A iniciativa é inédita: pela primeira vez, o Vaticano publicou um relatório que alerta para o perigo das alterações climáticas, apelando a uma “atitude global urgente”. O caminho, segundo os especialistas do Painel da ONU para as Alterações Climáticas, passa hoje por uma aposta em força nas energias renováveis que, se bem exploradas, podem suprir 80% do abastecimento energético mundial. Mas a urgência é tanta que os cem locais mais ameaçados do planeta já foram devidamente registados, para mais tarde recordar
POR GABRIELA COSTA

Pela primeira vez na História, um Relatório da Pontifícia Academia de Ciências apela a que todos os países se foquem numa transição urgente para as energias renováveis, medida que deverá ser complementada com outras estratégias para reduzir as emissões de dióxido de carbono (CO2). O documento encomendado pelo painel científico do Vaticano declara a necessidade dos governos tomarem medidas imediatas de combate às alterações climáticas, aliando-se assim à comunidade internacional empenhada nesta luta.

No relatório, denominado “Fate of Moutain Glaciers in the Anthropocene”, o Vaticano alerta para o perigo das alterações climáticas, avisando que “os humanos têm que tomar acções decisivas para evitar a crise que está para vir”. Preparado em conjunto com vários climatologistas, entre os quais o presidente do IPCC (Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas, Rajendra Pachauri, o documento do Vaticano apela “a todas as pessoas de todas as nações para reconhecerem os impactos sérios e potencialmente irreversíveis do aquecimento central causado pelas emissões antropogénicas de gases com efeitos de estufa e outros poluidores, e por mudanças nas florestas, nas zonas húmidas, nas pradarias e noutros tipos de terras”.

Segundo o documento, “entramos numa nova era geológica que começou quando os impactos do ser humano no planeta se tornaram o principal factor no meio ambiente e nas mudanças climáticas. Pedimos para que todas as pessoas e nações reconheçam os impactos sérios e potencialmente reversíveis do aquecimento global causado por emissões dos gases do efeito estufa e outros poluentes”.

Esta análise revela que um trilhão de toneladas destes gases já estão espalhados na atmosfera, e a concentração de CO2 no ar é a mais elevada, em oitocentos mil anos. O Vaticano recorda que anualmente cerca de dois milhões de mortes ocorrem devido à mudança na composição e na qualidade do ar, e que estas mudanças já causaram o derretimento de mais de cinqüenta por cento das geleiras dos Alpes, por exemplo.

O documento sugere ainda que, enquanto as alteraçoes climáticas decorrentes de transformações naturais ocorrem em períodos de no mínimo dez mil anos, as induzidas pelo ser humano são perceptíveis em períodos de dez a cem anos. Acresce que esta realidade se torna ainda mais preocupante ao acontecer num período interglacial, quando a temperatura da Terra já está no seu máximo.

Para mitigar essas alterações, os cientistas do Vaticano recomendam três medidas: reduzir as emissões de CO2 em todo o mundo com urgência; optimizar todos os meios possíveis para atingir as metas globais; e garantir a estabilidade do sistema climático em longo prazo. O relatório conclui que “o custo dessas medidas é pouco em comparação com o preço que o mundo pagará se não agirmos agora”.
Recorde-se que no seu discurso de Votos par 2011, proferido na passagem para 2011, o papa Bento XVI já havia destacado os problemas ambientais – com enfoque nas alterações climáticas – como uma das problemáticas emergentes do século XXI.

Só fontes limpas em 2050
O mais recente relatório do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC) revela que as energias renováveis poderão garantir cerca de oitenta por cento do abastecimento energético mundial, em 2050. As boas notícias dependem, contudo, da adopção das políticas adequadas, pelo que, como vem sucedendo nesta área, é necessário que os governos a nível mundial – particularmente dos países desenvolvidos – assumam um compromisso sério e a longo prazo, que permita proceder, de facto, a mudanças no sistema energético capazes de inverter a actual realidade: de toda a energia consumida na Terra, apenas treze por cento se refere a renováveis, segundo o relatório do IPCC apresentado em Abu Dhabi, nos Emiratos Árabes Unidos. O uso de lenha e outras formas de biomassa nos países desenvolvidos contribuem para cerca de sessenta por cento destes resultados, avança o documento.

