Actualmente existe um risco considerável sobre a viabilidade das democracias existentes, acompanhado por riscos tecnológicos que podem estar associados às novas ditaduras onde a cibernética, data mining, vigilância e o poder crescente das multinacionais têm um peso cada vez maior na ordem global
POR SOFIA SANTOS*

Olhando para as várias publicações que o World Economic Forum (WEF) tem publicado no último mês, é possível identificar um conjunto de factores que poderão afectar o globo a vários níveis. De uma forma geral, é possível afirmar que actualmente existe um risco considerável sobre a viabilidade das democracias existentes, acompanhado por riscos tecnológicos que podem estar associados às novas ditaduras onde a cibernética, data mining, vigilância e o poder crescente das multinacionais têm um peso cada vez maior na ordem global.

Na Europa, o desemprego estrutural dos jovens, o descrédito pelos valores intrínsecos dos actuais líderes políticos e económicos, a falta de confiança nas políticas económicas e nos bancos em que se depositam as poupanças, bem como um afastamento generalizado entre quem governa e quem é governado, implica, a meu ver, uma ânsia por uma liderança humanista não paternalista, mas que facilmente se pode transformar numa liderança populista e destorcida.

Acredito que este perigo esteja eminente na Europa, até porque os jovens, tão desligados que estão da classe política que fala uma linguagem incompreensível para aquele público, consideram o seu tempo demasiado precioso para se dedicarem a uma política onde sentem não ter qualquer hipótese de intervir verdadeiramente. Neste contexto, ou existe um afastamento total e as novas ditaduras encontram lugar, ou então poderá surgir uma ruptura de sistema, com fortes agitações sociais, com o objectivo de terminar com o sistema existente. Estas duas situações são já visíveis na Europa.

Em simultâneo, a influência da cibernética e da gestão de dados sobre os perfis de todos os cidadãos que utilizam a internet, conjugadas com o poder crescente das empresas multinacionais (em particular do sistema financeiro), permitem a criação disfarçada de novas ditaduras que induzem os comportamentos dos cidadãos, sem que estes tenham essa percepção.

Neste mundo “estranho” em que vivemos, a falta de acção sobre o problema das alterações climáticas é hoje considerado um risco pelo WEF, existindo portanto uma ausência de interesse político e por parte de algumas empresas de sectores fortes em dinamizarem essa área da economia. Talvez esta espera, que está a ser comprovada com a recente decisão da Comissão Europeia de baixar em apenas 40% as emissões de CO2 em 2030, face a 1990, ao invés dos 50% necessários, seja o preço a pagar para que os sectores automóvel, petrolífero e energético consigam adaptar-se ao novo cenário de uma economia hipocarbónica, sem perderem demasiados “stocks”.

As oposições existentes no globo, onde cidades gigantescas começam a florescer e onde em certos locais, como na China, cidades de prédios vazios são construídas mas não têm habitantes, contrastam com o envelhecimento populacional europeu, onde o despovoamento de regiões ricas em recursos naturais começa a invadir a paisagem.

“A sociedade ocidental está num caminhar claro de perda de poder internacional”

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A expansão da classe média na Ásia e o surgimento de um grupo da população que exige mais igualdade nos direitos, melhores condições de vida e uma diminuição nas disparidades económicas poderá levar a uma agitação social, também já sentida quer na Ásia quer na América Latina. Países como a Índia, em que perto de 40% da população são crianças, constituem desafios económicos fortíssimos para a sociedade ocidental, que está num caminhar claro de perda de poder internacional.

Neste contexto, o estreitar de ligações entre a Europa e os Estados Unidos da América constitui um aspecto fundamental no desenvolvimento futuro do próprio espaço europeu e das suas ligações com o resto do mundo. O Ocidente e o Oriente parecem agora competir por recursos, quer humanos, tecnológicos e naturais, em prol de um crescimento económico. As forças geopolíticas estão em alteração e algo vai ter de mudar.

Capital natural e humano na nova Economia
O WEF, tal como muitos outros, sugere que essa mudança seja feita pela implementação de um novo modelo de crescimento, onde os recursos naturais tenham um valor de mercado, onde as externalidades negativas tenham um custo e sejam limitadas legalmente, e onde as escolhas “intertemporais” tenham um papel central nas economias, de forma a existir um desenvolvimento mais equitativo entre as gerações ao longo do tempo. Das entrelinhas das publicações do WEF é possível induzir que a contabilidade nacional tenha de ser alterada no futuro, de forma a incluir o capital natural e o bem-estar humano. Esta mudança, já em desenvolvimento pela Comissão Europeia na iniciativa “Beyond GDP”, iria provocar uma revolução sobre as variáveis do PIB e iria ter um impacto real e desejável na economia.

A título de curiosidade, alguns académicos que investigam o PIB Verde, calcularam-no na China e chegaram a valores negativos, o que, caso este indicador fosse reconhecido, teria implicações radicais na forma como os poderes económicos são hoje geridos. Este modelo de desenvolvimento sustentável, ainda está longe de ser alcançado, reconhecendo o WEF que é necessário, por exemplo, existir uma acção concertada e rápida sobre as questões associadas à energia e a emissões de CO2 que decorrem naturalmente do já referido crescimento populacional das economias em desenvolvimento.
Na realidade, da lista dos dez principais riscos identificados pelo WEF para 2014, três são do foro ambiental, três do âmbito económico, dois de cariz social e dois do foro geopolítico.

Os 10 riscos globais com maior relevância para 2014
1 Crise fiscal em economias chave Económico
2 Desemprego estrutural elevado Económico
3 Crise da água Ambiental
4 Disparidade de rendimentos severa Social
5 Falha do processo de mitigação e adaptação climática Ambiental
6 Catástrofes decorrentes de alterações climáticas extremas (cheias, tempestades, fogos) Ambiental
7 Falha da Governance global Geopolítico
8 Crise de alimentos Social
9 Falha das principais instituições e mecanismos financeiros Económico
10 Instabilidade profunda política e social Geopolítico

É interessante analisar também os riscos identificados como aqueles com maior impacto e maior probabilidade de ocorrência e que estão associados a:

  • Crise fiscal
  • Alterações climáticas
  • Crise da água
  • Desemprego
  • Disparidades de rendimento
  • Perda de biodiversidade e colapso dos ecossistemas
  • Ataques de cibernética

Ou seja, os riscos mais prováveis e com maior impacto estão ligados à forma como os governos gerem os seus investimentos e com que produtos financeiros, que por sua vez tem influência na forma como se tratam as questões ambientais e sociais. Num contexto de polarização entre aqueles que governam e os que são governados, os movimentos na cibernética ganham espaço, não só pela necessidade de controlo por parte de quem governa, como pela necessidade de resposta por quem é governado.

Se olharmos para Portugal, conseguimos compreender que temos todos estes riscos com elevada probabilidade de ocorrência e com elevado impacto. É necessário que a discussão política passe a trabalhar os outros temas, e não apenas o da dívida pública. Ou seja, é necessário avançar para além da dívida. Que seja já em 2014.

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CEO da Systemic