Focadas num modelo humanista que promove o desenvolvimento holístico da criança, as pedagogias alternativas ao sistema de ensino convencional são um foco de esperança na educação – para a vida – das novas gerações. No arranque de mais um ano lectivo, o VER conversou com Ponces de Carvalho, bisneto do reconhecido autor da Cartilha Maternal, João de Deus, e com as direcções de três escolas que leccionam segundo movimentos como a Pedagogia Waldorf, a Pedagogia High-Scope e o Movimento Escola Moderna
POR GABRIELA COSTA


“Às mães, que do coração professam a religião da adorável inocência, e até por instinto sabem que em cérebros tão tenros e mimosos todo o cansaço e violência pode deixar vestígios indeléveis…”
– João de Deus no prefácio da “Cartilha Maternal ou Arte de Leitura” (1877)

ESCOLAS JOÃO DE DEUS
A visão humanista das lições de cartilha

15092016_Pedagogias11Dedicada à educação e à cultura, a Associação de Escolas Móveis foi fundada em 1882 “com o fim de ensinar a ler, escrever e contar pelo método de admirável rapidez do Senhor Doutor João de Deus (…), enviando nesse intuito às diversas povoações da nação portuguesa professores devidamente habilitados”, de acordo com o  ideal das missões gratuitas de alfabetização do poeta e autor da famosa Cartilha Maternal, e pai do pedagogo João de Deus Ramos.

Hoje a Associação de Jardins-Escola João de Deus dispõe de 55 Centros Educativos em Portugal, cuja actividade integra 37 jardins-escola, sete centros infantis e creches familiares e a Escola Superior de Educação (ESE) João de Deus, beneficiando mais de 8 mil utentes. A ‘família’ João de Deus dinamiza ainda duas ludotecas itinerantes, dois museus e os projectos “Anos Ki Ta Manda” e GIP (Gabinete de Inserção Profissional), bem como o Centro de Acolhimento Temporário de Crianças e Jovens em Risco de Odivelas “Casa Rainha Santa Isabel”, tendo ao seu serviço quase 1300 funcionários, entre educadores, professores, auxiliares de educação e outros colaboradores.

[pull_quote_left]João de deus foi um visionário com uma grande intuição pedagógica – Ponces de Carvalho, director das escolas João de Deus[/pull_quote_left]

Como é sabido, o Método João de Deus assenta nas bases do ensino da leitura e da escrita a partir do estudo da fala enquanto ‘língua viva’, eternizadas por este visionário pedagógico na Cartilha Maternal, publicada em 1877. Uma metodologia que, seguindo “uma via completamente original, quando apresenta as dificuldades da língua (…) numa progressão pedagógica”, estimula a criança a ser “analista da linguagem”, atribuindo-lhe um “papel activo na descoberta de que a posição da letra na palavra determina o seu valor sonoro”.

Como se de um jogo se tratasse, a criança vai aprendendo regras através de um processo que se inicia com a visão das letras, os sons correspondentes, a leitura de palavras e, finalmente, “a pronunciação destas como entidades globais com significado próprio”, desenvolvendo, deste modo, a compreensão e as funções da memória, da atenção e do processamento mental da informação, integrada em contexto real.

Mas o Método João de Deus é também uma filosofia de educação infantil assente num modelo humanista que se orienta por princípios de solidariedade, entreajuda e aprendizagem constante, dedicada ao desenvolvimento integral e harmonioso da criança.

Como sublinha, em entrevista ao VER, António Ponces de Carvalho, presidente da Direcção da Associação de Jardins-Escola João de Deus, a matriz humanista deste projecto educativo está bem presente numa escola que, desde a sua constituição, em 1882, “está aberta a todos, independentemente do seu estatuto económico, social, e da sua religião, credo, ideologia e raça. Esta “é verdadeiramente uma escola para todos – ricos e pobres”.

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Por esse motivo se utilizava, e utiliza ainda hoje, o famoso bibe aos quadradinhos: para que através da roupa não se distinguissem umas crianças das outras”. A indumentária completava-se com umas sapatilhas de lona da cor do bibe, não só por questões de higiene (os sapatos ficavam à porta), mas, e principalmente, porque “a 1ª República proibia que as crianças entrassem na escola descalças”. Nos Jardins-Escola João de Deus (JEJD) “mesmo que não tivessem sapatos, todas eram iguais”.

