As perspectivas do Fórum Económico Mundial foram publicadas num contexto de incerteza económica contínua e de desafios de proporções históricas. Embora existam alguns motivos de optimismo, tais como o abrandamento das pressões inflacionistas, muitos aspectos continuam sombrios. Os responsáveis políticos continuam a confrontar-se com decisões difíceis; as famílias e as empresas terão de se adaptar a um 2023 tumultuado. O Governo de Portugal apresentou recentemente resultados positivos e esta semana o FMI reviu-os há dias em alta. A realidade é que as carteiras dos portugueses ainda andam cheias de ar; em grande parte do mês, continua a não haver dinheiro para as contas
POR PEDRO COTRIM

A extensão da pobreza humana no começo do século XXI é um insulto à dignidade humana. A frase, ecoada nos corredores das Nações Unidas há vinte anos, pode infelizmente ser repetida várias vezes sem nunca se tornar mentira. O «Terceiro Mundo», termo cunhado no começo dos anos cinquenta, ainda existe, apesar de esta designação ser agora usada com muito mais parcimónia. Mais de mil milhões de seres humanos vivem com menos de um euro por dia; quase dois mil milhões de seres humanos vivem com menos de dois euros por dia. Mesmo em sociedades muito menos mercantilizadas que a nossa, são valores que não permitem comida, medicamentos, habitação ou educação.

Após este intróito, o outlook. Um em cada cinco inquiridos no mundo ocidental diz-se muto pessimista em relação ao futuro. 32% esperam viver proximamente uma recessão. E o FMI prevê realmente que um terço do mundo entre em recessão em 2023.

Na Europa e nos EUA, a totalidade dos especialistas espera um crescimento muito reduzido; no último relatório do FEM, os números foram de 86% para a Europa e de 64% para os EUA. Valores elevados, mas não os 100% que agora se verificam.

A guerra e as tensões internacionais continuam a condicionar a evolução da economia mundial e a totalidade dos inquiridos considera provável (73% «ligeiramente», 27% «extremamente») que os padrões da actividade económica continuem a sofrer alterações em todo o mundo devido a novas fissuras geopolíticas.

Os especialistas prevêem uma variação regional significativa nas perspectivas de inflação para 2023. Embora não se espere especificamente em nenhuma região do mundo uma inflação espantosamente elevada, as expectativas variam de 57% dos inquiridos para a Europa a apenas 5% dos inquiridos para a China. Após um ano de restrições fortes e coordenadas dos bancos centrais, os especialistas auscultados esperam que a orientação da política monetária se mantenha na maior parte do mundo durante este ano. 

Nas sociedades «ricas» persistem grandes bolsas de pobreza. Os Estados Unidos e a Europa têm cerca de dez por cento da sua população efectivamente dentro dos limites rigorosos da pobreza; se se entender por pobreza a impossibilidade de fazer face a muitas despesas essenciais, este número multiplica-se rapidamente por três ou por quatro. Mesmo aqui, na parte mais bafejada do mundo, há mesmo muita gente a viver longe dos padrões da dignidade.

No início de 2023, as grandes preocupações com o custo de vida permanecem em muitos países. No entanto, os inquiridos acreditam que a crise do custo de vida pode estar perto do seu do seu máximo, com a maioria (68%) a esperar que a crise se tenha tornado menos grave até ao final de 2023. Uma tendência semelhante é evidente na crise energética, com quase dois terços dos inquiridos quanto ao facto de as condições poderem melhorar até ao final do ano. 

Cerca de nove em cada dez inquiridos esperam que a fraca procura e os elevados custos dos empréstimos exerçam um travão significativo na actividade empresarial em 2023, sendo que mais de 60% dos respondentes esperam também que os custos mais elevados dos factores de produção sejam um factor significativo. Em resposta a estes desafios, a maioria dos especialistas espera que as empresas multinacionais reduzam os custos. 86% dos inquiridos afirmam esperar que as empresas reduzam as despesas operacionais e 78% esperam despedimentos. Mais de três quartos (77%) dos inquiridos esperam também que as empresas optimizem as suas cadeias de abastecimento.

No inquérito também se pediu aos especialistas que destacassem quaisquer fontes de optimismo no actual contexto económico mundial. Dois factores surgiram: o pico da inflação aparentemente já ultrapassado e a resiliência dos mercados de trabalho. Os inquiridos também destacaram as perspectivas de uma recuperação na China, na sequência do abandono das políticas de políticas de zero-COVID, bem como as oportunidades económicas na transição energética, a relativa resiliência de alguns mercados emergentes e a continuação da flexibilidade no local de trabalho para os trabalhadores dos sectores do conhecimento.

