“Temos de organizar o presente para facilitar a entrada no futuro dos nossos sonhos”, disse Muhammad Yunus. E acredita a Fundação AMI, que promoveu uma conferência sobre as actuais práticas laborais, em Portugal e a nível internacional, numa reflexão que incluiu a apresentação das tendências de emprego nos mercados de trabalho flexível e um debate entre gestores de empresas e organizações sociais e sindicalistas, em busca de soluções inovadoras para contrariar o preocupante panorama actual
POR GABRIELA COSTA

A Fundação AMI e a rede portuguesa do Global Compact, da ONU, realizaram no passado dia 27, em Lisboa, uma conferência subordinada ao tema “Novas Formas de Organização do Trabalho”. O evento integra-se num Ciclo que promove quatro conferências anuais, entre 2013 e 2016, dedicado a cada uma das áreas do UN Global Compact – Trabalho, Direitos Humanos, Ambiente e Anticorrupção (ver caixa).

Analisando as actuais práticas laborais em Portugal e a nível internacional, numa abordagem de reflexão que incluiu a apresentação do estudo “Flexibility@work”, pela Randstad, e um debate, esta primeira conferência contou com a presença de Fernando Nobre, presidente da Fundação AMI, Bernardo Sousa de Macedo, em representação do Global Compact Network, Gonçalo Pinto Coelho, administrador delegado da PT PRO, Catarina Horta, directora de Recursos Humanos da Randstad, João Proença, ex-secretário-geral da UGT, Manuel Carvalho da Silva, ex-secretário-geral da CGTP e Paula Nanita, administradora Executiva da Fundação Nossa Senhora do Bom Sucesso.

Ao promover esta temática, a AMI visou procurar soluções inovadoras para fazer face aos muitos desafios impostos pela conjuntura actual, do desemprego, especialmente o jovem, ao trabalho precário e aumento das desigualdades sociais, a que se juntam factores preocupantes como o envelhecimento da população, a concentração da população em meio urbano, a diminuição dos apoios sociais ou o crescimento de novas foras de pobreza.

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Portugal na sua pior crise laboral
Apesar de existirem casos de sucesso, como o Data Center da PT na Covilhã, cinco anos depois da crise se instalar, “sofremos em Portugal a pior crise laboral”, mote para o arranque do debate dado pelo moderador, Hugo Monteiro, do Económico TV.

Apostando em mão-de-obra directa e indirecta, o Data Center da PT emprega 1400 pessoas e atrai “muitas empresas” para o País, afirma o director da PT PRO, o que só é possível “com investimento em tecnologia de ponta, sistemas de segurança avançados e boas práticas”, conclui. Formação e inovação são factores fundamentais para o sucesso do projecto da Covilhã, que considera “uma aposta no talento”.

E o talento é algo que atravessa gerações, pelo que Catarina Horta sublinha a necessidade de ponderar sobre as questões demográficas no mercado de trabalho: é que, se o desemprego jovem é bastante discutido, o mesmo não acontece com o desemprego sénior, apesar de se verificar um aumento do fenómeno entre as pessoas com mais de 45 anos. Na sua opinião, é preciso “acção política e legislativa” direccionada para este segmento, a exemplo das políticas activas de emprego que se multiplicam para os jovens, face ao assustador número do desemprego entre os mesmos, superior a 40%.

Segundo a directora de RH da Randstad, apesar de ser hoje “expectável que não haja sempre progressão na carreira”, as pessoas e as empresas devem estar “prontas para a actuar” quando o crescimento económico começar a ser uma realidade.

Mas, o problema é que o mercado de trabalho em Portugal vive um período “extremamente preocupante”, diz Carvalho da Silva, com implicações nas suas várias dimensões – económica, política, social. Na perspectiva do sindicalista, “os avanços na sociedade que foram valorizados pela associação dos direitos no trabalho a direitos mais amplos” estão hoje colocados em causa por “um clima de ameaças, pressões e insegurança que prejudica a estabilidade”.

Não será, pois, de estranhar que o reverso da moeda seja que actualmente “é mais difícil encontrar recursos humanos motivados”, como defende Paula Nanita. O factor medo condiciona a criação de espaços organizacionais e a ideia de que “podemos ser todos empreendedores ”é ilusória”, esclarece. Portanto, resta “gerir com mais sagacidade, equilíbrio e eficiência o trabalho, valorizando a participação humana”, conclui.

Na visão de João Proença, existe hoje no País “uma geração condenada ao desemprego e à emigração”, a que se somam salários cada vez mais baixos, aumento do trabalho precário e o flagelo do desemprego, que “irá aumentar muito até Dezembro”, agora que acabou o período sazonal e mais estudantes terminaram os seus cursos.

Portugal “tem mobilidade no mercado de trabalho”, e as empresas “têm de se adaptar à mudança”. Certo é que “se não mudarem as políticas, não haverá crescimento do mercado de trabalho”, defende. Enquanto diminui o volume de emprego nas grandes empresas, a maior parte dos postos de trabalho que são criados acontece nas PME que fornecem essas grandes empresas para exportação. O sector industrial, por seu turno, também não está a gerar emprego, alerta ainda.