Acresce que no bibe está escrito o nome da criança, explica o também director da ESE João de Deus, com um simples objectivo: a estimulação da leitura. E a verdade é que de cada vez que chega a um dos mais de 50 centros educativos espalhados pelo País, e cumprimenta uma criança pelo nome, recebendo em resposta uma curiosa “como é que sabes o meu nome?”, Ponces de Carvalho replica orgulhosamente: “porque está aí escrito no teu bibe”. E certo também é que, graças a este simples método, miúdos de 3-4 anos “já percebem que aquele desenho traduz o seu nome”.

Esta é uma estratégia praticada há mais de cem anos nestas escolas, mas que ainda hoje é noticiada como sendo novidade – ainda recentemente um livro lançado em França sobre métodos de estimulação da leitura a defendia, conta ao VER Ponces de Carvalho.

A inscrição no bibe permite ainda “que todas as pessoas tratem as crianças pelo seu nome”, o que faz parte integrante de um conceito fundamental para a Escola João de Deus: o respeito por “cada criança e todas as crianças”. Em cada Jardim-Escola há uma ‘disciplina activa’ no âmbito da qual “cada criança é estimulada a cumprir um conjunto de regras, comportamentos e atitudes, de forma a estar bem consigo e com os outros”. Tendo por base a ideia de que “a disciplina é um meio para vivermos bem em sociedade”, conclui.

[pull_quote_left]A fantasia permite-nos criar pontes para um novo futuro – Paula Martinez, directora do Jardim de Infância S. Jorge[/pull_quote_left]

Nas escolas João de Deus continua-se também a utilizar a Cartilha Maternal, adaptada naturalmente aos dias de hoje. E é interessante verificar que as características que a definem estão, regra geral, contidas nos estudos “dos autores que se debruçam sobre o que deve integrar um bom método de leitura actualmente”, nota o Professor. O que demonstra bem em que medida “João de deus foi um visionário com uma grande intuição pedagógica, que conseguiu escrever há cem anos um método que se mantém pleno de actualidade”.

Tal feito permite que até hoje, nas dezenas de Jardins-Escola espalhados pelo país, “as crianças de cinco anos aprendam a ler e a compreender o que lêem rapidamente e bem, cada um ao seu ritmo” (já que as lições de cartilha são sempre individuais). Prova disso são os resultados destes alunos nos últimos exames nacionais. Os estudantes do 6º ano dos JEJD terminaram o ano lectivo com 100% de aproveitamento, e os do 4º ano com 97%.

Através da Cartilha Maternal, a criança, para além de aprender a traduzir os fonemas, introduz os vocábulos num determinado conceito. De uma forma lúdica, a brincar, vai desenvolvendo destrezas, conhecimentos e, sobretudo, “valores e atitudes que lhe permitem ter sucesso na vida”, sublinha Ponces de Carvalho.

Utilizando jogos de cálculo mental, por exemplo, esta aprendizagem desenvolve estruturas cerebrais que contribuirão para que no futuro o aluno seja mais inteligente e capaz. A mesma abordagem é aplicada em relação às artes, às ciências ou à educação experimental (já no início de 1900 as escolas João de Deus faziam experiências práticas com tiras de vidro pintadas – os slides da época – ou máquinas a vapor, com base num método intuitivo). E, garante o seu presidente, “quem aprende pelo Método João de Deus nunca mais o esquece, pela importância desta experiência na sua vida”.

São muitos os vultos da política, ciência, artes e letras que iniciaram os seus estudos com a Cartilha Maternal. Marcelo Rebelo de Sousa, vários ex-ministros da Educação, o Prémio Nobel da paz Dom Ximenes Belo, mas também Rui Veloso ou o autor Rui Guedes, que criou o hino das escolas João de Deus cinquenta anos depois de ali ter estudado.

Os alunos destas escolas têm arrecadado inúmeros prémios nacionais e internacionais (por exemplo, o 1º lugar na Bienal de Artes Internacional e a maioria dos dez primeiros lugares nas Olimpíadas da Matemática) mas, para Ponces de Carvalho, “a melhor avaliação do trabalho que desempenhamos revela-se pelas carreiras profissionais dos nossos antigos alunos”. Acresce que muitos dos actuais estudantes são já a 2ª ou a 3ª geração de alunos.

Mantendo-se a base do ensino, na João de Deus “estamos sempre à procura de novas formas de dar uma resposta de melhor qualidade às necessidades educativas”, através de experiências diversificadas como visitas de estudo que proporcionam a exploração da fauna e flora e de projectos culturais e históricos de regiões abrangidas por esta rede de escolas.

