Várias das propostas da Comissão Europeia (incluindo a nível legislativo) para pôr em prática os 20 direitos e princípios consagrados no Pilar Europeu dos Direitos Sociais estão ainda a ser negociadas entre o Parlamento Europeu e os Estados-Membros. Até Maio de 2019, mês de eleições europeias, é preciso que se realizem rápidos progressos relativamente a um conjunto de iniciativas que garantam o bom funcionamento dos mercados de trabalho e dos sistemas de protecção social face às novas realidades da mobilidade e da automação, por exemplo, contemplando-as no próximo orçamento europeu 2021-2027. Investir nas pessoas é o repto lançado aos Estados-Membros para construir uma Europa social mais forte e, consequentemente, mais sustentável
POR GABRIELA COSTA

“Que União Europeia queremos construir, com que contornos e com que recursos? Precisamos de financiamento da UE para dotar as nossas políticas dos meios necessários para apoiar proactivamente os mais vulneráveis nas nossas sociedades e para reagir ao impacto da globalização e da digitalização”.

As palavras são do vice-presidente da Comissão Europeia (CE), Valdis Dombrovskis, e foram proferidas em Maio deste ano, aquando da apresentação dos novos fundos sociais europeus a integrar no orçamento de longo prazo da União Europeia (UE), para o período 2021-2027. Na ocasião, o responsável pelo Euro e Diálogo Social, Estabilidade Financeira, Serviços Financeiros e União dos Mercados de Capital justificava que as propostas da Comissão reflectem plenamente a sua ambição de “consolidar a dimensão social da União”.

Há pouco mais de 15 dias, e assinalando um ano após a proclamação do Pilar Europeu dos Direitos Sociais (a 17 de Novembro de 2017, na Cimeira Social para o Emprego Justo e o Crescimento, realizada em Gotemburgo, na Suécia), o presidente Jean-Claude Juncker, Valdis Dombrovskis e a comissária Marianne Thyssen emitiram uma declaração conjunta, para alertar os líderes da UE que proclamaram solenemente este Pilar Europeu para o facto de que várias das iniciativas concretas sugeridas pela CE (incluindo propostas legislativas) para pôr em prática, a nível europeu, os direitos e princípios nele consagrados “estão ainda a ser negociadas entre o Parlamento Europeu e os Estados-Membros”. Quando o objectivo era que o Pilar Europeu dos Direitos Sociais tivesse “um verdadeiro impacto positivo na vida quotidiana de todos os europeus”.

Defendendo que “na Comissão, estamos a utilizar todos os instrumentos à nossa disposição para tornar os princípios do Pilar uma realidade”, o presidente, o vice-presidente responsável pelo Euro e pelo Diálogo Social e a comissária responsável pelo Emprego, Assuntos Sociais, Competências e Mobilidade Laboral acreditam, ainda assim, que “o Semestre Europeu tem agora uma dimensão mais social do que nunca, ao integrar firmemente este Pilar no processo de acompanhamento do progresso social”, e que o ciclo de 2019 lançado na semana passada ”irá novamente confirmá-lo”.

Para tanto, é necessário que se realizem “rápidos progressos” relativamente a um conjunto de iniciativas – caso da proposta para o próximo orçamento europeu destinada a ajudar os Estados-Membros a investir nas pessoas, através, entre outros, do Fundo Social Europeu, dotado de um montante superior a 100 mil milhões de euros para o período de 2021 a 2027; ou da criação da Autoridade Europeia do Trabalho e das recomendações da CE para garantir melhor acesso à protecção social – antes das eleições europeias de Maio de 2019.

[quote_center]Num momento em que as sociedades europeias fazem face ao extremismo, à radicalização e às divisões, é crucial reforçar a justiça, os direitos e os valores da UE[/quote_center]

Como sublinham os três responsáveis, “para cumprir o nosso compromisso temos de, em conjunto com o Parlamento Europeu, os Estados-Membros, os parceiros sociais e a sociedade civil, […] preservar e promover direitos sociais que permitam assegurar a equidade e o bom funcionamento dos mercados de trabalho e dos sistemas de protecção social, agora e no futuro”.

De referir que o Pilar Europeu dos Direitos Sociais, anunciado pela primeira vez por Jean-Claude Juncker no seu discurso de 2015 sobre o estado da União, define 20 princípios e direitos fundamentais para assegurar a equidade e o bom funcionamento dos mercados de trabalho e dos sistemas de protecção social na Europa do século XXI, através de um conjunto de medidas e actualizações legislativas nos domínios do emprego (incluindo emprego jovem e desemprego de longa duração), salários justos e igualitários (incluindo entre géneros e para os trabalhadores destacados), saúde, segurança, segurança social, transparência e previsibilidade das condições de trabalho, aprendizagem ao longo da vidaconciliação família-trabalho e protecção das pessoas com deficiência.

Trata-se do primeiro corpusde direitos instituído pelas instituições da UE desde a Carta dos Direitos Fundamentais e visa incentivar um “nivelamento por cima”, beneficiando todos os cidadãos da UE.

