Um escândalo empresarial pode ocorrer quando existem evidências de comportamento não ético, negligência ou interferência por parte de terceiros, com impacto para a reputação da empresa. O IG Bank publicou um ranking dos 10 maiores escândalos corporativos dos últimos tempos, de acordo com a sua notoriedade, e que incluem más práticas de ordem variada. Desde contabilidade criativa, a práticas de negócio duvidosas, passando por violações de dados ou por danos ambientais, as empresas que se seguem ficarão na história por terem fechado os olhos à ética que as deveria orientar. Algumas desapareceram, outras mudaram de nome, mas várias conseguiram sobreviver aos danos reputacionais que se abateram sobre si. Resta saber se aprenderam a lição

ENRON

É, sem dúvida, um dos mais famosos – pelos piores motivos – e citados escândalos empresariais de todos os tempos. A situação começou em inícios de 2001, altura em que os analistas questionaram as contas apresentadas no reporte anual da empresa face ao ano anterior. As contas estavam marcadas por uma variedade de procedimentos irregulares, o que tornava difícil perceber de que forma é que a empresa estava a gerar dinheiro, apesar de ter negócios no sector da energia, das commodities e das telecomunicações. A SEC começou a investigar e descobriu que a Enron estava a esconder milhares de milhões de dólares em passivos através de entidades de propósito específico (empresas que controlava), o que lhe permitia aparentar ser uma empresa rentável, apesar de estar já a sofrer de uma enorme hemorragia financeira.

A história da Enron demonstra como é possível uma empresa chegar ao topo do mundo apenas para enfrentar uma queda estonteante. O colapso da empresa afectou igualmente milhares de empregados – tinha cerca de 21 mil – e abalou significativamente Wall Street. Até hoje, muitos continuam a questionar-se como um negócio tão poderoso – na altura, uma das maiores empresas dos Estados Unidos – se desintegrou quase da noite para o dia. E continua igualmente difícil de perceber de que forma a sua gestão de topo conseguiu enganar os reguladores durante tanto tempo, com fraudes contabilísticas e fiscais e tendo conseguido esconder dívidas avaliadas em 25 mil milhões de dólares durante dois anos. A queda da Enron arrastou consigo também a Arthur Andersen, responsável pela auditoria das suas contas e muitas outras empresas, instituições financeiras e escritórios de advogados. O seu CEO, Jeffrey Skilling, cumpriu 12 anos de prisão efectiva e foi libertado em 2018.

O preço das acções da Enron desceu de 90,56 dólares para menos de um dólar à medida que a crise se foi desenrolando, o que a forçou a abrir falência.

VOLKSWAGEN

O escândalo das emissões da Volkswagn (VW) – também conhecido como “dieselgate” ou “emissionsgate” – teve início em 2015, quando a Agência de Protecção Ambiental (EPA, na sigla em inglês) dos Estados Unidos anunciou que acreditava que a gigante alemã tinha manipulado os seus testes de emissões.

Na verdade, a empresa tinha programado, intencionalmente, a injecção electrónica de carros com motor a diesel para activar determinados controlos de emissões durante os testes de poluentes. Ou seja, a modificação do software do sistema de injecção electrónica causava uma diminuição temporária na emissão de óxido de nitrogénio nos laboratórios – para estar em consonância com os padrões regulatórios dos Estados Unidos -, mas, em estrada, os valores poderiam ser até 40 vezes superiores ao limite aceitável de nitrogénio. A descoberta conduziu a investigações em vários países do mundo, com algumas estimativas a sugerirem que esta fraude atingiu mais de 11 milhões de carros.

Para muitos observadores, o maior pecado da VW não foi o de cometer fraude nos seus denominados “dispositivos manipulados”, mas sim por ter levado quase dois anos a negar o (mau) feito e a mentir, enganar e a tentar “atirar areia para os olhos” dos reguladores de todas as instâncias legais que começaram a seguir o caso.

Depois de quase dois anos a procrastinar, inventar, enganar, defraudar e a mentir desavergonhadamente a reguladores, clientes e autoridades variadas, a 18 de Agosto de 2015, a VW foi obrigada a admitir que os seus veículos tinham um “defeat device”. Mas antes ainda teve tempo, e segundo consta, de ter ordenado a 40 empregados, da VW e da Audi, que destruíssem milhares de documentos, ou seja, tudo o que pudesse ser ligado ao caso das emissões nos Estados Unidos.