No que diz respeito à formação de professores, na Escola Superior de Educação o essencial é garantir que os estudantes fiquem habilitados a aplicar o Método João de Deus não só para ensinar a leitura e a escrita mas também para, através de um conjunto de materiais práticos (hoje designados manipuláveis), ajudarem a criança a desenvolver o raciocínio matemático, lógico e abstracto.

Nesta escola superior (de onde saem muitos docentes para leccionar em várias escolas privadas do País) estão ainda abertas vagas para o recrutamento de profissionais, uma vez que a prioridade é contratar quem tem formação no Método João de Deus, adianta ao VER o director da ESE. De resto, “fazemos um acompanhamento contínuo da prática pedagógica (ou supervisionada), porque é fundamental que num primeiro dia de aulas um docente por nós diplomado esteja apto a tomar conta de uma turma de alunos e, sobretudo, a ajudá-los a aprender. Os alunos da ESE têm formação prática desde a primeira semana de aulas”.

Na sua opinião, em muitas outras escolas os professores têm uma ideia generalizada sobre vários métodos mas não sabem aplicar nenhum. E, por isso, “seguem o manual de apoio, que devia ser um recurso educativo e não o centro de aprendizagem dos alunos”. Em relação ao ensino da Matemática, há professores “que se limitam a mandar fazer fichas de exercícios, porque não sabem sequer ensinar a multiplicar. Tudo isto é um erro”, conclui.

Nos Jardins-Escola e na Escola Superior de Educação João de Deus segue-se o modelo humanista, procurando-se sempre que este “seja a realidade de cada um e de todos, naquilo que se traduz por ser a família João de Deus”.

JARDIM DE INFÂNCIA S. JORGE
Cosmovisão pedagógica: as crianças não se educam, desenvolvem-se

15092016_Pedagogias3Valorizar o desenvolvimento motor e sensorial da criança nos primeiros sete anos de vida, deixando para segundo plano os aspectos intelectual e cognitivo. Adaptar as actividades educativas à tendência natural das crianças para serem activas, e ao ritmo da Terra e das estações do ano, promovendo o contacto com a natureza, a multiculturalidade e a educação pela arte. Deixar brincar livremente, estimular a imaginação e proporcionar um ambiente de tranquilidade onde todas as regras partem do exemplo do adulto. Sem moralismos.

Estas são algumas premissas da Pedagogia Waldorf, reconhecida pela UNESCO e considerada o maior movimento pedagógico do mundo. Assente numa visão holística do desenvolvimento humano (as crianças não se educam, desenvolvem-se), foi fundada na Alemanha pelo filósofo Rudolph Steiner em 1919 e introduzida em Portugal em 1984.

No Jardim de Infância S. Jorge,  em Alfragide, na Amadora, que integra jardim-de-infância, para crianças com idades entre os 3 e os 6 anos, e creche, entre os 12 e os 36 meses, “pratica-se desde sempre e há mais de trinta anos”. Ali esta cosmovisão vive-se no dia-a-dia ao ritmo da natureza (o dia e a noite, a respiração humana…) e ao ritmo da cada criança, numa atmosfera familiar que reconhece o princípio básico da imitação e que promove o desenvolvimento integral da criança através de actividades como a euritmia (arte do movimento que acompanha a recitação de poemas, prosa ou música), modelagem em cera de abelha, fabrico de pão, pintura, teatrinhos de marionetas, pequenas tarefas domésticas ou alimentação biológica.

Como explica ao VER Paula Martinez, directora desta escola, o fundamento da Pedagogia Waldorf assenta numa “imagem do Homem enquanto ser constituído por um corpo, uma alma e um espírito, que ao nascer traz consigo determinadas predisposições e propósitos que não derivam da hereditariedade nem do meio ambiente, e que só chegam ao seu pleno desenvolvimento na idade adulta (Antroposofia). Quanto mais se permite que o ser humano desperte em si ricas capacidades de expressão e utilização das suas predisposições, tanto melhor será a sua capacidade de tomar as suas próprias decisões, baseadas num pensar independente, numa liberdade interior”. Nesta perspectiva, “naturalmente surgem diferenças radicais na forma como se educam as crianças”, conclui.