Se bem aproveitado, o potencial de opções renováveis, como parques eólicos, painéis solares, biomassa ou barragens, seria suficiente para suprir as necessidades energéticas globais, conclui o painel científico da ONU, sublinhando que, para tanto, seriam necessários investimentos em novas infra-estruturas e políticas, o que custaria apenas um por cento do PIB mundial, alerta o IPCC. Segundo os especialistas, atingir um objectivo fixado nos 77 por cento custaria 5,1 triliões de dólares americanos até 2020, quantia que subiria para 7,2 triliões de dólares, entre 2021 e 2030.

Se o sector de produção de energia limpa crescer de modo a dar resposta a três quartos da procura de energia em todo o mundo, “as tecnologias das renováveis podem, claramente, dar ao mundo mais energia do que alguma vez podemos precisar, e com um preço muito competitivo”, salienta Steve Sawyer, do Global Wind Energy Council “.

O documento dedicado às Energias Renováveis e à Mitigação das Alterações globais do clima (como o aquecimento global, por exemplo) revela, ao longo dos últimos anos, um bom crescimento da produção de energias renováveis que, no final de 2009, satisfaziam 12,9% da demanda energética mundial. O IPCC estima que “com as políticas adequadas e o investimento necessário”, nos próximos quarenta anos esse contributo pode aumentar até aos 77 por cento. A meta é ambiciosa mas dela depende um futuro mais ou menos sustentável, onde as fontes de energia limpa terão de ganhar terreno se quisermos atingir níveis de gases com efeitos de estufa suficientemente baixos para manter a temperatura global do planeta dentro do limite de segurança estabelecido na Cimeira do Clima da ONU, em Cancún, para evitar catástrofes provocadas pelas alterações climáticas, ou seja, um aumento de dois graus no máximo.

O relatório elaborado por 120 investigadores destaca a importância do sector da Energia Eólica, actualmente responsável por dois por cento da procura global de electricidade, o que é particularmente relevante para o mercado português, que aposta cada vez mais na energia do vento. Para os especialistas do IPCC responsáveis por esta que é a primeira análise pormenorizada das energias baixas em carbono a cargo do IPCC, este valor deverá ascender aos vinte por cento, até 2020 e pode, só por si, suprir a totalidade das necessidades energéticas.

Já a energia solar poderia superar, em várias vezes, estas necessidades, conclui o organismo das Nações Unidas. Mas a energia geotérmica e a das ondas “não deverão contribuir significativamente para o fornecimento global de energia antes de 2020”, conclui-se também.

Incluindo a análise de 164 diferentes cenários científicos futuros, a partir de vários níveis de fontes de energia renovável e de um conjunto de factores sociais e ambientais inevitáveis, o estudo do IPCC promove, antes de mais, os benefícios da aposta nestas fontes de energia menos poluntes, cujo uso poderá permitir a não-emissão de 220-560 mil milhões de toneladas de dióxido de carbono para a atmosfera, com resultados positivos fundamentais e urgentes, tanto no combate às alterações climáticas, como nos níveis  de qualidade do ar, cuja melhoria teria importantes impactos para a saúde humana, cada vez mais afectada por doenças crónicas do foro respiratório, como a asma.

Organizações ambientalistas como a World WideFund já elogiaram a iniciativa do Painel Intergovernamental da ONU, ao produzir um relatório que apela à aposta no papel das energias renováveis, em oposição aos combustíveis poluentes, como o petróleo e o carvão: “estamos muito satisfeitos quanto ao resultado” disse à Reuters Jean-Philippe Denruyter, dirigente da WWF.

