Desligue a TV, feche o jornal, largue o cubo mágico ou lá o que estiver a fazer, pois vamos contar-lhe a maior história de aventura de sempre. Ok, se calhar estou a exagerar e, muito possivelmente, nem sequer vai ser bem contada, mas dado que já deve estar perfeitamente habituado a manobras de marketing populistas e a publicidade enganosa, pode ser que me safe bem
POR NUNO OLIVEIRA

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Investigador no CIGEST e docente no ISG – Business & Economics School
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Esta é a história fabulosa de Hércules, versão 2.012, com updates para ser lida em todas as plataformas e plug-ins para quaisquer gadgets da moda onde queira estoirar o seu subsídio de férias. Ah, também não tem subsídio este ano? Então, siga-nos nesta épica aventura, a acção vai começar…

Filho dos deuses Keynes e Bruntland, o pequeno Hércules cresceu feliz durante a bonança anexada à Euribor dos loucos 90’s, que ao contrário do desvario estético dos 80’s, em que as gravatas de napa e os penteados esquizóides ameaçaram conduzir o Wallimpo ao negro abismo dos Titãs, mostravam uma limpa, tecno e asseada Europa, que crescera muito para além dos limites das doces praias mediterrânicas. A coisa corria mais-ou-menos bem, das colunas de Atlas à terra-do-Pai-Natal, havia uma doce harmonia composta por algumas dissonâncias saxónicas, teutónicas e macarrónicas, mas a cornucópia lá ia jorrando e a cada passagem do carro de Apolo a economia crescia como nunca se havia antes sonhado em todo o Peloponeso. Mas, algures nas fundas covas do mundo, os cérberos morganitas, lehmanitas e goldmansachianos iam avisando: Hades cá vir parar. E na viragem do milénio, na véspera da queda das grandes torres, o oráculo de Soros avisou: metade do dinheiro que corre pela economia não passa de bits e bytes e a outra metade está mais cativa do que Perséphone durante o Inverno, ao serviço de estranhos senhores que não são lá muito fãs dos papás do nosso herói, criadores das lendas do pleno-emprego, estado-social e sustentabilidade.

Mas perante tanto estímulo microeconómico racionalmente assente na nossa espantosa e racional capacidade de distinguir a melhor de todas as ofertas que nos fazem, Hércules ensandeceu e estoirou o seu crédito à habitação e ao consumo com T5 na Aroeira, férias na Dominica e A6, desatou a correr como um louco mas os mercados iam-se fechando à sua volta. Quando deu por si estava só, abandonado e a decepar benefícios sociais aos desprotegidos enquanto desesperava por manter as Moiras a cortar os fios das almas endividadas e a dar entrevistas infindáveis na TV por cabo a explicar como não sabiam porque a economia havia chegado a tal estado. Keynes e Bruntland choravam e sabiam que o seu filho só poderia voltar a ser divino se passasse por uma dura e cruel crise que lhe iluminasse o caminho. Então, pediram a Troika, o primo tricéfalo de Hércules que controlava o sistema global de dívidas soberanas que lhe impusesse 12 medidas de austeridade, perdão, Trabalhos, que lhe iriam purgar a alma e repor a ordem mágica e piramidal que mantém o fígado de Prometeus a regenerar e a crescer com saúde e frescura.

Então, ainda aqui estão? Ah, tiveram que ir andando porque agora o trânsito nas nacionais está muito pior e, ir pela auto-estrada é só para os ricos. Mas estou a ver que ainda estão alguns por aqui, se calhar porque nem dinheiro para a gasolina tem. Então, especialmente para vós, aqui vai a lista dos 12 Trabalhos:

  1. Matar o leão do crédito fácil, que atormentava a região com um enorme apetite devorador de crescimentos salariais e necessidades consumistas;
  2. Matar a Hidra da função pública, com sete cabeças venenosas, que se multiplicam quando cortadas por quem não sabe como tratar da besta. Mas atenção, há sempre uma cabeça que sobrevive, por ter privilégios acima das mortais, mas essa deve ser enterrada bem fundo e não se fala mais nisso;
  3. Capturar o javali gigante do banco-sobre-o-qual-não-se-diz-o-nome e retalhá-lo à moda de Luanda;
  4. Capturar a corça dos transportes públicos, cuja dívida tem cascos de bronze e chifres de ouro e vende passes subvalorizados;
  5. Expulsar as aves do lago da economia paralela, impor-lhes a emissão de facturas cada vez que limpam as penas e abrem o bico, acabou-se o pão gratuito para os patos;
  6. Limpar os estábulos do rei Alberto, que já estavam uma esterqueira há demasiado tempo, para isso pode ser preciso desviar a corrente offshore para arrastar a imundice para o Atlântico;
  7. Capturar o touro selvagem da fuga aos impostos, que deambula pelo labirinto cretino do caos tributário e aduaneiro;
  8. Adestrar os cavalos devoradores de financiamento público do reino autarca, eliminar uns quantos, despromover outros tantos a mulas e jumentos e dar-lhes a comer os caciques que andaram a abusar da sorte ou não tem as quotas do partido em dia;
  9. Obter o cinto de Iva, a poderosa rainha Amazona e apertá-lo algumas casas percentuais, mesmo que isso cause congestão;
  10.  Roubar o gado ao monstro Geriátrico, assim, com menos reformas, pensões e benefícios sociais, pode ser que morra mais depressa e pese menos nas colunas da segurança social;
  11. Apanhar as maçãs douradas do jardim das parcerias público-privadas, fazer umas litradas de sumo com as mesmas e deixá-las a reciclar no sistema político;
  12. Último, mas não menos perigoso, capturar Cérbero, o terrível cão tricéfalo que guarda os infernos do ordenamento territorial e ambiental e pô-lo a escavar minas, desanexar renes e ranes, plantar árvores-de-papel e a construir barragens para que o inferno fique cada vez mais pitoresco.

E assim, o nosso bravo herói pode sonhar com o regresso aos mercados divinos, levado em ombros pelos 99% da população desta terra, que cada vez se vê mais grega com isto tudo.

Biólogo e CEO da NBI – Natural Business Intelligence