[pull_quote_left]Quanto mais se incentiva o desenvolvimento emocional melhores resultados académicos temos – Sofia Borges, directora de Os Aprendizes[/pull_quote_left]

Defendendo que uma das aptidões mais importantes que podemos preservar na idade adulta é a fantasia criativa, a directora do jardim de infância S. Jorge acredita que a mesma “permite não só o desenvolvimento tecnológico, tão importante hoje em dia, mas também para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária, um mundo sustentável em todas as suas dimensões: quem não tem fantasia está limitado ao que os outros lhe impõem, faltam-lhe ideias, iniciativa, não é livre. A fantasia permite-nos adaptar à realidade presente, mas também criar pontes para um novo futuro”, sublinha Paula Martinez.

E, “estando naturalmente presente na criança pequena” deve ser alimentada nos primeiros anos de vida. Para a estimular, nesta escola as crianças brincam com brinquedos simples e pouco estruturados, “que não condicionem através de funções muito determinadas”, como pedaços de madeira, pinhas, conchas, pedras ou panos. Com eles “a criança cria o que a sua fantasia lhe dita, brincando livremente, sem que se procure com essa brincadeira cumprir determinado objectivo de aprendizagem, que não seja o que decorre do brincar em si”. Simultaneamente, é-lhe permitida a possibilidade de imitar os adultos, “que se educam para ser dignos de imitação e que realizam pequenas tarefas domésticas que a criança pode também realizar, como cozinhar, limpar ou cuidar do jardim, proporcionando-lhe um ambiente de tranquilidade, segurança e calor humano”, salienta Paula Martinez.

Apologista dos valores holísticos da Pedagogia Waldorf, a directora desta que foi uma das primeiras escolas em Portugal a adoptar o sistema pedagógico de Steiner, reconhece que este método de educação é cada vez mais aplicado em Portugal, existindo cada vez mais iniciativas, quer ao nível da creche e jardim-de-infância quer mesmo do ensino básico, espalhadas um pouco por todo o país. A nível mundial, existem hoje mais de 700 escolas que adoptam a Pedagogia Waldorf como filosofia de formação.

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OS APRENDIZES
Transformar valores em comportamentos a partir de um olhar sobre a criança

Uma escola inclusiva que está aberta a todas as crianças, qualquer que seja a sua raça, nacionalidade, condição social ou religião, e independentemente das suas aptidões intelectuais, artísticas, físicas ou outras. É assim que se autodenominam Os Aprendizes, que dão resposta ao pré-escolar (desde os 2 anos), 1º e 2º ciclo (até ao 6º ano) em Cascais, com uma visão holística da criança, que quer contribuir “para uma sociedade de seres humanos confiantes, seguros, responsáveis, interventivos e respeitadores”.

Distinguindo a individualidade de cada um, esta escola – que tem em fase de desenvolvimento o projecto de 3º ciclo (até ao 9º ano) – promove o crescimento intelectual e emocional dos seus alunos, assumindo-os “como parceiros no seu percurso de aprendizagem”, ao mesmo tempo que envolve os pais, familiares e restante comunidade escolar no processo educativo das crianças.

Em entrevista ao VER Sofia Borges, directora da escola Os Aprendizes, defende que “o olhar sobre a criança” é o grande princípio orientador “que nos permite vê-la como ser humano já com ideias, opiniões, sentires e interesses. Como alguém que já é, e não como alguém que depende do adulto para ser”.

[pull_quote_left]As redes solidárias que se constroem no dia-a-dia são facilitadoras da aprendizagem – Conselho de Gestão da Escola da Ponte[/pull_quote_left]

Nesta filosofia de formação em prol do desenvolvimento holístico da criança o papel do adulto é o de orientar e facilitar experiências, acrescenta. E daqui decorre “o reconhecimento de que é fundamental o respeito pela individualidade de cada um; mas também que o ser humano é um ser com uma totalidade que importa ser olhada e estimulada, não podendo a escola decidir estimular apenas algumas das suas áreas”. Acresce que “a nossa experiência tem-nos mostrado, inclusivamente, que quanto mais incentivamos o desenvolvimento das áreas emocional e sociais melhores resultados temos ao nível académico”.

Os Aprendizes iniciaram a sua actividade implementando a pedagogia High-Scope [que tem por base a aprendizagem pela acção e trás a criança para o centro do processo de aprendizagem, promovendo valores como uma atitude pró-activa, a autonomia e a auto-estima, e estimula o pensamento e a imaginação] pelas mãos da Sofia Borges, a partir da sua experiência como mãe.

