Encontrar soluções de cooperação para os inúmeros desafios relacionados com a escassez de recursos hídricos e a sua premente gestão sustentável é a prioridade do 8º Fórum Mundial da Água, que o World Water Council realiza em Março de 2018, e para o qual se aceleram reuniões e estudos preparatórios, com vista a incluir o tema no topo da agenda política mundial. O investimento em infra-estruturas que melhorem a segurança da água e a resiliência da gestão dos recursos garante um elevado retorno para as populações, as economias e o meio ambiente, mas falta partilha de responsabilidades e acções entre governos e privados
POR GABRIELA COSTA

Por cada dólar investido em água potável e saneamento, há um retorno estimado de 4,3 dólares” – Benedito Braga, presidente do Conselho Mundial de Água

De acordo com os mais recentes dados do Programa de Monitorização Conjunto da OMS/UNICEF, 2,6 mil milhões de pessoas, isto é, o equivalente a um terço da população global, passaram a ter acesso a uma fonte de água potável, entre 1990 e 2015. Actualmente 91% da população mundial utiliza uma fonte de água potável, o que representa um progresso significativo face aos 76% registados em 1990.

No entanto, devido à má qualidade da água e da sua gestão, as fontes de água melhoradas não significam o acesso a água potável, alertam as duas organizações, segundo as quais pelo menos 25% destas fontes são pouco seguras, devido, por exemplo, à presença de contaminantes de várias origens.

[quote_center]Apenas uma em cada três pessoas nas zonas rurais tem acesso a água potável canalizada nas suas casas[/quote_center]

De resto, e apesar das concretizações no acesso a fontes de água melhoradas em todas as regiões, as taxas de progresso variaram: a cobertura na Ásia aumentou significativamente, com mais de quinhentos milhões de pessoas a ter acesso apenas na China; e na América Latina e Caraíbas, 95% da população tem agora acesso a água potável. Mas, como habitualmente nas matérias do desenvolvimento, na África Subsaariana ainda há muito por fazer – cerca de um terço da população ainda não tem água potável.

Por outro lado, existem ainda disparidades significativas entre meios rurais e urbanos. Quatro em cada cinco pessoas residentes em áreas urbanas têm acesso a água potável canalizada nas suas casas, mas nas zonas rurais esta proporção decresce para apenas uma em cada três pessoas.

Contas feitas, o progresso global alcançado no acesso ao saneamento ainda está longe, muito para além do falhanço dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio (ODM) para esta área. Em 2015, altura em que os ODM atingiram o seu prazo limite, cerca de 32% (2,4 mil milhões) de pessoas no mundo ainda não tinham acesso a instalações sanitárias. Agora, o Objectivo 6 dos Objectivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) – assegurar a disponibilidade e gestão sustentável da água e saneamento para todos, até 2030 -, quer-se cumprido, mas para tanto “os investimentos globais na água devem ser triplicados, o equivalente a 600 mil milhões de dólares por ano”, como alerta Csaba Kőrösi, assistente do Painel de Alto Nível sobre a Água (HLPW, na sigla em inglês) e director de Sustentabilidade Ambiental do Gabinete do Presidente da República da Hungria.

© Unicef

Cooperação internacional é o catalisador

Para garantir que todos os esforços por parte da sociedade civil são feitos para exigir aos governos a concretização deste exigente objectivo, o World Water Council (WWC), organização internacional de stakeholders focada na dimensão política da segurança da água, adaptação e sustentabilidade que trabalha, desde 1996, para incluir o tema da água no topo da agenda política mundial, através de mais de 300 organizações provenientes de 50 países, realiza regularmente o Fórum Mundial da Água.

O evento, cuja 8ª edição terá lugar em Brasília, em Março de 2018, visa mobilizar para questões críticas sobre a água a todos os níveis, através de um debate global que abrange as mais altas esferas de decisão, envolvendo todas as partes interessadas, incluindo governos, na premente prioritização dos recursos hídricos e da sua gestão. O objectivo é contribuir para alcançar as acções e investimentos necessários, ao mais alto nível político, para garantir que a água potável e o saneamento serão uma realidade a nível mundial até 2030, de acordo com os Objectivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU.

