197 milhões de desempregados. 73,8 milhões de jovens inactivos. Aumento da agitação social na Europa a 27: de 34% em 2006/2007 para 46% em 2011/2012. Distribuição de rendimentos: das 26 economias desenvolvidas, 14 registam aumento da desigualdade. Salário médio de um trabalhador nas economias emergentes: 10 dólares/dia. Salários dos CEOs de grandes empresas cotadas nos EUA: 508 vezes superiores aos do trabalhador norte-americano médio
POR HELENA OLIVEIRA

A Organização Internacional do Trabalho (OIT) divulgou o seu relatório anual sobre as tendências globais de emprego e, antes de mais, não é exagerado afirmar-se que os números são absolutamente deprimentes.

A taxa de emprego não irá regressar aos níveis da pré-crise nos mercados emergentes até 2015, enquanto as economias avançadas terão de esperar até 2017 para que as suas dores relativas ao desemprego se amenizem. Mas e ainda assim, o número de pessoas desempregadas mostra uma tendência de crescimento na ordem dos quatro por cento, para um total de 208 milhões. No mundo e de acordo com a OIT, existem agora 197 milhões de pessoas sem emprego. E como podem as taxas de emprego e de desemprego subir em simultâneo? Porque os desempregados estão simplesmente a abandonar a força laboral ou, melhor dizendo, em mais de metade dos países pesquisados, a participação na força de trabalho declinou significativamente devido ao desencorajamento demonstrado pelos desempregados que simplesmente, desistem de procurar trabalho. Só em 2012, a OIT registou um aumento de mais de quatro milhões de desempregados e, para 2013 e 2014, espera-se ainda um agravamento maior. De acordo com a OIT, o pior ainda está para vir, mesmo com o anúncio da retoma económica mundial, prevista para finais de 2013 ou início de 2014 pelo Banco Mundial. As previsões da Organização apontam ainda para um acréscimo de 5,1 milhões de desempregados, em 2013 e mais três milhões para 2014. Particularmente severa é a crise para os jovens: do total de 197 milhões de desempregados no mundo, 73,8 milhões são jovens.

Por outro lado, a qualidade do trabalho está também a piorar em todo o planeta, mesmo nos países em que a taxa de desemprego está em queda, de acordo com as conclusões retiradas pelo estudo que avaliou os salários médios, os benefícios, o número de horas trabalhadas e a criação de emprego, entre 2007 e 2011. De sublinhar que nas economias mais avançadas, os novos empregos que estão a ser criados são de “baixa qualidade”, com excepção para a Coreia do Sul, a Noruega e a Polónia.

Os Estados Unidos, por seu turno, estão a criar menos postos de trabalho, mas a melhorar as condições daqueles que conseguem criar, o que revela também a desigualdade crescente que grassa no país. Os mercados emergentes, por outro lado, estão a considerar mais fácil criar mais e melhores empregos pois estão a fazê-lo partindo de uma base “baixa”, ou seja, é mais fácil melhorar a qualidade de um trabalho num país onde a maioria das pessoas ganha menos de 10 dólares por dia. Ainda de acordo com o relatório, os mais ricos podem agora deixar de se preocupar. A retoma nos (seus) salários já teve início e, nos países avançados, a tendência é de subida. Em contrapartida, a classe média está cada vez mais “encolhida” exactamente devido à disparidade crescente entre os salários mais elevados e os mais baixos, o que exacerba a desigualdade no geral. De acordo com dados do relatório, a desigualdade na distribuição de rendimentos aumentou em 14 das 26 economias desenvolvidas, sobretudo em França, na Dinamarca (o que é um dado novo), Espanha e, obviamente, nos Estados Unidos, que continua a ser o recordista mundial da desigualdade, com os CEOs das maiores empresas cotadas norte-americanas a usufruírem de pacotes salariais, em média, 508 vezes superiores relativamente aos seus pares trabalhadores “normais”.