As acções da Volkswagen caíram mais de um terço entre 16 e 28 de Setembro de 2015.

LEHMAN BROTHERS

É outro caso clássico de falta de ética. O Lehman Brothers abriu falência em 2008 depois de ser vítima da crise das hipotecas subprime. Ao longo de muitos anos, o banco emprestou quantidades significativas de capital na concessão de empréstimos para quem queria comprar imóveis. Como resultado, acabaria por enfrentar uma situação em que os seus empréstimos pendentes excederam o capital que tinha disponível, o que significava que, caso o mercado imobiliário enfrentasse uma retracção, ficaria em risco de colapso. Para ocultar esse facto, o banco usou acordos de recompra para disfarçar os activos “em risco”. E, na verdade, tal envolveu a “venda” dos seus passivos a bancos sedeados nas Ilhas Caimão com a promessa de os recomprar posteriormente.

Quando a crise hipotecária do subprime surgiu, o Lehman Brothers viu-se incapaz de pagar a sua dívida pois os clientes não conseguiam pagar os seus empréstimos. Mais de 70% do seu valor foi eliminado apenas no primeiro semestre de 2008 e a empresa foi forçada a declarar falência em Setembro do mesmo ano.

Com cerca de 639 mil milhões de dólares em activos e 619 mil milhões em dívidas, o pedido de falência do Lehman foi o maior da história, já que os seus activos superavam em muito os dos gigantes anteriormente falidos, tal como a WorldCom e a Enron. Na época do seu colapso, era o quarto maior banco de investimento dos Estados Unidos, com 25 mil funcionários em todo o mundo.

O “desaparecimento” do Lehman também o tornou a maior vítima da crise financeira induzida pelas hipotecas subprime dos EUA, que varreria os mercados financeiros globais em 2008, sendo o seu colapso um evento seminal que intensificou significativamente a crise que se instalou a nível mundial nesse mesmo ano.

BP

A crise teve início em Abril de 2010 quando a plataforma petrolífera Deepwater Horizon explodiu no Golfo do México, matando onze trabalhadores. Infelizmente, os esforços iniciais para conter o derrame falharam e foram necessários vários meses para a BP encontrar uma solução que funcionasse. Em Julho, e quando o poço foi finalmente “selado”, cerca de 4,9 milhões de barris de petróleo tinham sido já derramados no oceano, o que provocou o maior derrame acidental de petróleo da história. Os efeitos foram devastadores para o ecossistema local, para a vida selvagem e para os cidadãos com actividades relacionadas com a pesca e com o turismo, que não conseguiram cumprir as suas obrigações financeiras. A BP foi forçada a pagar milhares de milhões de dólares em compensações.

Desde 20 de Abril, dia da explosão, até finais de Junho de 2010, as acções da BP estiveram em declínio apenas recuperando algum do seu valor depois da contenção do derrame em Julho. O CEO da empresa na época, Tony Haywrd, que foi acusado de uma enorme insensibilidade e incompetência na gestão do desastre ambiental, acabaria por deixar a empresa nesse mesmo ano.

UBER

A Uber não tem sido imune a controvérsias. Nos últimos anos, a empresa foi alvo de múltiplas acusações de assédio sexual e questionada acerca da sua abordagem “não parar em nada” relativamente à sua expansão. A utilização de tecnologia ilegal para se furtar à aplicação da lei, o “roubo” de motoristas à concorrência e suspeitas de espiar os utilizadores foram algumas das más práticas de que foi acusada.

Contudo, foram as acusações relativas à cultura da empresa que acabaram por determinar o grande escândalo, o qual resultou na demissão do CEO Travis Kalanick em Junho de 2017. As alegações incluíam, entre várias, queixas de sexismo, violência moral e assédio sexual como fazendo parte da cultura da empresa, que “explodiram” na sequência de um relato feito na Internet por uma ex-funcionária e engenheira, Susan Fowler, a qual contava avanços abusivos e indesejados por parte de um gestor, garantindo que os incidentes eram contínuos e que tinha sido ignorada não só pelo departamento de compliance, como pelo próprio CEO, depois de relatar os problemas. As acções de Fowler desencadeariam uma série de outros relatos de assédio sexual e moral dentro da empresa.