Sem políticas de crescimento não há emprego, insiste o ex-secretário-geral da UGT, e as políticas activas de emprego não são, propriamente, “um modelo de desenvolvimento de geração espontânea”, ironiza.

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Trabalho flexível acelera crescimento económico 
A primeira edição do estudo “Flexibility@work”, lançada pela Randstad em Julho, fornece uma visão abrangente das tendências internacionais de emprego nos mercados de trabalho flexível na Europa, Japão e EUA.

O relatório anual, cuja pesquisa esteve a cargo da empresa de análises independentes aplicadas à Economia SEO Economic Research, destaca as tendências globais nas relações de trabalho ao nível da quota de trabalho temporário, contratos a termo e de trabalhadores por conta própria no mercado de emprego total, bem como possíveis trade-offs entre essas diferentes formas de trabalho flexível.

A principal conclusão do estudo, nesta edição de 2013, é que o trabalho flexível não tem crescido na última década, nem tem sido um trade-off entre as diferentes formas de trabalho. Defendendo que “há uma forte correlação entre a percentagem de trabalho flexível e o crescimento económico, particularmente no que diz respeito ao trabalho temporário e a contratos a prazo”, o documento indica que o trabalho flexível é a primeira forma de emprego afectada pela diminuição dos pedidos de trabalho em situação de crise económica, principalmente quando os trabalhadores flexíveis são mais jovens e têm baixa escolaridade.

Contudo, o trabalho flexível “será o primeiro tipo de trabalho a recuperar quando a economia se estabilizar após uma crise”, aponta. Concluindo que a oportunidade de oferecer um trabalho flexível pode acelerar o crescimento económico, a Randstad sublinha no relatório que “é de esperar um aumento no trabalho flexível quando as economias dos países ocidentais começarem a crescer significativamente outra vez”. Embora represente uma pequena parte de todas as relações de trabalho flexíveis, o trabalho temporário tem revelado “um crescimento estrutural ao longo da última década, que vai além do ciclo económico regular”.

“Na maioria dos países europeus o trabalho flexível representa cerca de 20 a 30% do mercado do trabalho”

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A necessidade de regulamentação adequada para a criação de um mercado de trabalho mais inclusivo é outra das grandes conclusões do estudo Flexibility@work, segundo o qual a aplicação de regras e regulamentos definidas em função dos diferentes tipos de contratos flexíveis “desempenham um papel importante no processo de crescimento económico”. Regulamentação adequada ajuda a combater o trabalho informal, melhora a transição do desemprego para o trabalho e diminui a desigualdade social, alerta o relatório.

No que concerne a evolução do trabalho flexível na última década (2001-2012), apesar do seu crescimento em vários países, “não há nenhuma evidência clara” de que este mercado esteja a crescer de forma estrutural, nem no mundo, nem na Europa.

A análise comparativa do crescimento do trabalho flexível no período pré-crise (2002-2007), e no período de recessão económica (2007-2012), permite perceber que, no primeiro, ao mesmo tempo que a economia cresceu em quase todos os países ocidentais, a parcela de trabalho flexível aumentou também, na maioria dos países europeus e nos Estados Unidos. Já noutras grandes economias, como o Japão, Austrália e Canadá, a percentagem de trabalho flexível diminuiu. No segundo, com a grave crise financeira mundial que se instalou desde 2007, a maioria dos países da Europa, América do Norte e Japão foi afectada também pela diminuição da parcela deste tipo de trabalho. De sublinhar que a queda mais acentuada se regista nos países do mediterrâneo e nos escandinavos, em particular Espanha e Noruega.

Ainda assim, na maioria dos países europeus todas as formas de trabalho flexível representam cerca de 20 a 30% do mercado do trabalho, tal como no Canadá e no Japão. A par da Polónia e da Holanda, os países mediterrâneos encontram-se acima dos 30% (35,2% em 2012, segundo os cálculos da SEO), o que se justifica pela longa tradição de trabalho flexível que têm, “em particular no auto-emprego”. Os EUA são o país que apresenta um valor mais baixo – cerca de 11%.

A análise concluiu ainda que, no geral, os mercados que são orientados pela legislação ou emergentes (Mediterrâneo, Europa de Leste e países francófonos) provocam trabalho mais flexível do que os mercados impulsionados pelo diálogo social (caso do Japão ou Escandinávia), enquanto os países mais orientados para o mercado, como os EUA, o Canadá e os países anglo-saxónicos apresentam percentagens menores de trabalho flexível.

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14,5% do trabalho na EU é auto-emprego
Os cálculos realizados com base em dados de 2012 do Eurostat e da OCDE indicam que os contratos a termo representam cerca de metade de todo o trabalho flexível, atingindo na maioria dos países ocidentais entre 10 a 15% do total de trabalhadores. Excepção feita para os países “com menor protecção dos trabalhadores permanentes contra o despedimento individual”, como os EUA, Austrália e Reino Unido, que têm só cerca de 5% de contratos a termo.

Em Portugal, quase 20% de todos os trabalhadores têm hoje contratos a termo, depois de estes terem perdido importância no início dos anos noventa, mas recuperado a sua popularidade a partir de 1997, conclui o relatório internacional.

