Os jovens portugueses brilharam, mais uma vez, a nível internacional, na área da Ciência. Na 29ª Edição do European Union Contest for Young Scientists – que premiou 38 ideias cientificas apresentadas por cerca de 150 estudantes de 38 países -, duas equipas de estudantes regressaram a casa com distinções pelos seus projectos de investigação: um dispositivo activado a partir da leitura das matrículas dos carros que impede o estacionamento ilegal nos lugares reservados a pessoas com deficiência; e um fungicida natural à base de extractos de algas que combate a doença da tinta, a qual afecta milhares de espécies, como o castanheiro
POR GABRIELA COSTA

“A capacidade económica da Europa para lidar com os grandes desafios globais dependerá da próxima geração de investigadores e inovadores” – Carlos Moedas, comissário europeu da Investigação, Ciência e Inovação

Imagine-se um pilarete automático, como os que nos habituámos a ver no acesso às zonas das cidades reservadas a residentes, mas instalado em cada local de estacionamento prioritário. Um dispositivo que seja activado a partir da leitura das matrículas dos carros, impedindo assim, sem volta a dar, que as pessoas estacionem ilegalmente nos lugares reservados às pessoas com deficiência.


Imagine-se também um fungicida natural à base de extractos de algas da costa portuguesa, capaz de combater a conhecida doença da tinta, gerada por um organismo unicelular semelhante a um fungo, presente em milhares de espécies vegetais e florestais (como o castanheiro), e que não reage a qualquer fungicida comercialmente disponível.

Estes são os dois projectos nacionais distinguidos, há poucos dias, no 29º European Union Contest for Young Scientists (EUCYS), o prestigiado Concurso Europeu de Jovens Cientistas da Comissão Europeia que reuniu em Talin, na Estónia, entre os dias 22 e 27 de Setembro, a participação de cerca de 150 jovens cientistas de 38 países. Ao todo estiveram a concurso 89 projectos das mais variadas áreas da ciência, como Biologia, Física, Química, Matemática, Ciências da Computação, Medicina, Engenharias, Ambiente ou Economia, Psicologia e outras Ciências Sociais.

A representar Portugal estiveram seis jovens, das duas equipas responsáveis por desenvolver os projectos EasyPark, que mereceu o Prémio Governamental Cidade de Talin, pela inovação com que apresenta uma solução de engenharia para reduzir desigualdades sociais; e o ShealS – Sea Heals Soil, que sobressaiu na área do ambiente por combater, de forma natural, uma praga que causa prejuízos de milhões de euros em Portugal, conquistando um Prémio de Participação na Feira Internacional de Ciências e Engenharia (Intel ISEF) que se realiza em Maio de 2018, em Pittsburgh, nos Estados Unidos.

Beatriz Bastião, Luís Pinto e Olavo Saraiva, autores do projecto EasyPark

O pilar da mobilidade inclusiva e a alga inibidora de um pseudofungo

No valor de mil euros, o Prémio Governamental, atribuído pela cidade anfitriã, distingue projectos que revelem ter um elevado potencial de aplicação no desenvolvimento urbano ou que vão ao encontro daquelas que são as mais recentes tendências de smart cities (cidades inteligentes). É o caso do EasyPark, da autoria de Beatriz Bastião, Luís Pinto e Olavo Saraiva, estudantes da Escola Secundária de Oliveira do Bairro, no distrito de Aveiro: esta ideia inovadora na área da Engenharia “irá melhorar a qualidade de vida das pessoas com deficiência física e aumentar a sua independência”, garantem os jovens. O dispositivo automático, equipado com sensores de movimento e leitura de matrículas para fazer descer abaixo do solo o pilarete de bloqueio dos lugares de estacionamento dos condutores que constem numa base de dados dos automóveis autorizados a estacionar nos lugares prioritários, e que será desenvolvido com a ajuda do prémio monetário conquistado no EUCYS 2017, manterá estes lugares “livres para aqueles que realmente precisam”. A ideia, desenvolvida no âmbito da disciplina de Inglês a pensar em pessoas como a Beatriz, que depende de uma cadeira de rodas, visa contornar a falta de civismo das pessoas que, sem qualquer tipo de handicap, os ocupam, com frequência, sem pensar nos constrangimentos que causam aos cidadãos com limitações físicas. Não devia ser preciso, lamentam os jovens, mas é: com este pilar, as pessoas são obrigadas a agir correctamente.

