Será em Setembro de 2019 que os líderes mundiais se reunirão nas Nações Unidas, em Nova Iorque, para avaliarem os passos que já foram dados para o cumprimento das metas consagradas nos Objectivos de Desenvolvimento Sustentável. Resta saber se com orgulho ou com vergonha. É que de acordo com um novo relatório publicado a passada semana pela Sustainable Development Solutions Network, a rede liderada pelo reputado economista e conselheiro governamental Jeffrey Sachs, a esmagadora maioria dos 162 países analisados está com nota negativa face à sua performance nestas matérias
POR HELENA OLIVEIRA

[quote_center]“O Relatório do Desenvolvimento Sustentável 2019 reivindica seis grandes transformações a serem feitas em todos os países para abordar as competências e o emprego, a saúde, as energias limpas, a biodiversidade e a utilização dos solos, as cidades e a tecnologia digital. Todos os países têm um longo caminho à sua frente para criar roteiros e estratégias de ODS que possam vir a ser bem-sucedidos”, Jeffrey D. Sachs[/quote_center]

Em Setembro de 2019, os chefes de Estado de 193 países reunir-se-ão pela primeira vez nas Nações Unidas para avaliarem os progressos das promessas feitas há quatro anos no que respeita à Agenda 2030 e aos ODS. Se não fosse motivo de preocupação extrema, poderíamos apostar que a reunião não demorará muito tempo, visto que os progressos são poucos, sendo consensual a ideia de que os 17 Objectivos de Desenvolvimento Sustentável e as suas 169 metas nunca serão atingidos a não ser que os políticos locais demonstrem um envolvimento fora de série na sua implementação. Algo que, até agora, não aconteceu.

Apresentado, a 28 de Junho último, pela Sustainable Development Solutions Network (SDSN), liderada por Jeffrey Sachs e em parceria com a Bertelsmann Stiftung, o relatório em causa conclui que enquanto alguns países estão a trilhar um caminho – apesar de muito lento – para alcançar pelo menos algumas das metas acordadas, não estão, de todo, a adoptar a mudança transformadora necessária para cumprir os objectivos traçados até 2030. O relatório detalha os progressos por país, num total de 162, com a Dinamarca a liderar, seguida pela Suécia, Finlândia, França e Alemanha, com Portugal a ocupar a posição 26, e com os Estados Unidos e a China, os maiores poluidores do mundo e não só, bem perto um do outro, em 35º e 39º lugar, respectivamente. A república Democrática do Congo, o Chade e a República Central Africana são os piores classificados. Num “sub-relatório” que avalia 46 cidades europeias também no que respeita aos ODS, Lisboa situa-se na 39ª posição e o Porto quase no fim da lista, ocupando a 44ª.

Quatro anos passados sobre a adopção destes ODS, nem um país se pode gabar de estar a trilhar o caminho certo para atingir os 17 objectivos com que se comprometeram em 2015. Como escreve Jeffrey Sachs no prefácio do relatório, “os progressos graduais e as alterações nas políticas não são suficientes”, dando como exemplo que, num subconjunto de 43 países analisados, apenas 18 referem-se aos ODS nos seus orçamentos nacionais, com um substancial número de outros que nem sequer têm em curso nenhuma ferramenta que sirva para avaliar os passos dados em frente – ou atrás – pelos seus próprios países. Vejamos as principais conclusões saídas desta avaliação global, a primeira que foi auditada pelo Joint Research Centre da Comissão Europeia.

Acção Climática é o Objectivo mais ameaçado

Uma vez mais, são os países nórdicos a liderar o Índice ODS, mas mesmo estes enfrentam desafios enormes para implementar um ou vários dos Objectivos acordados. Nenhum país está no caminho certo, nem perto, de atingir os 17 e existem gaps aparentemente intransponíveis, mesmo para os países que ocupam as posições cimeiras do índice, no que respeita ao ODS 12 (Produção e Consumo Sustentáveis), ao 13 (Acção Climática), ao 14 (Proteger a Vida Marinha) e ao 15 (Proteger a Vida Terrestre). As desigualdades de rendimentos e de riqueza, bem como os fossos gigantescos existentes em termos de saúde e educação mantêm-se igualmente como desafios de peso, tanto nos países desenvolvidos como nos países em desenvolvimento. Este aumento de desigualdades que grassa em todo o mundo só poderá ser contrariado se forem realizadas alterações profundas nas políticas levadas a cabo tanto pelos países desenvolvidos como pelos países em desenvolvimento. O relatório demonstra, por exemplo, que se existem alguns países – incluindo vários da África subsaariana – a implementar reformas que estão a contribuir positivamente para diminuir a pobreza, a pobreza extrema continua fortemente enraizada em algumas regiões do globo.

Como já anteriormente referido, e dos 43 países a que mais indicadores de avaliação estão sujeitos, incluindo todos os que pertencem ao G20 e aqueles que têm uma população superior a 100 milhões de habitantes, 33 ratificaram os ODS em documentos oficiais desde 1 de Janeiro de 2018, com apenas 18 a inclui-los nos seus orçamentos nacionais, o que significa que este fosso entre retórica e acção continua a ser amplamente alargado.

