, mãe ou pai de alguém. Merece que a tratemos de forma única e merece tudo o que possamos e tenhamos para lhe oferecer, mesmo que não seja muito. Cada pessoa, com a sua história, tem algo diferente para nos ensinar. Seja com o sorriso, com palavras, com gestos, com o olhar ou com uma simples expressão. (…) O voluntariado não é um passatempo nem uma actividade extracurricular. É uma característica e faz parte de nós. São pessoas com histórias únicas que, semanalmente, me dão muito, muito mais do que eu a elas.” Mafalda Magro (Área SER+VIDA)


Responsável da Unidade para o Desenvolvimento Integral da Pessoa (UDIP)