[quote_center]O Prémio Governamental distingue projectos que revelem ter um elevado potencial de aplicação no desenvolvimento urbano ou que reflictam as mais recentes tendências de smart cities[/quote_center]

Já o prémio participação Intel ISEF 2018 levará aos EUA, mais concretamente até Pittsburgh, Francisca Martins, Eduardo Nogueira e Gabriel Silva, três estudantes universitários que frequentavam o 12º ano no Colégio Luso-Francês, do Porto, quando finalizaram o projecto de origem portuguesa ShealS – Sea Heals Soil. Desenvolvido na categoria Ciências do Ambiente, o projecto consiste num fungicida feito à base de uma macroalga vermelha, a Corallina sp. [nativa], presente na costa portuguesa e que se mostra eficaz – em 63%, de acordo com a investigação dos jovens cientistas – na inibição do crescimento do Phytophthora cinnamomi, um oomiceta que não reage a qualquer fungicida disponível no mercado, e que se encontra incluído na lista dos cem fitopatogénicos exóticos invasores mais prejudiciais a nível mundial.

Francisca Martins, Eduardo Nogueira e Gabriel Silva, autores do projecto ShealS – Sea Heals Soil

A ideia é combater este “pseudofungo”, nas palavras esclarecedoras da equipa, “de forma natural, usando as algas para reforçar o sistema imunitário das plantas”. O projecto é desenvolvido há três anos em parceria com a UTAD – Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro e a Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, e visa enfrentar uma praga que não tem cura e causa prejuízos de milhões em Portugal, afectando cerca de duas mil espécies em vários países da bacia do Mediterrâneo.

Para além dos dois projectos de investigação portugueses, o Concurso Europeu de Jovens Cientistas distinguiu, com diversos galardões, prémios monetários e viagens para participação em eventos como o London International Youth Science Forum e o Stockholm International Youth Science Seminar, para além de prémios de patrocinadores (caso da deslocação à Intel ISEF 2018) e visitas ao Centro de Investigação da CE e às oito organizações que integram o grupo pan-europeu Eiroforum, dezenas de ideias apresentadas por estudantes de 38 países da Europa.

[quote_center]A ideia do EasyPark foi desenvolvida a pensar em pessoas como a Beatriz, um dos elementos da equipa, que depende de uma cadeira de rodas[/quote_center]

Nos lugares do pódio da competição principal da Comissão Europeia para jovens cientistas classificaram-se Karina Movsesjan, da República Checa, com o projecto “The role of RAD51 mutations in cancer development”, que faz a caracterização bioquímica de uma mutação da proteína RAD51 (a qual repara danos no DNA altamente tóxicos) no carcinossarcoma do útero, avaliando o impacto das mutações desta proteína nas géneses de vários tumores; Adam Jan Alexander Ohnesorge, da Switzerland, com “The forgotten prisoners – Civilian prisoners of the Great War in Corsica”, que estuda o destino de milhares de civis detidos durante a Primeira Guerra Mundial na França e o papel das missões de Paz na Córsega, colocando em evidência a importância de reflectir sobre a situação actual de milhares de presos em zonas de conflito; e Danish Mahmood, do Canadá, com “W.I.N.I.T.S. (Wireless Interconnected Non-Invasive Triage System)”, um sistema de monitorização de sinais vitais, economicamente eficiente, assente num dispositivo biomédico inovador que fornece a socorristas, paramédicos e equipas médicas nos hospitais informações em tempo real sobre os sinais vitais dos pacientes.

Cada um dos três projectos vencedores recebeu um prémio de 7 mil euros. No total, os cientistas dos 14 aos 20 anos que conquistaram, com os seus projectos, os galardões do EUCYS 2017 arrecadaram um total de 53500 euros. Como sublinhou Carlos Moedas, perante 89 projectos “brilhantes”, “é encorajador ver [que existem] tantas mentes jovens promissoras”.

Portugal com menos apoios mas mais notoriedade internacional

Tal como todos os participantes no Concurso Europeu de Jovens Cientistas, que tinham já conquistado o primeiro lugar nas competições nacionais de ciência dos seus países, as equipas dos projectos EasyPark e ShealS – Sea Heals Soil foram apuradas a partir da 11ª Mostra Nacional de Ciência, promovida pela Fundação da Juventude, no passado mês de Junho, no Centro de Congressos da Alfândega do Porto, no âmbito do 25º Concurso Jovens Cientistas.