Depois de uma tendência de crescimento dos contratos a termo em todo o mundo, particularmente durante o período pré-crise de 2002-2007, o período de recessão em que ainda nos encontramos fez decrescer a sua prevalência, na maioria dos países. Diz o estudo que “a crise foi assimilada pelas empresas no sentido de não renovar contratos a termo”. Como resultado, a percentagem de contratos a termo certo no emprego total “caiu seriamente em 2008 e 2009, particularmente em Espanha”. E recuperou na maioria dos países, nos anos mais recentes. Desde 2007, a média dos trabalhadores com contratos a termo na União Europeia (EU) centra-se nos 12%.

No que diz respeito ao trabalho de agência (forma contratual entre o trabalhador e uma agência de trabalho temporário, maioritariamente de duração limitada ou não especificada), este representa uma percentagem relativamente pequena, “mas importante” do total de empregos.

Na Europa, o trabalho de agência tem a maior quota de emprego no Reino Unido, seguido tradicionalmente pelos países do Benelux e pela França. E tem vindo a crescer na Irlanda e nos países de língua alemã, na última década.

Sendo um fenómeno relativamente novo em muitos países, o trabalho temporário cresceu muito nos últimos anos e tem um “alto potencial de crescimento no futuro próximo”. Mais uma vez, depois de um aumento significativo deste tipo de trabalho no período pré-crise, esta provocou uma queda no recurso ao trabalho de agência, desde 2007. E, embora a quota tenha recuperado na maioria países em 2010, o baixo crescimento económico nos últimos anos “tem impedido o trabalho temporário de alcançar os níveis pré-crise”, conclui o estudo da Randstad.

Para os analistas, o trabalho de agência é a primeira forma de emprego afectado por uma queda na procura do trabalho, especialmente entre trabalhadores jovens e com baixa escolaridade, mas, ao mesmo tempo, “será o primeiro tipo de emprego a oferecer quando a economia se estabilizar”, depois da crise.

Finalmente, o estudo avalia apercentagem de auto-emprego em todo o mundo ocidental, que se situa entre os 7 e os 20%. Na UE, 14,5% do emprego total é auto-emprego. Os países do Sul e do Leste Europeu (Portugal, Turquia, Itália, Polónia, Roménia, República Checa, Espanha e Eslováquia), onde a economia formal é tradicionalmente menor ou ainda emergente, revelam percentagens particularmente elevadas de auto-emprego: entre 15 e 20%.

Os Estados Unidos, Canadá e Escandinávia são os países com a percentagem mais baixa de auto-emprego (bem como de trabalho flexível em geral).

De resto, o crescimento dos trabalhadores independentes “tem sido grande e consistente” na maioria da Europa na última década, especialmente a partir da crise económica, em países como o Reino Unido, Irlanda, França, Polónia, Eslovénia e Países Baixos.

O relatório Flexibility@work conclui, assim, que quando os empregos são escassos, os trabalhadores tendem a optar por oferecer os seus serviços por conta própria, trocando o desemprego pela criação do seu próprio negócio.

Compromisso empresarial com a Responsabilidade
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O United Nations Global Compact é uma iniciativa na área da cidadania empresarial, com origem em 2000, por proposta do então Secretário-geral da ONU, Kofi Annan, que promove o compromisso público e voluntário das empresas com o cumprimento de dez Princípios fundamentais, nas áreas dos direitos humanos, práticas laborais, protecção ambiental e anticorrupção:

DIREITOS HUMANOS

Princípio 1: As empresas devem apoiar e respeitar a protecção dos direitos humanos, reconhecidos internacionalmente;
Princípio 2: Garantir a sua não participação em violações dos direitos humanos.

PRÁTICAS LABORAIS

• Princípio 3: As empresas devem apoiar a liberdade de associação e o reconhecimento efectivo à negociação colectiva;
• Princípio 4: A abolição de todas as formas de trabalho forçado e obrigatório;
Princípio 5: A Abolição efectiva do trabalho infantil;
• Princípio 6: A Eliminação da discriminação no emprego.

PROTEÇÃO AMBIENTAL

• Princípio 7: As empresas devem apoiar uma abordagem preventiva aos desafios ambientais;
Princípio 8: Realizar iniciativas para promover a responsabilidade ambiental;
• Princípio 9: Encorajar o desenvolvimento e a difusão de tecnologias amigas do ambiente.

ANTICORRUPÇÃO

Princípio 10: As empresas devem combater a corrupção em todas as suas formas, incluindo extorsão e suborno.

Estes dez Princípios baseiam-se em declarações universalmente aceites, nomeadamente a Declaração Universal dos Direitos Humanos, a Declaração da Organização Internacional do Trabalho relativa aos princípios e Direitos Fundamentais e a Declaração do Rio sobre Ambiente e Desenvolvimento. Procurando concretizá-los no seio de organizações de todo o mundo, o UNGC é actualmente um movimento que conta com milhares de empresas subscritoras, organizadas em redes localizadas, incluindo em Portugal.

Fonte: Global Compact Network Portugal