Desperdiçar o valor gerado pelos agentes económicos da saúde significa desperdiçar a capacidade de gerir melhor os nossos recursos e de aproveitar o retorno económico e social do que investimos. A acumulação de dívida aos fornecedores do Serviço Nacional de Saúde e a perda de competitividade internacional exigem medidas extraordinárias para alcançarmos uma solução efectiva e de longo prazo
POR JOÃO ALMEIDA LOPES

Hoje, o contributo das empresas para a organização das sociedades modernas é indiscutível. As empresas são agentes ao serviço do investimento, da inovação e da valorização dos recursos humanos. No fundo, cuidam da economia ao criar emprego e gerar riqueza.

Apesar desta evidência, muitos tendem a dissociar esta dinâmica empresarial dos ciclos de desenvolvimento sustentável e rejeitam que as empresas fazem parte da solução, óbvia, para aprofundar modelos de sociedade mais justos e equilibrados.

As empresas da saúde não são alheias a esta circunstância. Na verdade, a saúde em Portugal contribui decisivamente para o reforço da competitividade e da performance económica e social do país. As actividades económicas do sector empregam mais de 255 mil pessoas em Portugal e contribuem com exportações anuais que superam 1,5 mil milhões de euros.

Falamos de uma realidade de cerca de 80 mil empresas e de um valor acrescentado superior a 8 mil milhões de euros que gera um volume de actividade anual superior a 24 mil milhões de euros. A área envolve em Portugal mais de seis mil pessoas ligadas à Investigação e Desenvolvimento (I&D) de inovação, das quais quase três mil são doutorados.

O sector utiliza tecnologia avançada, promove emprego altamente qualificado, contribui para o investimento em inovação, estimula as exportações e gera, no seu conjunto, externalidades positivas em diversas áreas da sociedade.

Desperdiçar o valor gerado pelos agentes económicos da saúde significa desperdiçar a capacidade de gerir melhor os nossos recursos e de aproveitar o retorno económico e social do que investimos.

Lamentavelmente, em Portugal, continuamos a diabolizar os agentes económicos da área da saúde, preferindo ignorar o seu contributo para o progresso tecnológico, social e económico do país. Enquanto isso, o debate em torno do Sistema de Saúde centra-se nos problemas de sempre: o valor do défice, a insustentabilidade, a falta de acesso, a ineficiência e a deterioração dos resultados em saúde.

Estas são as consequências de um serviço público de saúde que, como todos os seus agentes constatam, inclusivamente o próprio Ministro da tutela, vive, há tempo demais, subfinanciado e de orçamentos suplementares, situação que conduz a um agravamento do stock da dívida do Estado aos fornecedores do Serviço Nacional de Saúde.

[quote_center]As farmacêuticas fazem um esforço enorme para acomodar a dívida, mantendo o abastecimento regular de medicamentos aos hospitais e garantindo o tratamento dos doentes[/quote_center]

Este ciclo vicioso tem vindo a arrastar-se há demasiados anos e só não coloca em causa a sustentabilidade do Serviço Nacional de Saúde e a prestação universal e equitativa dos cuidados de saúde aos portugueses porque as empresas têm acomodado estes efeitos.

A principal preocupação das empresas da saúde são as pessoas e, nesse sentido, as farmacêuticas fazem um esforço enorme para acomodar a dívida, mantendo o abastecimento regular de medicamentos aos hospitais e garantindo o tratamento dos doentes.

Esta situação não é, no entanto, sustentável porque tem repercussão na capacidade de o Serviço Nacional de Saúde prestar os cuidados médicos necessários, coloca em causa a saúde financeira de muitas empresas nacionais e, no que diz respeito às empresas internacionais e multinacionais, acarreta inegáveis prejuízos de reputação ao nível externo para Portugal.

No fundo, os agentes económicos da saúde estão a financiar o Estado, o que tem implicações nas empresas e deteriora a relação de confiança entre o Estado e as empresas.

Toda a relação empresarial deve ser ancorada no claro respeito pelos compromissos assumidos. E, neste campo, ninguém deve estar acima da lei, nomeadamente em matéria de pagamentos pontuais. E o Estado deve dar o exemplo.

Atentamos no exemplo da relação entre os hospitais públicos e as empresas associadas da APIFARMA – Associação Portuguesa da Indústria Farmacêutica. Actualmente, o Prazo Médio de Recebimento do total da dívida respeitante a 68 empresas associadas atinge os 409 dias. Apesar das tentativas de redução destes prazos é preciso consensualizar medidas concretas para renovar a confiança comercial entre as partes.

A inexistência de uma cultura de pagamento “a tempo e horas” tem um impacto devastador na economia nacional, com consequências na liquidez das empresas, ao nível do desemprego e na concorrência desleal que provoca.

No entanto, o Estado, ao desconsiderar a saúde como factor de crescimento e desenvolvimento, prejudica não só o Sistema de Saúde, mas também o investimento e o emprego.

Mais, ao ignorar a Directiva Europeia dos Atrasos de Pagamento, iniciativa da Comissão Europeia destinada a resolver, ou pelo menos reduzir, os problemas inerentes aos atrasos de pagamento, geramos incerteza na máquina económica, provocando perda de competitividade e colocando em causa a capacidade para atrair potenciais investidores internacionais para Portugal.

A economia portuguesa continua a sofrer as consequências nefastas de um longo período de pagamentos em atraso. Muitas empresas agonizam, fruto do permanente desequilíbrio das contas e da falta de previsibilidade.

É, por isso, essencial, no que à saúde diz respeito, que os decisores políticos aprofundem a inversão das políticas restritivas sobre os agentes económicos da saúde e fomentem a criação de um ambiente favorável ao investimento nesta área, sob pena de as companhias reequacionarem projectos futuros em Portugal.

Este difícil contexto – acumulação de dívida aos fornecedores do Serviço Nacional de Saúde e perda de competitividade internacional – exige medidas extraordinárias para alcançarmos uma solução efectiva e de longo prazo.

A saúde é um poderoso motor de sustentação e de crescimento económico. Mais vitalidade nesta área interessa a todos: aos cidadãos, aos profissionais, às empresas da área, às autoridades, aos decisores.

Consideramos, por isso, muito meritório o trabalho desenvolvido pela ACEGE – Associação Cristã de Empresários e Gestores, em prol de uma nova economia baseada no saudável equilíbrio entre o Estado e os seus fornecedores e na prática de relações comerciais responsáveis e virtuosas.

Em especial, a iniciativa “Compromisso Pagamento Pontual”, constitui uma excelente ferramenta de sensibilização da opinião pública e de todos os agentes económicos para a urgência da edificação de nova cultura nacional de pagamentos pontuais.

Presidente da Direcção da APIFARMA