© Comissão Europeia

Investir nas pessoas: direitos sociais para todos

Para o próximo orçamento de longo prazo da UE, a Comissão propôs um Fundo Social Europeu renovado – o Fundo Social Europeu Mais (FSE+) – e dois outros instrumentos, também adaptados às novas realidades europeias: o Fundo Europeu de Ajustamento à Globalização (FEG) e o Fundo para a Justiça, os Direitos e os Valores.

O Fundo Social Europeu Mais terá uma dotação de 101,2 mil milhões de euros para o período 2021-2027 e estará focado no investimento nas pessoas e no apoio à implementação do Pilar Europeu dos Direitos Sociais, facilitando a premente resposta aos desafios mundiais e a necessária justiça social, ao mesmo tempo que permitirá impulsionar a competitividade da Europa.

Integrando os vários fundos e programas já existentes, o FSE+ será uma versão mais flexível e mais simples do actual Fundo Social Europeu. O objectivo é que a partilha de recursos permita à UE e aos Estados-Membros prestar um apoio mais direccionado, capaz de disponibilizar soluções para os desafios sociais e do mercado de trabalho que os países da Europa enfrentam actualmente. Concretamente, o Fundo Social Europeu Mais irá agrupar o Fundo Social Europeu (FSE) e a Iniciativa para o Emprego dos Jovens (IEJ); o Fundo de Auxílio Europeu às Pessoas mais Carenciadas (FEAD); o Programa da UE para o Emprego e a Inovação Social; e o Programa Saúde da UE.

Este novo fundo destina-se, antes de mais, a privilegiar as pessoas e as suas prioridades essenciais. Para tanto, e em consulta com os Estados-Membros, os recursos financeiros serão canalizados para medidas de resposta às principais preocupações dos europeus. Uma das suas prioridades será o desemprego dos jovens e a inclusão social, estipulando-se que os Estados-membros com uma elevada percentagem de jovens que não trabalham, não estudam nem estão em formação canalizem uma percentagem mínima de 10% do financiamento do FSE+ a medidas de apoio ao emprego jovem.

[quote_center]Com uma dotação de mais de 100 mil milhões de euros, o Fundo Social Europeu Mais visa responder aos desafios mundiais e à necessária justiça social, impulsionando a competitividade[/quote_center]

Outra finalidade é reduzir a burocracia, com a Comissão a propor simplificar as regras no próximo orçamento de longo prazo da EU, facilitando o acesso a fontes de financiamento por parte das autoridades, organizações e cidadãos. Assim, e por exemplo, as pessoas mais carenciadas irão beneficiar de um maior apoio, tornando-se elegíveis a este fundo através de uma melhor combinação de assistência material e apoio social abrangente.

O apoio personalizado para cuidados de saúde é também uma prioridade do FSE+, nomeadamente ao nível da cooperação da UE, estando previsto o reforço do apoio em situações de crise transfronteiras e do apoio às autoridades de saúde dos Estados-membros ao nível, por exemplo, da digitalização dos cuidados de saúde, da legislação sanitária e da cooperação no domínio de doenças raras e complexas.

Também o Fundo Europeu de Ajustamento à Globalização após 2020visa investir nas pessoas, garantindo que estas dispõem das competências necessárias para responder aos desafios e às mudanças no mercado de trabalho. Disponibilizando 1,6 mil milhões de euros, este fundo será revisto para que possa intervir com maior eficácia no apoio aos trabalhadores que perderam os seus empregos.

Actualmente, os trabalhadores só podem obter apoio através deste instrumento quando os despedimentos são devidos a mudanças nos padrões do comércio internacional ou a consequências da crise económica e financeira. Ao abrigo das novas regras, outros motivos de reestruturação, como a digitalização e a automação, podem ser elegíveis para apoio, tendo em conta os novos desafios no mercado de trabalho. As novas regras irão igualmente baixar de 500 para 250 o limiar de trabalhadores despedidos para um processo ser elegível, o que irá beneficiar um maior número de pessoas. Outras alterações propostas incluem um processo de mobilização melhorado, para simplificar e acelerar os procedimentos. A taxa de co-financiamento do Fundo, que é actualmente de 60%, será alinhada com as taxas de co-financiamento mais elevadas do FSE+ para cada Estado-Membro, o que significará, em muitos casos, que a UE irá financiar uma percentagem mais elevada dos custos totais.

[quote_center]A nova Autoridade Europeia do Trabalho Europeu deverá assegurar oportunidades para a livre circulação, assegurando uma mobilidade laboral justa[/quote_center]

Por sua vez, e com uma dotação proposta de 947 milhões de euros ao longo de sete anos, o Fundo para a Justiça, os Direitos e os Valores continuará a apoiar o desenvolvimento de um Espaço Europeu de Justiça assente no primado do direito e na confiança mútua e a garantir que as pessoas possam exercer os seus direitos, reconhecendo que “num momento em que as sociedades europeias fazem face ao extremismo, à radicalização e às divisões, é mais importante do que nunca promover, reforçar e defender a justiça, os direitos e os valores da UE”.