Apesar de algumas das queixas não terem sido provadas, as acções da empresa, que na altura estavam a ser negociadas em operações privadas, foram afectadas. Com a Uber a preparar a sua IPO, foi escolhido um novo CEO, Dara Khosrowshahi, para limpar a sua imagem e criar uma nova cultura. A empresa foi cotada em bolsa em Maio de 2019 a 45 dólares por acção, o que lhe conferiu uma capitalização bolsista no valor de 69,7 mil milhões de dólares.

APPLE

Também conhecido como “batterygate”, o escândalo bateu às portas da Apple em Dezembro de 2017, depois de mais um de um ano de especulações e problemas de confiabilidade. Na altura, a empresa de Tim Cook confirmaria que estava a diminuir intencionalmente o desempenho do iPhone, na tentativa de evitar picos de energia que causavam o shutdown no telefone. Essencialmente, a empresa estava a aplicar um curativo de software num problema de hardware.

E todo começou quando um utilizador da Reddit reportou que uma actualização de software teria reduzido a performance do seu iPhone, mas que tal tinha sido corrigido depois de ter substituído a bateria. O caso reportado provava que a Apple estaria a limitar a performance do processador do iPhone 6s, reduzindo-lhe a velocidade e tornando-o mais lento. O post deu origem a uma enorme cobertura mediática, com muitos comentadores a sugerir que a empresa estava a tentar forçar os seus utilizadores a fazerem um upgrade dos seus telefones abrandando deliberadamente os dispositivos. Uma semana após a notícia, Tim Cook publicaria uma declaração, confirmando o que o software tinha sido concebido para diminuir o desempenho, mas alegando que a intenção era apenas a de evitar uma paragem inesperada do sistema, o que poderia afectar dispositivos com baterias mais antigas.

A empresa foi alvo da instauração de acções judiciais colectivas e, já em 2020, foi multada pelo governo francês em 27 milhões de dólares.

Como “gesto de boa vontade”para as pessoas afectadas, a Apple ofereceu um desconto na substituição das baterias. Mal o escândalo se tornou público, as suas acções estiveram em queda desde 22 de Dezembro até 29 do mesmo mês, recuperando apenas o seu valor em Janeiro de 2018.

FACEBOOK

O maior escândalo do gigante de Mark Zuckerberg ocorreu em Março de 2018, começou por ser revelado pelo jornal britânico Observer e cedo correu mundo. Em causa estava a empresa britânica de análise de dados Cambridge Analytica (CA), que trabalhou com a equipa da campanha eleitoral de Donald Trump e também com a campanha vencedora do Brexit, e a recolha que fez de cerca de 50 milhões de perfis do Facebook, de eleitores dos Estado Unidos, os quais foram posteriormente utilizados para construir um poderoso programa de software capaz de prever e influenciar as escolhas de voto à boca das urnas. O Facebook ainda se tentou “safar” das suas responsabilidades, mas é certo é que esta “fuga de dados” – “admitida” tardiamente pelo próprio Zuckerberg e depois de alguns dias de silêncio não só lhe custou a perda de valor de mercado da sua gigantesca empresa, como uma enorme mancha na sua reputação.

Os dados foram recolhidos através de um app chamada “thisisyourdigitalife”, construída por um académico da Universidade de Cambridge, Aleksandr Kogan e através da empresa deste, a Global Science Research (GSR), usados pela CA, que pagou a milhares de utilizadores para fazerem testes de personalidade – a cerca de 270 mil – que concordaram com a “utilização académica” dos mesmos. Mas e como também já se sabe, a aplicação acabaria por recolher igualmente a informação dos amigos de Facebook dos utilizadores que se tinham prestado a responder aos testes em causa, sem estes saberem e, por isso mesmo, sem o seu consentimento, o que acabaria por compor o gigantesco número de 50 milhões de perfis “roubados” à plataforma de Mark Zuckerberg – que foi entretanto chamado a depor tanto no Senado dos Estado Unidos como no Parlamento Europeu – e utilizados para influenciar as opções de voto nas eleições de 2016 nos Estados Unidos e também no Brexit.