[quote_center]Para atingir o ODS relativo à água e saneamento é preciso triplicar os investimentos globais, num total de 600 mil milhões de dólares por ano[/quote_center]

Neste contexto, e a menos de um ano da realização do 8.º Fórum Mundial da Água, a organização fundadora deste que é o maior evento global sobre o mais precioso recurso do planeta promoveu, nos dias 26 e 27 de Abril, a 2.ª Reunião de Consulta às Partes Interessadas. O encontro, que juntou na capital federal do Brasil cerca de 900 representantes ao mais alto nível, incluindo Chefes de Estado e especialistas em água de 70 países, serviu de preparação ao grande fórum que reunirá, entre 18 e 23 de Março de 2018, 30 mil participantes, com o objectivo de encontrar soluções de cooperação para os desafios relacionados com esta temática.

Sob o mote “Partilhando Água”, o evento integra cinco grandes áreas de intervenção – Processo Temático, Processo Político, Processo Regional, Fórum Cidadão e Grupo de Foco em Sustentabilidade – e, para assegurar a sua missão de melhorar a segurança hídrica para todos, o Conselho Mundial da Água lançou em Fevereiro último uma consulta pública em torno de seis temas em debate neste 8º Fórum: Clima – segurança da água e alterações climáticas; População – água, condições sanitárias e saúde; Desenvolvimento – água e desenvolvimento sustentável; Meio urbano – integração dos sistemas de água e da gestão de resíduos; Ecossistemas – qualidade da água, meios de subsistência  ambientais e biodiversidade; e Financiamento – financiar a segurança hídrica.

Segundo o presidente do Conselho Mundial de Água, Benedito Braga, aproveitando “o sucesso alcançado” no 7.º Fórum Mundial da Água, que decorreu na Coreia em Abril de 2015, e que “marcou um passo em frente na cooperação internacional na área da água”, a nova edição do evento deverá servir para implementar um guia de trabalho e garantir acordos políticos importantes: “estamos empenhados em envolver os responsáveis políticos e decisores num diálogo conjunto para estabelecer compromissos, de modo a melhorar os recursos hídricos e o desenvolvimento dos serviços”.

No repto para 2018, Benedito Braga sublinha que “os líderes mundiais percebem que o saneamento é fundamental para a saúde pública, mas é necessário agir agora. A fim de tornar a água e o saneamento globalmente disponíveis até 2030, precisamos de empenho ao mais alto nível”.

© World Water Council (WWC)

Millennials negativos face aos esforços alcançados

Convidando todas as partes interessadas “a partilhar as acções e responsabilidades para um esforço comum”, o WWC é uma organização reconhecida como “um facilitador importante nos debates sobre o financiamento e uma força motriz para as mudanças políticas na busca pela segurança da água”. Pioneiro em diversos programas inovadores que promovem medidas de adaptação para o uso da água face às alterações climáticas eminentes, aumento do investimento político em matérias como a segurança hídrica e criação de cidades sustentáveis no que respeita à água, este Conselho esforça-se também por manter informada e consciencializar a opinião pública acerca dos progressos realizados a nível global, nesta área.

[quote_center]46% dos CEO concordam que a escassez de recursos e as mudanças climáticas irão transformar os seus negócios nos próximos cinco anos[/quote_center]

Neste contexto, a organização realizou recentemente uma pesquisa em 16 países focada na percepção dos millennials (ou geração Y, nascida entre os anos 80 e meados da década de 90) sobre a água enquanto recurso imprescindível e a problemática em torno do seu acesso à escala global, prevista nos ODS.

Os resultados, apresentados em Brasília na 2ª Reunião de Consulta às Partes Interessadas, revelam que a quase totalidade dos 2031 inquiridos em 16 países (China, Índia, Indonésia, Japão, Coreia do Sul, Alemanha, França, Itália, Espanha, Reino Unido, Argentina, Brasil, Colômbia, México, Peru e EUA) considera que o acesso à água potável é importante. Mais de três quartos dos millennials em todo o mundo estão convencidos que os governos e as instituições precisam de liderar a luta para tornar este acesso uma realidade à escala global, a par do acesso ao saneamento. Mas mais de dois terços defendem que não se estão a desenvolver esforços suficientes para alcançar o ODS das Nações Unidas e garantir água potável e saneamento para todos.

Quase metade dos respondentes ao inquérito online com dez questões realizado através da platafoma Cint, em nome do Conselho Mundial da Água, acham que houve uma melhoria no acesso à água potável na Ásia nos últimos cinco anos, mas menos de 1/3 acredita que decorreram progressos em África, a este nível. E também mais de um terço, a nível global, já testemunharam, em primeira mão, o impacto negativo da água contaminada, mas apenas metade dos millennials reconhece o acesso à água potável como um direito humano.