Mas esta escola inspira-se em várias outras pedagogias [como a Waldorf e a do Movimento da Escola Moderna (MEM), modelo pedagógico que se propõe construir a formação democrática e o desenvolvimento sócio moral dos alunos, assegurando a sua plena participação na gestão do currículo escolar (planeamento de actividades curriculares, projectos de estudo, de investigação e de intervenção), e na sua própria avaliação (assente numa negociação partilhada dos juízos de apreciação e do controlo dos objectivos assumidos), com o objectivo de os responsabilizar e motivar a cooperarem entre si e com os professores], pedagogos e pensadores e, acima de tudo no que as crianças que por lá passam vão manifestando.

15092016_Pedagogias5Para Sofia Borges, estas três pedagogias têm em comum o tal “olhar sobre a criança” e a forma como ela é respeitada: “o MEM e o High-Scope trazem a criança para o centro da acção, envolvendo-a e responsabilizando-a pelo seu processo de aprendizagem. No MEM o processo é muito social, desenvolvendo-se a iniciativa mas também o corporativismo, no High-Scope a aprendizagem é activa (ao invés de teórica) e a iniciativa e interesses da criança são essenciais”, explica.

Já a pedagogia Waldorf “em muitos aspectos é a mais completa, pois em vez de ser apenas uma metodologia de trabalho tem uma base filosófica por trás (toda a atroposofia), estando totalmente assente nas teorias sobre o desenvolvimento infantil de Steiner, e é muito rica do ponto de vista artístico e espiritual”. Mas, na sua opinião, o modo como esta pedagogia está implementada em Portugal “tende a ser um pouco fundamentalista, o que para nós choca com o respeito pela individualidade de cada um”.

Em relação ao sistema tradicional de ensino, a grande diferença está na forma como a criança é envolvida no processo de aprendizagem, “permitindo que desenvolva muito mais competências como iniciativa, tomada de decisão ou reflexão, comparativamente a um sistema em que a criança é incentivada apenas a decorar e a questionar muito pouco, contrariando a natureza humana e, em particular, a da criança”, conclui.

Toda esta estratégia educativa para a capacitação assume uma relevância acrescida na formação de uma geração futura capaz de intervir política, social e profissionalmente: “justamente por se querer uma sociedade mais justa, inclusiva, igualitária e sustentável se torna urgente permitir que esses valores sejam estimulados e vivenciados desde cedo. “Mas os valores, para se transformarem em comportamentos, precisam ser exercidos, advoga a directora dos Aprendizes.

Neste contexto, “a escola tem que promover a prática desses valores, incluindo crianças de diferentes culturas, níveis escolares e extractos sociais, respeitando e estimulando a diferença; abolindo o castigo e estimulando a reflexão sobre consequências; e praticando a sustentabilidade com a reciclagem, a alimentação, etc”. Garantindo que nada disto é utópico, pois a experiência vivida nesta escola demonstra a sustentabilidade destas ideias, Sofia Borges sublinha que “as crianças precisam saber pensar, reflectir, questionar, e ser encorajadas a perseguir as suas convicções e a promoverem a mudança daquilo em que acreditam”.

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ESCOLA DA PONTE
Respeitar o capital natural dos alunos

A Escola da Ponte, em Santo Tirso, é um exemplo de escola pública que procura “um sentido próprio” na qualidade de uma educação que se baseia em “práticas educativas que se afastam do modelo tradicional”.

De acordo com o Conselho de Gestão desta escola que lecciona do pré-escolar ao 3º ciclo, “a intencionalidade educativa que serve de referencial ao projecto Fazer a Ponte orienta-se no sentido de formar cidadãos cada vez mais cultos, autónomos, responsáveis, solidários e democraticamente comprometidos na construção de um destino individual e colectivo”, com vista à criação de “um projecto de sociedade que potencie a afirmação das qualidades de cada ser humano”.

Não se enquadrando especificamente em alguma teoria educativa, este projecto educativo sentiu a necessidade de “reinventar uma escola que respeitasse o capital cultural dos seus alunos, de forma a contribuir para a construção de uma cultura onde todos, na sua diversidade, se reconhecessem na unidade”. O que levou à ruptura com a organização em classes, anos de escolaridade ou turmas (aspecto distintivo do projecto), “privilegiando a experiência e o conhecimento cultural e social de cada criança”.

Esta mudança significou uma nova organização de escola, de espaço, tempo e de conhecimento, rompendo com o conceito de homogeneidade e apontando para o conceito de heterogeneidade – trabalho em grupos heterogéneos, conceito de professor-tutor, etc. – e também para um outro modo de organização dos professores – o trabalho em equipa -, explica ao VER o Conselho de Gestão.