Para os responsáveis do relatório, os ODS podem ainda ser operacionalizados se forem realizadas seis grandes transformações: Educação, Género e Desigualdade; Saúde, Bem-estar e Demografia; Descarbonização Energética e indústria Sustentável; Alimentação Sustentável, Solos, Água e Oceanos; Cidades e Comunidades Sustentáveis e Revolução Digital para o Desenvolvimento Sustentável. Estas transformações incluem fortes interdependências entre todos os ODS e podem ser operacionalizadas – haja vontade para tal – por partes bem definidas dos governos em colaboração com a sociedade civil, as empresas e outros stakeholders, assegura ainda o relatório.

Em média, os países obtêm as suas piores classificações nos ODS 13 (Acção climática), no 14 (Proteger a vida marinha) e no 15 (Proteger a vida terrestre), com nenhum país a obter uma “classificação verde” (o sinónimo de ‘ODS alcançado’) no objectivo 14, sendo que as tendências relativas às emissões de gases com efeitos de estufa e, ainda mais grave, nas espécies ameaçadas, estão a percorrer caminhos verdadeiramente errados e em sentido retrógrado. Estas conclusões estão em linha com os relatórios recentes divulgados pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) e pela  Plataforma Intergovernamental de Política de Ciência sobre Biodiversidade e Serviços do Ecossistema (IPBES), no que respeita à mitigação das alterações climáticas e à protecção da biodiversidade, respectivamente.

Uma outra conclusão de gravidade extrema está relacionada com a utilização dos solos e com a produção alimentar, “áreas” que já não conseguem ir ao encontro das necessidades das populações. A agricultura destrói as florestas e a biodiversidade, desperdiça água e é responsável por um quarto das emissões globais. No total, 78% das nações mundiais para as quais existem dados obtêm uma “classificação vermelha” na gestão sustentável do nitrogénio, o mais elevado número de “vermelho” em todos os indicadores que fazem parte do relatório. Ao mesmo tempo, um terço dos alimentos está a ser desperdiçado, com 800 milhões de pessoas a manterem-se na condição de malnutridas, dois mil milhões a sofrerem deficiências em micro-nutrientes e com a obesidade a continuar em ascensão. O relatório alerta igualmente para a urgência de transformações na utilização sustentável dos solos, bem como nos sistemas alimentares, para que seja possível equilibrar uma agricultura e gestão de florestas eficiente e resiliente em conjunto com a conservação e restauração da biodiversidade.

Menos conversa e mais acção

Uma outra chamada de atenção está relacionada com o facto de a implementação doméstica dos ODS não dever prejudicar a capacidade de outros países para os atingir, com o relatório a identificar vários exemplos desta deterioração. A procura internacional por óleo de palma e outro tipo de commodities está a fomentar a desflorestação tropical. Os paraísos fiscais e o secretismo bancário lesam substancialmente as capacidades dos países para captar as receitas públicas necessárias para financiar os ODS. Adicionalmente, a persistência da tolerância no que respeita a normas laborais pobres nas cadeias de fornecimento internacionais prejudica sobremaneira os pobres e, em particular as mulheres, nos países em desenvolvimento. E novos dados apresentados neste relatório comprovam igualmente que os países de elevado rendimento geram impactos negativos traduzidos por acidentes fatais no local de trabalho, tipicamente por importarem produtos e serviços provenientes de países de baixo e médio rendimentos com más normas e condições laborais.

Também os direitos humanos e a liberdade de expressão têm lugar nos alertas veiculados pela SDSN. O ODS 16 (Paz, Justiça e Instituições Eficazes) está também longe do seu cumprimento, com os conflitos existentes em vários locais do planeta a sofrerem retrocessos nestas matérias. A escravatura moderna e a quota de detidos nas prisões sem sentença permanecem elevadas, em particular nos países de baixos rendimentos. E também as tendências de corrupção e de liberdade de expressão estão a piorar em mais de 50 países que integram o relatório, incluindo nos que têm médios e elevados rendimentos.

Por último, o objectivo número 1 – erradicar a pobreza – permanece como um gigantesco desafio global com metade das nações avaliadas a não estar perto de o cumprir. A SDSN afirma ainda que são necessários dados mais actuais para a realização de intervenções políticas informadas, sendo que nos países de médios e elevados rendimentos o aumento das desigualdades e o gap persistente no acesso a serviços e oportunidades com base no rendimento ou por áreas territoriais mantêm-se, igualmente, como questões políticas importantes.

“Não sobra muito das promessas históricas feitas há quatro anos”, afirma Art De Geus, CEO da Bertelsmann Stiftung. “É urgente insuflar vida nos objectivos das Nações Unidas e transpô-los em medidas concretas. A pobreza e as oportunidades educacionais injustas não desaparecem com conversa, mas sim com acções concretas”.

Editora Executiva