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Desemprego e tragédia humana
Para Raymond Torres, director do International Institute for Labour Studies e que assina o editorial do relatório de 128 páginas, a situação de desemprego não se está só a deteriorar na Europa, como também não apresenta sintomas de melhoria em muitos outros países. Como resultado, a crise de emprego global entrou numa nova e mais estrutural fase. Adicionalmente, Torres escreve que este não é um abrandamento do emprego normal. “Quatro anos depois da crise global, os desequilíbrios no mercado laboral estão a tornar-se mais estruturais e, por isso mesmo, mais difíceis de erradicar”, diz. E certos grupos, como os desempregados de longa duração, correm o sério risco de exclusão do mercado de trabalho. O que significa que, mesmo que ocorra uma retoma substancial (o que também é pouco provável), estas pessoas não conseguirão arranjar uma nova colocação.

Adicionalmente e para uma proporção crescente de trabalhadores que têm um trabalho, o emprego está a tornar-se cada vez mais instável e precário. Nas economias avançadas, o trabalho em part-time ou temporário, ambos involuntários, aumentou em cerca de dois terços e em mais de metade, respectivamente, nestes países. A quota de emprego informal mantém-se elevada, situando-se acima dos 40% em dois terços das economias emergentes e dos países em desenvolvimento. As mulheres e os jovens são desproporcionalmente afectados pelo desemprego e pelo emprego precário. Em particular, as taxas de desemprego jovem aumentaram em cerca de 80% das economias avançadas e em dois terços dos países em desenvolvimento.

A instabilidade laboral é, acima de tudo, diz Torres, uma tragédia humana para os trabalhadores e suas famílias, mas também acarreta um desperdício da capacidade produtiva, na medida em que as competências tendem a ser perdidas em virtude da rotatividade excessiva entre períodos de trabalho e longos períodos de desemprego ou de inactividade.

O défice de postos de trabalho anda também de mãos dadas com o défice de investimento prolongado – um outro sinal de que a crise está a entrar numa nova fase. O relatório concluiu que o investimento está cada vez mais volátil, situação que exacerba a precariedade laboral nas economias avançadas, bem como nas emergentes e nos países em desenvolvimento.

Raymon Torres alerta também para a ansiedade crescente de uma sociedade que não tem trabalho decente. Em 57 dos 106 países representados, o “Índice de Agitação Social”, desenvolvido exclusivamente para os propósitos deste relatório, aumentou significativamente em 2011 comparativamente a 2010. A Europa, o Médio Oriente, o norte de África e a África subsaariana constituem os locais onde o risco de tensão social é mais preocupante. Em média, a América Latina – onde existe um grau de retoma no emprego e, em alguns casos, algumas melhorias da sua qualidade – está a assistir a um declínio da intranquilidade social. Preocupante é o risco elevado de agitação social nos países da Europa a 27: de 34% em 2006/2007 aumentou para 46% em 2011/2012, sendo que o relatório identifica o Chipre, a República Checa, Grécia, Itália, Eslovénia, Espanha e Portugal como os recordistas da subida.

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A Europa presa na armadilha da austeridade
Desde 2010, “e apesar das declarações ‘amigas do emprego’ em reuniões sucessivas do G20 e de outros fóruns globais, que a estratégia política alterou o seu curso para longe da criação e melhoria do emprego, concentrando-se, ao invés, no corte a todo o custo dos défices fiscais”, escreve Torres. E prossegue com a história das histórias que todos nós já nos habituámos a ouvir: que, nos países europeus, a redução dos défices orçamentais foi considerada como essencial para acalmar os mercados financeiros e, que o mesmo remédio foi aplicado, por razões preventivas, também aos países que não estavam a sofrer dos efeitos da crise. Como sublinha Torres, os défices orçamentais estão a ser reduzidos para evitar quaisquer que sejam as reacções negativas dos mercados financeiros. O responsável recorda também que esta abordagem tinha como objectivo abrir caminho a um maior investimento e crescimento, em conjunto com défices orçamentais mais reduzidos.

Adicionalmente, escreve, como parte da mudança politica, a maioria das economias avançadas flexibilizou as regulamentações laborais e enfraqueceu as instituições do mercado de trabalho, sendo que mais medidas de liberalização foram anunciadas.