Em competição estiveram os cem melhores projectos – em áreas como Biologia, Ciências da Terra, Ciências do Ambiente, Ciências Médicas, Ciências Sociais, Economia, Engenharias, Física, Informática/Ciências da Computação, Matemática, Química e Bioeconomia – apurados entre os 116 projectos da 25ª edição deste Concurso, da autoria de 309 jovens cientistas, orientados por 73 professores e oriundos de 56 escolas a nível nacional.

A Mostra Nacional de Ciência é desenvolvida pela Fundação da Juventude desde 1992, tendo como objectivos promover os ideais de cooperação e intercâmbio entre jovens cientistas e investigadores,  estimulando o aparecimento de jovens talentos nas áreas da Ciência, Tecnologia, Investigação e Inovação. A iniciativa pretende incentivar um espírito competitivo nos jovens, através da realização de projectos científicos inovadores.

[quote_center]O Prémio Participação Intel ISEF 2018 levará aos EUA os três estudantes que investigaram, durante três anos, a utilização de uma macroalga para combater uma praga que causa prejuízos de milhões em Portugal[/quote_center]

O concurso dirigiu-se a estudantes a frequentar, em Portugal, o ensino básico, secundário ou primeiro ano do ensino superior, com idades compreendidas entre os 15 e os 20 anos, incluindo projectos individuais ou em grupo, com o máximo de três elementos. Para além da participação de jovens cientistas de todo o país, estiveram presentes cinco projectos internacionais oriundos do Brasil, Espanha e Moçambique.

[su_youtube url=”https://www.youtube.com/watch?v=zhxxZS1BvNY” width=”660″ height=”200″]Os alunos e projectos seleccionados receberam, respectivamente, 1250 euros (1º prémio); mil euros (2º prémio), 750 euros (3º prémio), 600 euros (4º prémio) e 400 euros (5º prémio). Foram ainda distinguidas várias iniciativas com o Prémio Especial Ambiente (mil euros), apoiado pela Agência Portuguesa do Ambiente, para distinguir o melhor trabalho realizado na área das Ciências do Ambiente; o Prémio Especial Lipor (500 euros), para o melhor trabalho realizado na área científica com maior número de projectos e o Prémio Porto Editora, que ofereceu 300 euros em edições e publicações. O concurso atribuiu também um Prémio Especial Professor(a) Coordenador(a) do 1º Prémio, no valor de 400 euros, para distinguir o empenho e a dedicação no acompanhamento do projecto, valorizando assim a experimentação e a investigação aplicada em processos educativos.

[quote_center]A Direcção Geral de Educação retirou apoio financeiro às últimas duas edições do Concurso Nacional de Jovens Cientistas[/quote_center]

Os jovens portugueses participam entusiasticamente desde 1993 em competições internacionais e já ganharam 16 prémios. Segundo o Presidente Executivo da Fundação da Juventude, “sobretudo nos últimos três, quatro anos, temos conseguido uma notoriedade muito grande nos certames. Tem-se notado uma qualidade cada vez maior nos trabalhos apresentados a concurso, assim como jovens mais bem preparados, pelo que o desafio vai continuar a ser chegar ao maior número de escolas e envolver o maior número de alunos que possam vir a representar Portugal nas mais variadas competições”. Isto, apesar da retirada de apoio financeiro por parte da Direcção Geral de Educação nas últimas duas edições do Concurso Nacional de Jovens Cientistas, que Ricardo Carvalho critica: “é importante continuar a apostar na promoção de áreas relacionadas com I&D, como forma de promover o empreendedorismo e a transferência de conhecimento. Este é um investimento que se reflecte no crescente número de jovens que anualmente participam no Concurso Nacional de Jovens Cientistas com o intuito de serem apurados para a Mostra Nacional de Ciência e alcançarem um lugar nos mais prestigiados certames Internacionais, onde Portugal se começa a destacar”.

É o caso do Concurso Europeu de Jovens Cientistas, cuja primeira edição se realizou em 1989 com o objectivo de promover a cooperação e intercâmbio entre jovens investigadores, dando-lhes a oportunidade de discutir os seus projectos de investigação com alguns dos principais cientistas do mundo. Hoje, esta iniciativa da Comissão Europeia criada com o intuito de promover os ideais de cooperação e intercambio entre jovens cientistas é uma das mais importantes mostras de investigação científica realizadas por estudantes do ensino secundário. A Comissão apoia várias iniciativas organizadas em cada país participante, com o intuito de atrair os jovens para carreiras ligadas às ciências e tecnologias.