Ao longo de dois anos, Anne Kreamer falou com dezenas de neurocientistas e entrevistou cerca de 700 profissionais, homens e mulheres, sobre as suas emoções e a forma como as expressam no local de trabalho. Numa altura em que vida profissional e pessoal se interligam sem fronteiras, a autora acredita que os códigos de conduta laborais são anacrónicos e que o verdadeiro segredo para a produtividade e eficácia reside na livre expressão das emoções. Para mulheres e homens
POR HELENA OLIVEIRA

Os locais de trabalho do século XXI têm merecido a atenção de muitos investigadores devido às profundas alterações, tecnológicas, sociais e culturais, que neles têm emergido principalmente ao longo da última década. A forma como homens e mulheres se têm adaptado às novas tendências de trabalho e a sua inter-relação com a vida privada, cada vez mais esbatida em termos de fronteiras, têm igualmente sido alvo de pesquisa e de mais um nicho no mercado das publicações. Adicionalmente, a questão dos géneros continua a fazer correr muita tinta, numa altura em que o tema, supostamente, deveria pertencer ao passado, ou à época em que os homens dominavam as fileiras empresariais e as mulheres as esferas domésticas.

Anne Kreamer, antiga directora criativa do canal Nickelodeon, actual colunista da revista Fast Company e da Harvard Business Review e autora do livro Going Gray, What I Learned About Beauty, Sex, Work, Motherhood, Authenticity And Everything Else That Matters, iniciou, com o seu livro mais recente It’s Always Personal, uma verdadeira exploração das novas realidades da emoção no local de trabalho, estando igualmente a preparar o lançamento de uma outra obra, intitulada Plan C, na qual apresenta uma pesquisa sobre a adaptabilidade sem precedentes que é actualmente necessária para todos os trabalhadores do século XXI.

Para a autora, existe um verdadeiro anacronismo no que respeita à manifestação de emoções no local de trabalho, tanto para homens como para mulheres, e defende que a sua compreensão poderá ajudar a uma gestão mais saudável e eficaz das mesmas, o que contribuirá não só para o sucesso profissional, mas também para o sempre complexo equilíbrio entre família e trabalho.

Se, à primeira vista, o tema pode parecer uma oportunidade de se vender mais um livro de auto-ajuda ou algo similar, quando aprofundado, oferece um conjunto de questões que nos são próximas, enquanto trabalhadores, e para as quais não somos suficientemente despertos.

Para já, atentemos às duas mudanças por excelência que Kreamer identifica nas suas pesquisas – denominando-as como “sísmicas” – no que respeita à forma como o trabalho funciona nos dias que correm:

Por um lado, diz, as novas tecnologias abriram caminho à neurociência para que esta  descobrisse que homens e mulheres são “ligados” de forma diferente e que – surpresa – são os homens que tendem a reagir de forma mais emocional e irracional a certas situações profissionais, acabando com o mito de que as mulheres são as únicas criaturas emotivas no local de trabalho. Mais ainda, e de acordo com uma pesquisa recente coordenada pelo neurocientista John Coates, da Universidade de Cambridge, é sugerido que a explosão dos níveis de testosterona nos traders financeiros masculinos produz estados de euforia que causam uma minimização da ideia de risco, o que pode ter contribuído para a crise financeira global que estourou em 2008.

Por outro lado, relembra Kreamer, as métricas do século XXI no que respeita ao empowerment profissional e económico das mulheres comprovam igualmente que o local de trabalho está a sofrer alterações profundas. Recorrendo a dados estatísticos dos dois últimos anos e nos Estados Unidos, a autora sublinha o facto de a força de trabalho norte-americana ser agora constituída por mais mulheres do que homens e que as ocupações pós-industrialização nas quais as mulheres são predominantes – saúde e educação, entre outras – constituem também sectores em crescimento. O número de mulheres licenciadas é também superior ao dos homens e, apesar das mulheres serem ainda raras em posições de topo nas grandes empresas e na área financeira (algo que, defende Kreamer, irá sofrer uma mudança radical assim que os predominantemente masculinos CEO da actualidade se reformarem), um estudo de 2004 levado a cabo pela Catalyst concluía que as empresas com maior percentagem de mulheres em lugares executivos têm, em média, um retorno 35% mais elevado.

Mas e voltando aos avanços da neurociência, Kreamer cita ainda um outro estudo sobre as diferenças de género, no qual cinco psicólogos, pertencentes a universidades de prestígio como Stanford, Columbia e MIT, reportaram que apesar de homens e mulheres não diferirem especialmente na sua “reactividade” básica a questões emocionais, são bastante diferentes nas formas que escolhem para a elas responderem.