Todavia e como também já é do conhecimento geral, as expectativas não passaram disso mesmo, de (vãs) expectativas. Nos países que seguiram à risca a receita da austeridade e da flexibilização, principalmente os do sul da Europa, o crescimento económico e do emprego foi inexistente ou, pior que isso, em deterioração contínua.

Para o director do International Institute for Labour Studies, a razão fundamental para o fracasso destas políticas – implementadas num contexto de perspectivas limitadas de procura e com a complicação adicional de um sistema bancário a sofrer o seu próprio processo de “desalavancagem” – prende-se com a incapacidade do estímulo ao investimento. A austeridade, na verdade, resultou num fraco crescimento económico, num aumento de volatilidade e no agravamento da situação da banca, o que deu origem a uma contracção do crédito ainda mais profunda, à diminuição do investimento e, consequentemente, à perda de postos de trabalho. De forma irónica, escreve Torres, todas estas medidas acabaram por afectar, de forma adversa, os orçamentos governamentais, o que aumentou as exigências de mais austeridade.

Adicionalmente e de uma forma geral, o Relatório confirma dados já recolhidos por estudos anteriores que concluem que não existe uma ligação directa entre as reformas do mercado de trabalho e os níveis de emprego.

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A urgência urgente
No editorial do estudo em causa, Raymond Torres sublinha que ainda é possível aos países europeus mais afectados pela denominada “armadilha da austeridade” conseguirem dela sair. Torres não deixa também de sublinhar que as três abordagens sugeridas no Relatório do Mundo do Trabalho do ano passado permanecem válidas.

Em primeiro lugar, as instituições do mercado laboral deverão ser reforçadas para que os salários cresçam em linha com a produtividade, começando nas economias excedentárias. Na actual situação, escreve, o aumento do salário mínimo deverá ser considerado de forma cautelosa e coordenada e, adicionalmente, aumentar os esforços para implementar os standards principais inerentes ao mercado laboral poderá constituir uma boa ajuda, especialmente nos países emergentes e nas economias em desenvolvimento, onde existem fossos significativos.

Em segundo lugar, é crucial restaurar as condições de crédito e criar um ambiente mais favorável ao ambiente empresarial onde se movem as pequenas empresas. Esta questão é particularmente urgente para os países da zona euro, nos quais a política do Banco Central para fornecer liquidez aos bancos falhou em estimular o crédito necessário à economia real. Poderá igualmente ser necessária uma maior tributação às empresas que não reinvestem os seus lucros e/ou uma menor tributação às que enfatizem o investimento e a criação de emprego.

Em terceiro, e para a OIT, é possível promover o emprego e, em simultâneo, ir ao encontro dos objectivos orçamentais. O relatório demonstra também que uma alteração fiscalmente neutra na composição dos gastos e receitas originaria uma criação entre 1,8 a 2,1 milhões de empregos dentro de um a dois anos. No que respeita aos países emergentes e em desenvolvimento, o Relatório aconselha a que os esforços se centrem no investimento público e na protecção social para reduzir a pobreza e a desigualdade de rendimentos e para estimular a procura agregada.

Fundamentalmente, sublinha Torres, é mais do que altura para o mundo se mover para uma estratégia orientada para o crescimento e para o emprego, o que ajudará a coordenar políticas e evitar um contágio ainda maior causado pela austeridade orçamental.

Na Europa, a estratégia poderá ainda incluir uma abordagem coordenada para resolver a crise da dívida, para a qual a criação de mecanismos de financiamento inovadores e a melhoria na utilização dos Fundos Estruturais Europeus – adequadamente reformulados para que sejam capazes de enfrentar o presente défice de empregos – seria instrumental.

A conclusão final não poderia ser diferente. O Relatório alerta para que os países ponham em marcha, de forma urgente, as condições necessária para uma alteração significativa na abordagem da actual política. É sublinhada a necessidade de uma abordagem que reconheça que posicionar o emprego no topo da agenda política é absolutamente crucial , sem esquecer também uma urgente coerência entre a macroeconomia, o emprego e as políticas sociais.

Editora Executiva