[quote_center]Por cada milhar de milhão de dólares investido em água potável e águas residuais serão criados 28500 postos de trabalho[/quote_center]

Finalmente, as principais fontes que a geração Y utiliza para se manter informada sobre questões como as alterações climáticas e a segurança da água são os media tradicionais (64%), a Internet e redes sociais (45%), a universidade (21%), a família e amigos (15%), o trabalho (10%) e o Governo (9%).

O inquérito realizado entre 17 e 19 de Abril incluiu 46% de inquiridos com idades compreendidas entre os 18 e os 25 anos e 54% com idades entre os 25 e os 30 anos (50% homens e 50% mulheres). Com uma abrangência global, o estudo distribuiu-se equitativamente pela Ásia, Europa, América Latina e EUA, com 25% de respostas em cada uma destas regiões.

Investimento na água é lucrativo para todos

© Unicef

Explanada para o contexto de todos os stakeholders envolvidos na tarefa de compartilhar a água com uma visão sustentável, esta percepção dos mais jovens sobre os recursos hídricos indica, indubitavelmente, que é fundamental “investir em infra-estruturas que melhorem a segurança da água e a resiliência da gestão dos recursos para as populações, as economias e o meio ambiente”. Felizmente as empresas estão cada vez mais consciencializadas da importância do investimento em água potável e saneamento, com 46% dos CEO a concordarem que a escassez de recursos e as mudanças climáticas irão transformar os seus negócios nos próximos cinco anos, segundo divulga o WWC.

Certo é que, como sublinha o seu presidente, “por cada dólar investido em água potável e saneamento, há um retorno estimado de 4,3 dólares (400%), sob a forma de redução dos custos de saúde para os indivíduos e a sociedade em todo o mundo”. Este cálculo não tem sequer em consideração os benefícios deste investimento para o desenvolvimento global, “que permite aos países e às sociedades progredir económica, cultural e politicamente”, recorda Benedito Braga, exemplificando: estima-se que “por cada milhar de milhão de dólares investido em água potável e águas residuais, serão criados 28500 postos de trabalho”.

O retorno do investimento nesta área é, pois, elevado, mas requer uma partilha de responsabilidades e acções. É urgente navegar rumo a esta estratégia de uma forma concertada, garantindo que o barco chega a bom porto. Uma boa milha já se percorreu, durante a reunião com o Painel de Alto Nível sobre a Água realizada no Budapest Water Summit 2016, em Novembro do ano passado. Na ocasião, o Banco Mundial, oito bancos multilaterais de desenvolvimento e o Fundo Verde do Clima comprometeram-se a trabalhar colectivamente para duplicar o montante investido em infra-estruturas hídricas nos próximos cinco anos.

[quote_center]Mais de 75% dos millennials em todo o mundo estão convencidos que os governos e as instituições precisam de liderar a luta pelo acesso global à água[/quote_center]

No entanto, e como alerta o assistente do HLPW, as finanças públicas e concessionárias “não serão suficientes” para atingir o nível de investimento necessário para a segurança da água no mundo, pelo que “os fundos privados devem ter também um papel importante”.

Importante e inadiável, já que “o tempo é escasso” para a escassez de soluções efectivas para a gestão da água, como conclui Csaba Kőrösi: “temos 15 a 20 anos antes de enfrentar um desafio significativamente maior, que provém das alterações climáticas e das crises de água regionais”. Dois factores que contribuem de forma incerta para um problema que é já estrutural. E que coloca em causa a sustentabilidade do mais precioso recurso do planeta.


© World Water Council (WWC)

#CLIMATEISWATER

A água e as alterações climáticas são áreas intimamente interligadas, mas a relação óbvia entre as duas tem vindo a ser ignorada há décadas, na agenda internacional e, nomeadamente, nas regulares cimeiras do clima das Nações Unidas.

A iniciativa Climate Is Water, coordenada pelo World Water Council, apela aos membros da comunidade envolvida neste sector para falarem a uma só voz, a fim de conseguirem que os stakeholders da área climática tenham em consideração as várias temáticas emergentes sobre a segurança e gestão sustentável da água nas agendas para o clima.

Defendendo uma acção urgente que gere visibilidade sobre a imprescindibilidade dos recursos hídricos e o impacto que as alterações climáticas têm sobre os mesmos, a campanha visa desenvolver negociações de longo prazo e com carácter efectivo, à escala global, sobre esta problemática.