Gerido pela Fundação Calouste Gulbenkian, o Programa Cidadania Activa apoiou o fortalecimento das organizações da sociedade civil em Portugal, entre 2013 e 2016. No balanço da iniciativa, o seu gestor, Luís Madureira Pires, explica ao VER como foi possível beneficiar mais de 80 mil pessoas, promovendo “o progresso da justiça social, da defesa dos valores democráticos e do desenvolvimento sustentável”
POR GABRIELA COSTA

O Programa Cidadania Activa apoiou o desenvolvimento económico e social em Portugal entre 2013 e 2016. Financiado pelo Mecanismo Financeiro do Espaço Económico Europeu (EEA Grants) – integrado pela Noruega, Islândia e Liechtenstein, na qualidade de Estados doadores -, este instrumento de apoio às Organizações Não Governamentais (ONG) gerido pela Fundação Calouste Gulbenkian promoveu também a cooperação bilateral com os países financiadores.

Em quatro anos a iniciativa apoiou 113 projectos, em que participaram cerca de 170 ONG e muitas outras organizações, tanto de Portugal como dos países financiadores do Espaço Económico Europeu, o que permitiu beneficiar directamente as vidas de mais de 80 mil pessoas em todo o país, com 7 milhões de euros. Os projectos foram financiados até 90% do seu custo.

Com uma dotação de 8,7 milhões de euros, após um reforço de 50% decidido em Fevereiro de 2014 e exclusivamente destinado à empregabilidade e inclusão social dos jovens, este programa visou “o fortalecimento da sociedade civil portuguesa e o progresso da justiça social, da defesa dos valores democráticos e do desenvolvimento sustentável”.

[su_youtube url=”https://youtu.be/csRCi5T3ypk” height=”200″]Na sequência do evento de encerramento do Programa de Cidadania Activa, realizado a 25 de Janeiro, em Lisboa, o VER conversou com o gestor da iniciativa, Luís Madureira Pires, para quem este “foi o mais importante programa implementado em Portugal especificamente destinado a reforçar a sociedade civil, a sua voz e as suas organizações”.

[quote_center]A receptividade alcançada permitiu responder às prioridades identificadas e ultrapassar todas as metas previstas[/quote_center]

Sublinhando que se trata de “o único programa gerido por uma entidade não-governamental” – a Fundação Calouste Gulbenkian, seleccionada após concurso público lançado em 2012 –, Madureira Pires sublinha que a iniciativa “decorreu de acordo com as expectativas e o planeamento inicial, tendo tido uma elevada receptividade da sociedade civil, sobretudo pela sua abrangência temática, pela flexibilidade na tipologia de projectos elegíveis e pelo facto de surgir entre períodos de programação dos Fundos Estruturais em que a carência de financiamento mais se fez sentir nas ONG”.

O Programa Cidadania Activa está estruturado em quatro domínios de actuação:

  • Participação das ONG na implementação de políticas e instrumentos públicos, visando um maior envolvimento destas organizações em processos políticos e de decisão junto das autoridades locais, regionais e nacionais (740 mil euros; 12 projectos aprovados).
  • Promoção dos valores democráticos, incentivando a participação activa no domínio dos direitos humanos, defesa das minorias e anti-discriminação (2,42 milhões de euros; 43 projectos aprovados).
  • Reforço da eficácia da acção das ONG, por via do fortalecimento da capacidade de actuação das ONG e da promoção de um ambiente favorável ao sector (1,65 milhões de euros; 31 projectos aprovados).
  • Apoio à empregabilidade e inclusão de jovens com idades até aos 30 anos, visando a sua capacitação para o emprego, o apoio ao empreendedorismo jovem e a inclusão de grupos vulneráveis (2,13 milhões de euros; 27 projectos aprovados).

De acordo com o gestor do programa, a receptividade alcançada ao longo de quatro anos “induziu uma procura elevada (cerca de oito vezes o montante disponível)”, o que permitiu “escolher bons projectos, responder plenamente às prioridades identificadas e ultrapassar todas as metas dos indicadores de resultado e de realização” previstas. De sublinhar que o acesso ao programa foi realizado através de concursos sujeitos ao “elevado nível de exigência” no acesso ao financiamento que decorre das regras impostas à gestão dos programas do EEA Grants nos 16 países europeus beneficiários, sendo a selecção de projectos efectuada com base no mérito das candidaturas e tendo em conta as dotações pré-definidas para cada concurso.

[quote_center]78% das ONG envolvidas não teriam implementado o seu projecto sem os apoios do Programa Cidadania Activa[/quote_center]

Através dos 113 projectos promovidos por ONG, na sua grande maioria em parceria com outras ONG e com vários parceiros públicos e privados, designadamente universidades, escolas, centros de investigação, organismos públicos e empresas, atingiram-se 81200 beneficiários. No total, 158 ONG receberam financiamento do programa e outros 88 parceiros formais que não são ONG participaram activamente nestes projectos.