Existem, assim, diferenças de género na forma como homens e mulheres são capazes de regular e gerir a sua resposta emocional a estes estímulos. A amígdala sofre uma menor activação no cérebro dos homens do que no das mulheres, ao passo que porções do córtex pré-frontal das mulheres – o centro do controlo cognitivo – mostram mais actividade quando comparadas com as dos seus pares masculinos. Esta relativamente nova ciência das emoções está assim a confirmar que existem diferenças neuroquímicas significativas entre a forma de homens e mulheres abordarem e lidarem com as emoções. Mas que relação existe entre estas descobertas e a tese de Kreamer no que respeita à emergência de se compreender a manifestação das emoções no local de trabalho e o seu papel anacrónico?

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Levar as emoções para o local de trabalho
Quando Anne Kreamer afirma que as pessoas estão a agarrar-se a noções ultrapassadas sobre as emoções no local de trabalho está a referir-se ao facto de tanto os homens quanto as mulheres continuarem a acreditar que o trabalho é um local onde as pessoas devem suprimir as suas emoções para parecerem profissionais. Para a autora, esse ponto de vista já não é válido, simplesmente porque as pessoas já não colocam a “farda de trabalho” quando vão trabalhar, despindo-a quando chegam a casa. Ou seja, na era pré-internet, pré-telemóveis e pré-redes sociais, era muito mais fácil acreditar na proposição “trabalho = racional” e “casa = emocional”. Todavia e como vida profissional e pessoal estão cada vez mais interligadas, essa distinção tornou-se anacrónica. As pessoas enviam emails, mensagens ou falam em chats com  amigos e familiares ao longo do dia de trabalho, ao mesmo tempo que recebem emails, mensagens ou falam em chats com colegas, superiores hierárquicos ou clientes à noite, nos fins-de-semana e até durante as férias. Como o trabalho se tornou ubíquo, a ideia de que as pessoas assumem “personas” de acordo com os espaços onde habitam (casa/local de trabalho) deixou de fazer sentido. E é também essa ausência de papéis distintos que torna o local de trabalho da actualidade tão difícil de gerir.

Sabemos, desde há muito tempo, que as fronteiras entre vida privada e vida profissional sempre foram difíceis de estabelecer mas, numa era em que empregadores e empregados se encontram acessíveis 24 horas por dia, sete dias por semana, os poucos limites que não podiam ser ultrapassados deixaram de fazer qualquer sentido. E se o senso comum nos ensinava que se quiséssemos expressar as nossas emoções deveríamos esperar pela chegada a casa – e descarregar no companheiro ou nos filhos – apesar de conter ainda alguma verdade, também sabemos que a novidade é que a vida doméstica, com todas as suas expressões emocionais complexas, está cada vez mais ligada à vida profissional.

Para Anne Kreamer, as regras para a etiqueta moderna no local de trabalho ainda não foram escritas. E questiona: de que forma é que evitamos magoar alguém se tudo é suposto ser absolutamente racional, mas transparente e acessível em simultâneo? Como é que os outros podem compreender que emoção está subjacente a algo escrito num email se ninguém se preocupa em gastar um pouco de tempo a ler mais do que o assunto e a primeira linha do mesmo? Adicionalmente, quando mais apostamos na comunicação meramente electrónica e virtual, mais ansiamos por um contacto face-a-face. As novas estruturas organizacionais “horizontais” parecem promover um nível de expressão emocional mais solto. Mas e ao mesmo tempo, são estas organizações “horizontais” que tendem a exigir níveis ainda mais elevados de competências emocionais em conjunto com um esforço mais significativo para se navegar nas estruturas de comando cada vez mais amorfas.

Kreamer afirma também que é necessário sermos mais racionais no que respeita às emoções. Ou seja, a autora defende que o que está a fazer muita falta nos locais de trabalho modernos – exactamente porque ninguém sabe quais são as fronteiras que lhe estão inerentes na actualidade – é alguém lembrar-se de dar uma sessão de coaching, nem que seja de apenas 30 minutos, sobre o que se deve fazer quando alguém chora no trabalho ou quando o chefe desata a berrar com um qualquer colaborador. A autora sublinha que é função da gestão colocar em curso políticas que ajudem as pessoas a aprender como devem lidar com este tipo de situações, principalmente porque elas ocorrem frequentemente.

Adicionalmente, Kreamer fala de uma outra realidade que trará mudanças radicais à força de trabalho no curto prazo. A geração millenial, que cresceu com a transparência emocional própria das redes sociais, está a ocupar sobremaneira as fileiras laborais. E, à medida que forem substituindo as gerações mais velhas, não existirá ponto de retorno para o mundo outrora compartimentalizado.