O novo fundo do próximo orçamento da UE integra um programa Direitos e Valores, com um financiamento de 642 milhões de euros, e um programa Justiça, que irá disponibilizar 305 milhões de euros. O Fundo para a Justiça, os Direitos e os Valores ajudará a combater as desigualdades e a discriminação, a proteger melhor as crianças, e a melhorar a cooperação judiciária para lutar mais eficazmente contra a criminalidade e o terrorismo. O novo fundo irá também reforçar e apoiar o papel fundamental das organizações não-governamentais e da sociedade civil, para promover, salvaguardar e sensibilizar para os valores comuns da UE e garantir que as pessoas podem exercer os seus direitos.

O Fundo Social Europeu é o instrumento mais antigo de que a Europa dispõe para investir nas pessoas.

© Comissão Europeia

Mobilidade laboral justa e protecção social para trabalhadores atípicos

Também na senda do Pilar Europeu dos Direitos Sociais, a Comissão adoptou já este ano propostas para a criação de uma Autoridade Europeia do Trabalho e para garantir o acesso à protecção social.

Relativamente à criação de uma Autoridade Europeia do Trabalho Europeu, anunciada pelo Presidente Juncker no seu Discurso sobre o Estado da União de 2017, o objectivo é ajudar os cidadãos, as empresas e as administrações nacionais a tirar o máximo partido das oportunidades proporcionadas pela livre circulação, assegurando uma mobilidade laboral justa.

Considerando que na última década o número de cidadãos que vivem e/ou trabalham num Estado-Membro que não o seu quase duplicou, atingindo 17 milhões de pessoas em 2017, a Autoridade Europeia do Trabalho quer assumir três compromissos: em primeiro lugar, proporcionar informação aos cidadãos e às empresas sobre as oportunidades de emprego, programas de aprendizagem, regimes de mobilidade, recrutamento e formação, e fornecer orientações sobre direitos e obrigações para quem vive, trabalha e/ou exerce actividade noutro Estado-Membro da UE.

Em segundo, favorecer a cooperação entre as autoridades nacionais em situações transfronteiriças, ajudando-as a assegurar que as regras da UE que protegem os trabalhadores e regulam as condições de mobilidade são cumpridas com simplicidade e eficácia. Já existe um vasto acervo de legislação da UE que regula a livre circulação de trabalhadores, como as regras relativas à coordenação dos sistemas de segurança social em toda a UE e à problemática do destacamento de trabalhadores no contexto de uma prestação de serviços. A ideia agora é revê-las e modernizá-las, para garantir que possam ser correcta e efectivamente aplicadas de uma forma justa, simples e eficaz em todos os sectores económicos, contribuindo para melhorar o intercâmbio de informações, apoiar a criação de capacidades junto das autoridades nacionais e ajudá-las a efectuar inspecções conjuntas e concertadas. Em causa está, também, prevenir eventuais fraudes.

[quote_center]Actualmente quase 40% dos trabalhadores por conta de outrem estão em situação de emprego atípico, não dispondo de seguro de desemprego nem de acesso a direitos de pensão[/quote_center]

Por último, a Autoridade Europeia do Trabalho estará capacitada para facilitar a mediação e fornecer soluções na eventualidade de litígios transfronteiriços, nomeadamente em casos de reestruturação de empresas que envolvam vários Estados-Membros. O organismo está a ser criado como uma nova agência descentralizada da UE e, após a conclusão do processo legislativo da UE, deverá entrar em funcionamento em 2019.

Paralelamente, a CE lançou uma iniciativa para garantir o acesso à protecção social a todos os trabalhadores, sejam eles por conta de outrem ou por conta própria. A proposta de Recomendação do Conselho relativa a esta matéria prevê que “à medida que o mundo do trabalho avança na sequência de novos estilos de vida e práticas empresariais e da digitalização, os sistemas de protecção social necessitam constantemente de se adaptar a novas realidades”.

Tendo em conta que actualmente quase 40% dos trabalhadores por conta de outrem estão em situação de emprego atípico (ou seja, não trabalham a tempo inteiro ao abrigo de um contrato de duração indeterminada nem exercem uma actividade por conta própria), pelo que nem sempre beneficiam de uma cobertura adequada em termos de segurança social, não dispondo de seguro de desemprego nem de acesso a direitos de pensão, a recomendação da CE visa definir uma orientação para os Estados-Membros apoiarem o acesso à protecção social, em especial para os trabalhadores que, devido à sua situação no emprego, não estão suficientemente cobertos por regimes de segurança social.

Num contexto em que a economia europeia “cresce a um ritmo constante e o emprego está a aumentar, mas é preciso garantir um crescimento mais inclusivo, capaz de trazer benefícios para todos”, segundo defendeu o Vice-Presidente da Comissão Europeia na apresentação deste pacote para o trabalho e a protecção social, o Pilar Europeu dos Direitos Sociais reveste-se de uma importância fulcral para dinamizar os direitos sociais no Velho Continente. Até porque “uma Europa social mais forte é uma Europa mais sustentável”, como afirmou Valdis Dombrovskis.