A recuperação dos máximos da inflação parece realmente ser um facto: durante o último ano, manteve-se teimosamente elevada e generalizada, mas alguns dados moderadamente encorajadores divulgados no último trimestre de 2022 proporcionam alguma margem para optimismo quanto às perspectivas de inflação a médio prazo em 2023. Houve factores a contribuir para um ligeiro abrandamento da taxa de inflação, incluindo restrições monetárias rápidas e em sincronia, a estabilização dos preços das matérias-primas e o abrandamento das pressões da procura. A última previsão do FMI prevê que a inflação mundial desça para 6,5% este ano, contra 8,8% em 2022.

A edição de Setembro de 2022 destacou a intensificação do impacto humano da crise do custo de vida, com a queda dos salários reais a conduzir a um agravamento das condições de pobreza e a uma e a uma agitação social mais generalizada. No início de 2023, estas preocupações são ainda evidentes, e muitos agregados familiares enfrentam o duplo desafio de se confrontarem com custos relativamente elevados para as necessidades básicas, como o aquecimento e a alimentação, ao mesmo ao mesmo tempo que sentem os efeitos da política monetária destinada a reduzir a inflação a longo prazo. No entanto, os inquiridos acreditam que a crise do custo de vida pode estar perto do máximo quando as políticas começarem a surtir os seus efeitos, e a maioria (68%) espera que a crise seja menos grave até ao final de 2023.

Em resposta aos ventos contrários em 2023, a maioria especialistas prevê que as empresas multinacionais cortem custos, e 86% dos inquiridos afirmam esperar empresas reduzam as despesas operacionais. 

Este facto está em linha com um número crescente de anúncios empresariais de programas de redução de custos desde Setembro de 2022. Além disso, 78% dos inquiridos esperam que as empresas cortem custos com o despedimento de trabalhadores. Já existem numerosos exemplos de despedimentos significativos nos últimos meses de 2022. Estas expectativas confirmam a incerteza contínua sobre a força futura do mercado de trabalho.

Mais de três quartos (77%) dos inquiridos esperam que as empresas respondam com uma optimização das suas cadeias de abastecimento. Este facto está em consonância com as resultados da edição de Setembro sobre a necessidade de localização e diversificação da cadeia de fornecimentos e reitera a conclusão de que os inquiridos não esperam das cadeias um entrave significativo à actividade este ano. 

Cerca de dois terços dos inquiridos (68%) esperam que os preços sejam aumentados pelas empresas para que os custos dos factores de produção possam ser transferidos para os consumidores. Isto reflecte o significativo poder de fixação de preços de que muitas empresas desfrutam durante este período de preços ao consumidor, com os preços líquidos cobrados por algumas grandes empresas aumentaram até 11%. Quando solicitados a avaliar. Quando solicitados a avaliar uma estratégia oposta, em que as empresas reduzem os preços para manter ou aumentar a aumentar a quota de mercado, esta estratégia foi considerada provável por apenas 32% dos inquiridos.

Quase três quartos dos especialistas (73%) afirmaram esperar que as empresas adiem os investimentos em 2023, a fim de para poupar dinheiro. Uma percentagem muito menor considera provável que as empresas aumentem os investimentos destinados a aumentar a competitividade (14%) ou para aumentar a resiliência (37%). Este facto é coerente com lições da crise financeira de 2008, quando a melhoria das margens através de estratégias defensivas foi tida como mais eficaz para ajudar as empresas a resistir aos ventos contrários da economia, em comparação com as estratégias de crescimento.

No inquérito também se perguntou aos especialistas que estratégias as empresas poderiam adoptar face ao aumento das taxas de juro e à e a crescente tensão geopolítica. Relativamente aumento das taxas de juro, a maioria das respostas inclui um maior enfoque na saúde do balanço balanços, desalavancagem e redução de investimentos. No entanto, um conjunto significativo de respostas considerou o aumento das taxas de juro como um investimento transitório e não uma mudança para uma nova era a mais longo prazo, sinalizando o fim do dinheiro barato. No caso de uma geopolítica mais geopolítica mais complexa e menor integração mundial, espera-se um menor investimento internacional, uma mudança para estratégias «just in case» e a manutenção de estratégias de diversificação e localização. Com base nestas tendências, o impacto global sobre os preços, na eficiência e no crescimento a médio prazo será significativo.