A tese de Kreamer assenta na ideia de que caso homens e mulheres decidissem expressar as suas emoções de uma forma mais fácil e rotineira no local de trabalho – sejam elas a ansiedade, a tristeza, a raiva, o afecto, a alegria, as lágrimas ou umas boas gargalhadas – talvez o sentimento de ansiedade crónica ou de opressão que as pessoas tantas vezes sentem diminuísse. Ao negar o conjunto de expressividade emocional que nos é intrínseco e que não se coaduna com o que até agora se rotulou como apropriado, todos nós nos sentimos mais perdidos e sem saber como gerir este admirável novo. E foi por isso que decidiu fazer um inquérito, para comprovar a sua tese, que juntou, aleatoriamente, 701 colaboradores da agência de publicidade JWT, de ambos os géneros e com níveis salariais diferentes, para perceber o quão frequentemente estes se sentiam devastados pelas emoções “proibidas” no local de trabalho.

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Choro é substituto da ira
Os resultados da pesquisa de Kreamer sugerem que os trabalhadores do século XXI passam tanto tempo a gerir os seus sentimentos como aquele que despendem realmente a exercer as suas funções. A frustração apresenta-se como o sentimento mais comum e mais duradouro no local de trabalho. Por outro lado, e como já foi anteriormente mencionado, as vidas pessoais misturam-se com as vidas profissionais, e vice-versa, através de Blackberrys e outras parafernálias tecnológicas similares, da ausência de “paredes”, ao que se junta uma força de trabalho feminina superior a 50%.

No estudo foi também concluído que as mulheres choram mais do que os homens no local de trabalho, uma evidência que não constitui surpresa nem para eles nem para elas. Todavia, e apesar de 41% das mulheres entrevistadas terem assumido o choro versus apenas 9% dos seus pares masculinos, são as mulheres que mais duramente julgam as “choraminguices”, mesmo que existam evidências biológicas que explicam esta maior “apetência”, na medida em que as mulheres criam mais prolactina, a hormona que, supostamente, é responsável pelo choro. Mas, e como explica a própria autora, foi pedido aos entrevistados que tecessem comentários sobre si próprios no que respeita a situações emocionais e também em relação aos outros. E se os homens afirmaram que, depois de terem chorado no local de trabalho, se sentiram muito mais aliviados, considerando este acto como um botão emocional e natural de reset, as mulheres são muito mais duras na apreciação: consideram o choro como uma perda de controlo e são extremamente autocríticas no que a ele respeita.

Todavia, a apreciação que Kreamer faz destes resultados sugere que as mulheres que choram, desejariam primeiro demonstrar a sua raiva relativamente a uma determinada situação. Ou seja, como as mulheres continuam a ocupar na gestão, e na maioria dos casos, posições júnior, sentem que seria um suicídio profissional expressar a sua raiva ou descontentamento face a um superior hierárquico homem. E o que acontece é que as suas emoções acabam por ser expressas em lágrimas. O que é duplamente complicado. Desejam expressar a sua raiva, acabam por chorar, o que é mais socialmente aceite, mas não impede que sejam rotuladas como “fracas”. Num capítulo do livro exclusivamente dedicado à “Epidemia da Raiva”, Kreamer sugere que as nossas emoções “profissionais” estão frequentemente associadas à ira ou à cólera. E cita outros estudos que demonstram que quando as pessoas apenas são motivadas em termos profissionais pelo dinheiro, a sua performance é mais medíocre comparativamente aos que trabalham “por gosto”. Desta forma, não nos devemos então surpreender se tivermos raiva ou vontade de chorar num ambiente de trabalho inflexível, no qual nos é exigido que sejamos sempre a mesma pessoa, com o mesmo nível de produtividade dia após dia, mesmo que tudo aponte para a impossibilidade de tal acontecer.

Em suma, o que Anne Kreamer pretende com este livro é quebrar o tabu que existe sobre as expressões emocionais no local de trabalho. Para além de se socorrer dos avanços da neurociência e da ciência da felicidade, fornece ainda um teste de personalidade sobre o “estilo emocional” de cada um e demonstra como é possível, nos locais de trabalho da actualidade – nos quais a paridade de géneros já é, na generalidade, encarada como um dado adquirido – homens e mulheres poderem aprender uns com os outros.