Hoje a Ponte assenta numa lógica comunitária, com o objectivo de desenvolver transformações culturais: “todos estão implicados nas propostas, negociações e decisões, tornando mais simples e efectiva a compreensão e a resolução de problemas comuns”.

Defendendo que cada criança ou jovem é um ser único, a Escola da Ponte “entende o caminho que cada um percorre também como único, relativamente às aquisições académicas e ao seu desenvolvimento pessoal: consideramos a heterogeneidade dos grupos de trabalho como facilitadora da aprendizagem, a partir das redes solidárias que se constroem no dia-a-dia. Estas estruturas cooperativas mobilizam os alunos, facilitando com naturalidade a inclusão e permitindo que cada um revele o seu potencial, favorecendo, ainda, a formação de relacionamentos – considerando que todos somos especiais, esta é para nós uma preocupação colectiva, e não de apenas alguns”.

O projecto assenta em valores como solidariedade, democraticidade, autonomia, responsabilidade, liberdade e cooperação, norteando-se por vários princípios, “que são responsáveis pela criação de uma grande diversidade de dispositivos pedagógicos”, adianta o Conselho de Gestão da Escola da Ponte. No seu conjunto, estes suportam toda a dinâmica de trabalho e promovem uma autonomia responsável e solidária, “exercitando-se permanentemente o uso da palavra como instrumento autónomo da cidadania e não se limitando ao domínio do desenvolvimento curricular” (a saber, Projecto Educativo, Grupos, Equipa de Orientadores Educativos, Responsabilidades, Assembleia de Alunos, Plano da Quinzena, Plano do Dia, Eu Já Sei, Eu preciso de Ajuda, Posso Ajudar Em, Pesquiso em Casa, Debates, etc.). Esta organização “permite a participação efectiva de todos os alunos na vida de toda a escola, por exemplo na negociação, construção, gestão e avaliação dos conteúdos de estudo, na construção e aprovação de direitos e deveres, na gestão de tarefas diárias e na gestão semanal deste encontro com toda a escola.

O conceito de aprendizagem assume na Escola da Ponte “o carácter da construção do conhecimento, mas também da reflexão sobre o processo da própria construção do saber”. Neste sentido, a pesquisa e a experimentação “são a primeira e privilegiada abordagem ao conhecimento, como orientadoras de resolução de problemas ou exploração temática”.

2 COMENTÁRIOS

  1. Bons dias, Gabriela! O seu texto tem as virtudes e os defeitos de tantos outros que tenho lido sobre estes estabelecimentos escolares e estas pedagogias: fala de princípios bondosos, sonhadores, muito interessantes; praticamente mais nada. Ora, se uma árvore se conhece pelos seus frutos, mais uma vez fica por escrever o texto que acrescenta algo mais, com valor, ao tanto que se tem dito sobre estas experiências pedagógicas. Já agora, uma pergunta: porquê estas e não outras, igualmente legítimas? Saudações cordiais!

  2. O ensino alternativo realmente é um grande avanço na educação, o problema é quando escolas como O Aprendizes por exemplo, faz releituras de várias metodologias com profissionais não qualificados nessa nova vivência escolar que se pretende. Quando escolhi colocar minha filha nos Aprendizes fiquei deslumbrada com toda aquela oferta saudável, pois descobri que minha filha passou todo o pré-escolar de castigo no refeitório porque não comia fruta e pouco participava das atividades, pois ela entrava no refeitório e lá ficava chorando vendo os amigos todos a brincar o recreio, depois ia para a sala de aula onde ficava retida de cara para a parede a comer a fruta. E não para por ai, depois de muitos outros problemas que foram surgindo com a escola e após eu ter descoberto dos abusos que minha filha sofria na escola ao queixar-me por ter descoberto que mais uma vez a escola reprimiu minha filha por causa da alimentação a sra diretora juntou-se ao pai de minha filha numa retaliação com um relatório com declarações falsas, infames e difamatórias que entregue ao pai, um senhor com disponibilidade financeira e mal intencionado conseguiu na justiça a guarda esxclusiva da minha filha que há quase um ano e meio esta privada do convivio com a mãe. Por isso sugiro aos pais que antes de inscreverem seus filhos em projetos bem empacotados, que verifiquem sobre a qualificação dos profissionais, principalmente os responsáveis pelo projeto.

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