© DR

Empregabilidade jovem numa economia que não dá resposta

Como explica ao VER Luís Madureira Pires, a relevância desta iniciativa gerida pela Gulbenkian e das prioridades seleccionadas para a mesma foram confirmadas pelo “Estudo de Avaliação de Resultados e Impacto Previsível do Programa Cidadania Activa”, realizado, de forma independente, pelo Instituto de Estudos Sociais e Económicos, em 2016.

Abrangendo todo o período de implementação do programa (Março de 2013 a Julho de 2016) e o universo de 113 projectos distribuídos pelos quatro domínios de actuação referidos, mas também 12 das 27 Iniciativas de Cooperação Bilateral apoiadas pelo Programa (as concluídas à data da avaliação), este estudo permitiu tecer uma avaliação crítica dos resultados da implementação da iniciativa, quer ao nível do reforço institucional das ONG quer ao nível do impacto social do programa.

A análise efectuada permite perceber que 78% das ONG envolvidas não teria implementado o seu projecto sem os apoios do Programa Cidadania Activa, e que as restantes apenas o teriam feito parcialmente. Se a isto juntarmos o facto de 87% das entidades indicar que o projecto já está a ter ou terá continuidade, “ficamos com a certeza do impacto que o programa teve na sociedade, impacto esse que será sustentável com a realização de projectos que serão disseminados, replicados e escalados em outros territórios e/ou grupos-alvo”, como realça Madureira Pires.

[quote_center]Quase 1500 jovens foram capacitados para a empregabilidade e o empreendedorismo[/quote_center]

E em termos de impacto na sociedade, vale a pena recordar que quase 1500 jovens foram capacitados para a empregabilidade e o empreendedorismo através dos projectos apoiados, “contributo relevante para mais facilmente encontrarem emprego ou auto-emprego numa economia que dá resposta insuficiente às suas aspirações profissionais”, diz ainda o gestor do programa.

De notar ainda que o Instituto de Empreendedorismo Social fez uma avaliação do grau de inovação social dos projectos aprovados, concluindo por uma média de ‘moderado-alto’ nível de inovação, o que também indica que “estes projectos induziram mudança social e não se limitaram apenas a reproduzir modelos e metodologias já testadas”.

Já no que respeita o contributo dado para a capacitação das organizações da sociedade civil, o reforço destas organizações – objectivo último do programa – “deverá ter repercussões bem para além do período da sua execução”, congratula-se o responsável.

E foi precisamente no sentido de promover um melhor conhecimento do sector e de o capacitar, melhorando as suas competências e sustentabilidade, que o Programa Cidadania Activa integrou diversas iniciativas próprias, como o “Estudo de Diagnóstico das ONG em Portugal”, elaborado pela Universidade Católica Portuguesa; workshops sobre gestão de projectos e sobre troca de experiências e de boas práticas entre ONG; a 1ª Feira Nacional das ONG, em colaboração com o Greenfest, no Estoril; e visitas temáticas à Noruega e à Islândia para as ONG portuguesas conhecerem o trabalho e as metodologias utilizadas pelas suas homólogas.

Para além disso, no que toca aos 113 projectos aprovados, o propósito final – garantir que estas organizações pudessem aprender com os projectos para se capacitarem e reforçarem as suas competências, designadamente em matéria de governança, planeamento, gestão técnica e financeira, comunicação, angariação de fundos e atracção e gestão de voluntariado – foi alcançado, diz Madureira Pires. O que constitui uma mais-valia, face ao objectivo primordial de, através dos projectos desenvolvidos por iniciativa de ONG, dar apoio às comunidades e grupos-alvo em que as mesmas “desenvolvem a sua acção meritória”.

De resto, a importância dada ao fortalecimento da capacidade das ONG para reforçar a eficácia da sua acção ficou patente tanto na consagração de um domínio de actuação específico para esse fim (o terceiro), como na solicitação a todas as ONG para elaborarem uma auto-avaliação sobre o impacto dos projectos na sua capacitação técnica e institucional, em simultâneo com o relatório final dos projectos, conclui.

[quote_center]O impacto do programa é sustentável com a realização de projectos que serão replicados e escalados em outros territórios e grupos-alvo[/quote_center]

No balanço final do Programa Cidadania Activa, a dimensão dos resultados alcançados ao nível do fortalecimento das organizações está bem patente através dos seguintes exemplos, que Luís Madureira Pires destaca: ao nível de advocacy, foram alterados ou melhorados 28 diplomas legais e práticas de políticas públicas; 72 ONG atraíram novos voluntários a participar pela primeira vez em projectos; 8900 líderes, colaboradores e voluntários de ONG receberam formação; 72% das ONG participantes introduziram novas práticas de inovação social; 53 ONG consideram ter adquirido novos conhecimentos e ter reforçado as suas capacidades de actuação; e 47 ONG diversificaram os serviços prestados e as actividades realizadas, nomeadamente com vista à angariação de fundos.