Ou, por outras palavras, para a autora, eficácia e produtividade no local de trabalho significa “ter a capacidade de dar um passo atrás e pensar sobre a nossa forma de pensar e reagir” e expressar os nossos sentimentos de forma autêntica. Esta abertura emocional é, na visão de Kreamer, imprescindível para injectar vitalidade na força de trabalho, tanto para os homens como para as mulheres. E o que é perfeitamente dispensável? Fingir que se é outra pessoa – ou outro sexo – como a vaga de executivas de topo dos anos 1980 que aconselhavam as mulheres a “vestirem calças” e a serem o mais parecido possível com os homens, ignorando as vantagens destas possuírem um cérebro tipicamente feminino que, de acordo com a neurociência, é “superior” ao dos homens no que respeita a interpretar e expressar emoções. Uma última nota para as mulheres que nos lêem: apesar de todos os avanços nas últimas décadas, as mulheres podem voltar a ser as suas principais inimigas. “Enquanto as mulheres parecem ter ganho a luta pela paridade no cérebro dos homens, ainda não permitem a si mesmas acreditar que tal aconteceu mesmo. E, ao não acreditarem, continuam a refrear os seus sentimentos, não agindo naturalmente em termos emocionais, nem retirando vantagens da capacidade que têm para expressar e gerir os sentimentos que as caracterizam”.

A fórmula da felicidade no trabalho
No seu livro It’s Always Personal, Anne Kreamer cita a obra de Jennifer Michael Hecht, intitulada The Happiness Myth e na qual são identificados três tipos de felicidade: “dia bom”, “vida boa” e “apogeu”. Com base nesta identificação, Kreamer adaptou as mesmas à edificação dos actuais locais de trabalho com vista a encontrar as variáveis da “fórmula da felicidade” que realmente influenciam o nosso bem-estar.

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O que significa, então, um “dia bom” em termos profissionais? Chegar cedo ao trabalho, despachar toda a papelada que está acumulada em cima da secretária, ter uma reunião produtiva e ser capaz de sair cedo o suficiente para assistir à peça de teatro de um filho. Ou seja, a felicidade de um “dia bom” é tomar consciência das condições afortunadas que se tem na vida.

Quanto à felicidade da “vida boa” e a forma como ela se relaciona com o trabalho, consiste no envolvimento em tarefas às quais damos significado e que nos desafiam verdadeiramente, e mediante as quais temos consciência que são responsáveis por estarmos a fornecer uma qualidade de vida materialmente decente à nossa família. Este tipo de felicidade está mais relacionado com o trabalho árduo, ou seja, com a noção de que se está a fazer o possível em qualquer que seja o empreendimento, e no qual o próprio trabalho é, em simultâneo, a recompensa. A felicidade da “vida boa” não está relacionada com o género ou com a idade, sobre os quais não temos qualquer influência, mas sim com as condições sobre as quais temos algum controlo, tal como o local onde trabalhamos ou o trabalho que decidimos abraçar. Obviamente que a felicidade da “vida boa” não significa que “estejamos continuamente felizes”. Até a psicologia do positivismo coloca esta ideia em perspectiva, reconhecendo que existem alturas em que o pensamento “negativo” é apropriado, e que as dificuldades, a tristeza ou a dor são inevitáveis. No fundo, todos sabemos que precisamos de obstáculos e de desafios para que as nossas conquistas façam sentido. E a ferocidade – ou um pouco de raiva – pode até estimular a competição.

Finalmente, a terceira espécie de felicidade – aquela em que nos sentimos no apogeu – é do tipo mais transcendente e, por definição, muito mais rara na vida quotidiana e, especialmente invulgar, no trabalho. A autora afirma ter constatado igualmente que este tipo de felicidade se torna cada vez mais ilusória à medida que vamos envelhecendo. Ou seja, nos períodos em que as responsabilidades aumentam, menos disponibilidade sentimos para nos envolvermos nos tipos de experiências que dão origem a este tipo de felicidade em particular. Com o aumento da idade e das responsabilidades, torna-se cada vez mais difícil termos a mesma disponibilidade para nos levantarmos a meio da noite porque os nossos filhos querem ver uma anunciada chuva de estrelas pela janela. A antecipação da exaustão no dia seguinte é muito mais forte do que qualquer tipo de prazer que possamos esperar, apesar de a autora sublinhar que são as experiências que nos podem conduzir ao “apogeu da felicidade” as mais duradouras e aquelas que conferem maior significado e nos ligam à família, a comunidade ou às escolhas que, legitimamente, são nossas. Mais ainda, a autora inclui este tipo de felicidade profissional na categoria da criação de algo original: seja uma nova cadeira ergonómica, a descoberta de uma nova forma de isolar e destruir vírus, conseguir terminar um projecto antes do prazo e com um orçamento reduzido ou qualquer outra coisa que nos distinga num processo verdadeiramente criativo.

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