No seguimento do escândalo, as acções da empresa caíram a pique entre 17 e 26 de Março de 2018.

VALEANT PHARMACEUTICALS

O escândalo da farmacêutica canadiana Valeant começou em Agosto de 2015, quando Bernie Sanders e outros congressistas norte-americanos pediram à empresa que explicasse por que motivo havia aumentado o preço de dois medicamentos.

As investigações haveriam de demonstrar que a estratégia da empresa tinha sido a de adquirir pequenas empresas farmacêuticas e aumentar o preço dos seus medicamentos, em vez de investir no seu departamento de I&D. Tal levou a protestos públicos e a uma queda no preço das acções da empresa. O escândalo agudizou-se em Outubro, quando foi alegado que a Valeant controlava uma cadeia de farmácias chamada Philidor, tendo abusado dessa posição para aumentar a dimensão da sua carteira de encomendas e reportar lucros maiores. O anterior executivo da Valeant, Gary Tanner, e o ex-CEO da Philidor, Andrew Davenport, foram acusados de fraude e de lavagem de dinheiro por promotores federais em 2016, tendo sido igualmente indiciados por utilizarem as suas empresas para ganhos pessoais às custas dos accionistas. Ambos foram condenados a um ano de prisão.

Desde então, a empresa mudou o seu nome para Bausch Health Companies Inc. Entre meados de Agosto e meados de Novembro de 2015, o preço das acções caiu para menos de dois terços do seu valor.

KOBE STEEL

O escândalo da centenária Kobe Steel teve início em Outubro de 2017, quando a empresa japonesa revelou que tinha falsificado dados sobre a qualidade dos seus produtos de alumínio, aço e cobre. Estes produtos tinham sido usados por centenas de grandes empresas, incluído a Toyota, a Honda, a Subaru e a Mitsubishi Heavy Industries, levando a enormes preocupações com a segurança dos mesmos. A Central Japan Railway Company, por exemplo, descobriu que 310 peças incluídas nos seus comboios de alta velocidade não atendiam às normas acordadas. O escândalo provocou uma queda significativa no preço das acções da Kobe Steel e à renúncia do CEO Hiroya Kawasaki.

Um relatório sobre o escândalo emitido pela empresa em Março de 2018 dava conta que esta “tinha um estilo de gestão que enfatizava excessivamente a procura de lucro e (…) uma governança corporativa inadequada”. Todavia, e no âmbito das investigações, ficou demonstrado que a empresa japonesa falsificava dados há mais de cinco décadas, tendo sido protagonista de outros vários escândalos nos últimos 12 anos, tal como o seu envolvimento numa licitação fraudulenta para o projecto de uma ponte em 2005, não ter reportado as suas declarações de rendimento às autoridades tributárias em 2008, 2011 e 2013, ter falsificado dados de emissões em 2006, para além de ter feito financiamentos políticos ilegais para eleições locais em 2009.

Mesmo assim, a empresa resistiu a todos estes choques e continua a reportar lucros significativos.

EQUIFAX

A Equifax é uma das “três grandes” agências de crédito, em conjunto com a Experian e com a TransUnion.

Em Setembro de 2017, a empresa deu conta de uma violação de segurança severa nos seus sistemas informáticos, a qual poderia comprometer dados pessoais sensíveis de cerca de 145 milhões dos seus consumidores nos Estados e muitos mais um pouco por todo o mundo. Os dados roubados incluíam nomes, números de segurança social, datas de nascimento e moradas – informação tipicamente usada pelo bancos e por outras instituições financeiras para confirmar identidades. Adicionalmente, os números de cartões de crédito de aproximadamente 209 mil consumidores foram igualmente violados. Muitos dos consumidores que foram afectados pela quebra de segurança podem ainda transformar-se em vítimas de roubo de identidade no futuro, o que torna este caso numa das maiores violações de dados pessoais nos últimos anos.

As acções da Equifax perderam um terço do seu valor em apenas oito dias, logo a seguir à quebra de segurança ter sido tornada pública. A violação de dados da Equifax capturou a atenção dos governos federais, estatais e locais dos Estados Unidos, bem como dos reguladores no Reino Unido e no Canadá. O seu CEO, Richard Smith, renunciou ao cargo pouco tempo depois de o escândalo ter sido tornado público.

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