Corroborando estes dados, a avaliação realizada pelo Instituto de Estudos Sociais e Económicos apenas considera insuficientes os resultados em matéria de advocacia e de angariação de fundos alternativos ao Estado – “reconhecidamente duas pechas do sector que estão, aliás, intrinsecamente ligadas”, comenta Luís Madureira Pires.

Conclui-se, pois, que este programa desenvolvido ao longo de quatro anos sob a liderança da Fundação Calouste Gulbenkian permitiu alcançar “resultados significativos em diversas áreas”, no que concerne a capacitação das ONG, objectivo último da iniciativa financiada pelo Mecanismo Financeiro do Espaço Económico Europeu, e cujos projectos se destinaram a reforçar os valores democráticos e os direitos humanos, a melhorar directamente a capacidade de actuação das ONG, a aumentar a advocacia e influência sobre as políticas públicas, e a fomentar as oportunidades de empregabilidade e inclusão dos jovens.


© José Carlos Carvalho

“Por mais escura que seja a noite… Amanhã é outro dia”

No livro “Por mais escura que seja a noite… Amanhã é outro dia”, a jornalista Inês Rapazote e o fotógrafo José Carlos Carvalho retratam o impacto de onze dos 113 projectos apoiados pelo Programa Cidadania Activa, nas vidas de onze pessoas.

Jocelino, Solita, Beatriz, Paulo, Canjinha e Abel estão entre os vários protagonistas das histórias que se contam nesta obra que resulta do sucesso do programa gerido, entre 2013 e 2016, pela Fundação Calouste Gulbenkian. Os textos e fotografias ali publicados acompanham o percurso de várias pessoas que dão rosto a projectos que promovem a empregabilidade e a inclusão dos mais jovens, reforçam os valores democráticos e os direitos humanos, melhoram a capacidade de actuação de organizações não governamentais e influenciam as políticas públicas, no âmbito dos quatro domínios de actuação da iniciativa financiada pelos EEA Grants.

Para fazer as onze reportagens que compõem este livro, Inês Rapazote e José Carlos Carvalho percorreram muitos quilómetros. Para ir até aos Açores, por exemplo, onde passaram alguns dias com Jocelino. Aí ficaram a saber como este rapaz, que foi parar à construção civil com 16 anos, depois de ter sido expulso da escola, se dedicou a uma formação em pastelaria e doçaria por via da Cáritas da ilha Terceira. Uma história que, como outras, resulta de um “tropeção” na vida mas acaba com um futuro que se perspectiva com esperança.

Tropeção é também o mínimo que se pode dizer da história de Abel, que os autores do livro conheceram em Custóias. O ex-recluso, que ali passou cinco anos, voltava ao “inferno onde mergulhara fundo”, desta vez integrado numa estrutura da Associação PELE para apoiar, formar e credenciar reclusos (como Jimmy, também retratado neste livro), potenciando a sua inserção na sociedade. A história de Abel comprova que é possível “começar de novo”. Nascido no seio de uma família de classe média, conseguiu alcançar o sonho de muitos jovens: tornar-se jogador de futebol. Mas uma lesão no joelho e umas férias que acabaram em “descalabro” arruinaram-lhe a vida e deram-lhe entrada directa na prisão.

Cada uma das onze histórias do livro abre com uma prova de contacto de 37 fotogramas a preto e branco. Nessas imagens introdutórias estão assinaladas quais as que estarão ampliadas nas páginas seguintes. No caso da história de Solita, da Guiné-Bissau, que, depois de uma formação proporcionada pelo Serviço Jesuíta aos Refugiados, está a trabalhar na cozinha central de uma grande cadeia de supermercados, não houve dúvidas que o momento da chegada da filha ao aeroporto de Lisboa tinha de ser destacado. Era um acontecimento há muito desejado, mas que se deu por acaso enquanto as reportagens para este livro estavam a ser realizadas. A jornalista não conseguiu estar presente, mas o fotógrafo estava lá e, sendo um projecto a dois, transmitiu-lhe tudo aquilo a que assistiu: a apreensão da mãe com a demora da criança em cruzar a porta das chegadas, o cheiro a peixe seco impregnado na bagagem dos passageiros daquele voo, e a frieza do primeiro contacto entre as duas, depois de uma separação de seis anos. “Até que Duiny chegou. Vinha de olhos bem abertos. Ao ver a mãe, não correu, não sorriu, não chorou. Aceitou. Foi um reencontro, um ponto de viragem. A partir desse momento, havia que reconstruir um passado suspenso. A partir desse momento, abriu-se toda uma vida nova à sua frente.”

Em “Por mais escura que seja a noite… Amanhã é outro dia”, Inês Rapazote e José Carlos Carvalho apresentam “onze histórias de esperança”, num trabalho que conta, no prefácio, com as palavras também de esperança de Isabel Mota, administradora da Fundação Calouste Gulbenkian: “o apoio à qualificação das organizações não-governamentais é uma prioridade para garantir uma sociedade civil actuante e autónoma, capaz de congregar esforços de todos os sectores da sociedade para a defesa de causas comuns.”

Fonte: Programa Cidadania Activa / Fundação Calouste Gulbenkian