No desolo do degelo
De acordo com outro estudo recente, desta vez a cargo do Programa de Avaliação e Monitoração do Árctico (AMAP), a diminuição do gelo marinho está a contribuir para acelerar o derretimento do Árctico mais do que os cientistas esperavam. A região está a derreter “a olhos vistos” e o nível do mar pode aumentar em 1,5 metros, avança o estudo que contém neste momento os dados mais abrangentes sobre as alterações climáticas no Árctico.

Um cenário preocupante, quando comparado com estudos anteriores, que previam uma elevação de até 59 cm no nível do mar: “o derretimento das geleiras e calotas polares do Árctico, incluindo o gelo da Groenlândia, está projectado para elevar o nível global do mar de 90 a 160 cm até 2100”, sublinha a AMAP.

As principais conclusões do relatório difundido entre os ministros dos oito países do Árctico – Noruega, Suécia, Finlândia, Rússia, Estados Unidos (Alasca), Canadá, Dinamarca (Groenlândia) e Islândia – no início deste mês revelam que as temperaturas do Árctico nos últimos seis anos foram as mais elevadas desde que as medições começaram em 1880. Paralelamente, “mecanismos de feedback apontam para o início de uma aceleração do aquecimento do clima”. Um destes mecanismos envolve um acréscimo da absorção de calor pelo oceano quando não está coberto por gelo: é que o gelo reflecte a energia do sol, ao contrário do oceano que é mais escuro e absorve a sua energia. Este efeito, já antecipado pelos cientistas, só pôde ser confirmado com uma “evidência clara” na região árctica nos últimos cinco anos, avança ainda o estudo da AMAP.

Face às previsões tecidas em 2007 pelo Painel Intergovernamental sobre as Mudanças Climáticas, o documento da AMAP revela-se mais pessimista, prevendo por exemplo que a cobertura de gelo do mar no Árctico esteja a encolher mais rapidamente do que a ONU projectara. Diz o relatório que o nível de cobertura de gelo no Verão se tem mantido próximo do limite a cada ano, desde 2001, mas que dentro de trinta a quarenta anos o oceano Árctico estará praticamente livre de gelo durante a estação mais quente.

Confirmando que o derretimento de geleiras e de camadas de gelo em todo o mundo é o maior responsável pelo aumento do nível do mar, o documento da AMAP acciona os alertas mais fortes para a região da Gronelândia que, sozinha, equivale a mais de quarenta por cento dos 3,1 milímetros de elevação do nível do mar, observado anualmente entre 2003 e 2008. A perda de massa de gelo da Groenlândia, que cobre uma área do tamanho do México, aumentou de 50 gigatoneladas entre 1995-2000 para mais de 200 gigatonelas entre 2004-2008, avisam os especialistas. A AMAP estimou ainda que a média das temperaturas no Inverno e no Outono no Árctico irá subir de 3º a 6º C até 2080, mesmo que as emissões de gases com efeito de estufa sejam menores que na década passada.

Em conclusão, as mudanças observadas nos últimos dez anos no gelo marinho do Oceano Árctico, na massa de gelo da Groenlândia e nas calotas polares “são dramáticas e representam uma alteração óbvia nos padrões de longo prazo”, alertam os responsáveis do Programa que monitoriza as ameaças ao ambiente árctico.

Cem memórias a preservar
© DR

100 Places to Remember Before they Disappear” ou “100 locais a recordar antes de desaparecerem” é um projecto no mínimo original que reúne trabalhos de cem fotógrafos de outros tantos locais, cuja denominador comum é um só: todos eles correm o risco de desaparecer do mapa do mundo ou estão seriamente ameaçados, devido às alterações climáticas. Alguns dos melhores fotógrafos do mundo abraçaram a ideia, seleccionando as paisagens a partir dos relatórios elaborados pelo Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas das Nações Unidas, e criaram imagens extraordinárias destes que são, também, alguns dos mais belos locais da Terra.

Complementarmente, o site disponibiliza informação técnica e notícias sobre as alterações climáticas, livros, exposições e vários suportes de comunicação que sensibilizam para a causa ambiental.